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Óscares 2022. A ousadia de Spielberg em “West Side Story” merece ser vista. E Melhor Filme, também merece?

O amor proibido entre Tony (Ansel Elgort) e Maria (Rachel Zegler) precipita a tragédia de “West Side Story”
O amor proibido entre Tony (Ansel Elgort) e Maria (Rachel Zegler) precipita a tragédia de “West Side Story”

Steven Spielberg acerca-se do que já foi feito e ficou perfeito em “West Side Story”. O filme está agora disponível na Disney+. Poderá sair vencedor dos Óscares deste ano?

Este novo “West Side Story” é um filme complexo e intrigante, deixa os espectadores cheios de perguntas (só por isso, recomenda-se), a começar pela razão da própria existência do filme em si. Dir-se-ia a priori que Spielberg procurou lenha para se queimar, ou que, pelo menos, se quis pôr à prova, correndo com isso o risco da redundância.

O que leva um cineasta como ele a arriscar fazer em 2021 um remake de um dos mais célebres musicais de todos os tempos? Tudo isto é misterioso e cada dúvida que vem à cabeça parece trazer outra. Não foi de certeza para ‘competir’ com o original, 60 anos redondos após a obra corealizada por Robert Wise e pelo coreógrafo James Robbins, porque, se assim fosse, seria guerra perdida à partida.

É que o trabalho de Wise/Robbins - esse “West Side Story” que por cá se chamou “Amor sem Barreiras” - é um filme-charneira da história da comédia musical, ainda hoje um portento de modernidade e de inventiva, não envelheceu uma ruga. Realizado sem olhar a meios numa altura em que o musical como género enfrentava o mesmo declínio dos grandes estúdios de Hollywood, foi o filme mais visto de 1961 e o musical mais popular até então (só seria destronado pelo próprio Wise quatro anos depois por “Música no Coração”), fechando a temporada com a conquista de 10 Óscares. Não, Spielberg não quer ombrear com este currículo. Por outro lado, também não dá indícios de querer inaugurar nova moda, explorar inesperado filão comercial daqui para a frente - nem Spielberg é, de resto, cineasta que precise de tais fretes.

UMA HISTÓRIA DE FANTASMAS?

Tal como o filme de 1961, o novo “West Side Story” adapta o mesmo texto que Ernest Lehman escreveu para a peça homónima da Broadway, estreada em 1957 (um êxito que fez data), por sua vez livremente inspirada no “Romeu e Julieta” de Shakespeare. Estamos no leste de Manhattan e no meio das lutas territoriais entre o gangue de rapazes brancos Jets, comandado por Riff (Mike Faist), e o gang de rapazes porto-riquenhos Sharks, liderado por Bernardo (George Chakiris). Nisto, Tony (Ansel Elgort), ex-líder dos Jets, apaixona-se por Maria (Rachel Zegler), irmã de Bernardo, e o amor proibido precipita a tragédia.

Tal como o filme de 1961, também Spielberg segue a partitura (seria impensável imaginar o filme sem ela) de Leonard Bernstein, com números musicais tão memoráveis como 'America', 'Jet Song' ou 'I Feel Pretty'. Justin Peck assinou uma nova coreografia, Tony Kusher (argumentista de “Munique” e “Lincoln”) introduziu nuances muito suaves ao guião. Mas a história permanece essencialmente a mesma.

E Spielberg não vai apenas dialogar com a peça; homenageia, sem qualquer dúvida, o filme de Wise/Robbins e a sua mensagem contra o racismo, a xenofobia e a intolerância. Não é por acaso que o novo “West Side Story” começa em 'voo picado' a filmar escombros numa alusão clara ao bairro de Nova Iorque em que hoje se situa o Lincoln Center e que foi demolido logo após a rodagem do filme de 1961.

Mas os escombros também são os da memória afetiva de Spielberg, ele que prometeu a si próprio que um dia faria este filme (e acabou por dedicá-lo ao pai, lê-se no genérico final) de tal modo a peça o marcou quando ele a viu aos 10 anos. Se quisermos ir mais longe, aqueles também são os escombros do cinema, ou os seus fantasmas – como se o novo “West Side Story”, arrisquemos, fosse um 'musical ressuscitado'. Não é um filme tão agil, tão atleta, tão inspirado como o original.

A cena do baile em que Tony e Maria se conhecem, por exemplo, não está à mesma altura. E contudo, embora perca se comparado como clássico, apresenta uma consistência invejável, uma competência a toda a prova nas categorias técnicas e de interpretação (Rachel Zegler é atriz para seguir com atenção), aqui canta-se e dança-se muito bem e como a regra manda - o filme dá dez a zero a qualquer “La La Land” recente.

Convenhamos: os artífices que outrora fizeram filmes como “West Side Story” estão mortos, levaram com eles o 'segredo' de um género muito exigente em que a indústria, a uma dada, deixou de investir. Hoje, não temos musicais, temos uma praga de séries e uma horda de paupérrimos super-heróis. Mas de repente, Spielberg aparece com vontade de 'torcer' o tempo. E pôe-nos à frente um musical como eles eram feitos no fim do cinema clássico. Tal e qual? Veja por si. Quem diria que seríamos presenteados com tal ilusão, nem parece um filme de 2021.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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