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“O país tem um problema com as escutas” e os agentes da justiça tendência para “investigar sentados”, reconhece ex-PGR Cunha Rodrigues

Cunha Rodrigues, à direita, na tomada de posse como PGR de Souto Moura, que lhe sucedeu em 2000
Cunha Rodrigues, à direita, na tomada de posse como PGR de Souto Moura, que lhe sucedeu em 2000

Cunha Rodrigues afirma, em entrevista ao “Público” e à Renascença, que o recurso excessivo a este meio de investigação “hoje lesa direitos fundamentais”, devendo ser repensado e usado “segundo o princípio da proporcionalidade”

Maria Monteiro

Jornalista

O ex-Procurador-Geral da República, José Narciso Cunha Rodrigues, considera que “o país tem um problema com as escutas” e admite que há um excesso de utilização deste meio de investigação no sistema judicial português, segundo disse em entrevista ao programa Hora da Verdade, do “Público” e da Renascença.

“Os meios tecnológicos evoluíram de tal maneira que os agentes da justiça se sentiram atraídos para, numa linguagem comum, investigar sentados”, declarou o magistrado, que entende que as escutas constituem “um meio de adquirir meios de prova” e não uma prova em si, leitura que é atualmente feita pela jurisprudência. “Não era essa a finalidade inicial”, realça.

Devido às suas caraterísticas como a “tendência para se expandir no tempo e no espaço”, abrangendo não só o visado pela investigação, mas “a família, amigos e pessoas que não têm nada que ver com o assunto”, as escutas configuram “uma matéria que hoje lesa direitos fundamentais e que devia ser analisada em profundidade”, afirma Cunha Rodrigues.

“Todos os meios intrusivos da vida privada e da autonomia individual devem ser usados com parcimónia e segundo o princípio da proporcionalidade”, ressalta.

O ex-PGR rejeitou, por outro lado, a teoria de que há uma “campanha orquestrada” contra a Procuradoria-Geral da República, defendida por Lucília Gago na entrevista que deu recentemente à RTP. Cunha Rodrigues fala num outro fenómeno que considera relevante, a “espiral de silêncio, em que até um certo momento ninguém fala de ninguém e a partir daí todos replicam as mesmas coisas”, e que convive com o agenda setting no espaço público.

Além disso, o magistrado recusou a ideia de que há ingerência política na PGR e disse não recear que reformas “que alteram as condições de trabalho e as funções das magistraturas” venham a condicionar a independência e autonomia do Ministério Público (MP).

A propósito do fim do mandato de Lucília Gago, Cunha Rodrigues defendeu, ainda, que “um procurador-geral da República tem de ser tecnicamente muito competente e ter uma visão multicultural do direito, ter cultura, mundo e bom senso”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mmonteiro@expresso.impresa.pt

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