Foi uma longa noite eleitoral, em que a única certeza acabou por ser a da reeleição de Marcelo para um segundo mandato. Mas entre tantos discursos e números, quais dos sete candidatos tiveram realmente vitórias e derrotas? A história das presidenciais - e os dados das últimas legislativas - dão-nos boas respostas. Vamos a isso, começando pelo Presidente releito.
RESULTADOS ELEITORAIS
Marcelo Rebelo de Sousa
Sendo Presidente no cargo, Marcelo jogava nestas eleições a sua força política para os próximos cinco anos. Assim, tinha uma primeira fasquia a passar: evitar uma segunda volta. E cumpriu: obteve 60,7% dos votos. Cumpriu-se assim a tradição: nenhum chefe de Estado em exercício teve de ir a prolongamento - todos voltaram a vencer à primeira.
CANDIDATO SOCIAL-DEMOCRATA
Mas Marcelo passou também um segundo desafio: superou o seu resultado de 2016 - fez agora 2.533.799 votos, mais 121.874 votos do que os 2.411.925 anteriores. Assim como ganhou na comparação dessa subida com os resultados das reeleições de anteriores Presidentes.
REELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
Com o sucessivo aumento da abstenção em Presidenciais, Marcelo tinha sido o Presidente eleito com menos votos totais - menos do que os 2.758.737 de Cavaco Silva. Mas agora recuperou terreno e acabou reeleito com mais votos do que Sampaio e Cavaco nas suas reeleições. Batendo estes dois também em percentagem de votos.
A noite só não foi perfeita porque Marcelo fica longe da melhor votação de sempre, quer em percentagem, quer em votos totais - os célebres 3,460,365 e 70,35% de Mário Soares em 1991 - e só bate Eanes na percentagem de votos da sua reeleição (não no número de votos total). Mesmo assim, consegue ficar no pódio, sendo o terceiro PR a conseguir aumentar votos totais de uma eleição para a outra (coisa que nem Sampaio, nem Cavaco conseguiram).
VANTAGEM PARA O 2.º CANDIDATO
Já agora, mais uma vitória para Marcelo: com a diferença de 47,73% para Ana Gomes, torna-se o segundo Presidente a conseguir maior distância face ao segundo classificado. Só Soares (contra Basílio Horta) tinha feito melhor: 56,3%. Nem Eanes, para Otelo, fez melhor em 1976.
É caso para dizer que Marcelo sair reforçado. Sem margem para dúvidas.
Ana Gomes
A diplomata e ex-eurodeputada do PS já sabia ter uma missão impossível: levar um Presidente em funções a segunda volta. Nunca aconteceu por cá - pelo que ninguém lhe cobrou a façanha.
De Ana Gomes, pode dizer-se que conseguiu o primeiro objetivo: superar André Ventura, com quem esteve taco a taco nas sondagens: fez mais 44.692 votos que o líder do Chega.
DIFERENÇA DE VOTOS ENTRE ANA GOMES E OS OUTROS CANDIDATOS
Mas não se pode dizer que tenha saído por cima da noite eleitoral. Na comparação com Sampaio da Nóvoa, perde 520.045 votos, menos 9,91 pontos percentuais. Anote-se que, tal como Sampaio da Nóvoa, também a diplomata não teve apoio oficial do seu PS - sendo evidente que teve menos apoio do que o ex-reitor dos seus dirigentes no terreno.
DIFERENÇA DE ANA GOMES PARA 2016
RESULTADO COMPARATIVO DE ANA GOMES
Também não foi melhor quando comparado com os melhores resultados de candidatos área PS contra Cavaco: os seus resultados desta noite eleitoral ficaram longe dos de Manuel Alegre em 2006, (1.138.297, 20,74% dos votos totais). E até pior do que os de Soares nesse mesmo ano: o fundador só teve 785.355 (14,31%).
Já agora, falando nele: na sua reeleição, Soares teve o apoio do seu PS e do PSD também (num cenário próximo do de hoje, mas invertido). O seu adversário na altura, Basílio Horta, teve 692.633 votos, 14,16%. Mas nem aí Ana Gomes conseguiu chegar.
André Ventura
O líder do Chega estabeleceu a sua meta e saiu ganhador: com 11,9% dos votos, ficou acima dos 10% que queria. E superou largamente a soma dos votos dos candidatos da esquerda.
Outra vitória que Ventura poderá reclamar: nas legislativas, quando foi eleito deputado, o seu novo partido teve apenas 67.826 votos a nível nacional. Agora, nestas presidenciais, Ventura consegue 496.583 votos. Multiplicou por sete o resultado.
COMPARAÇÃO COM AS ÚLTIMAS LEGISLATIVAS
Sendo tudo isto incontestável, convém sublinhar que Ventura não é o primeiro outsider a aparecer em Presidenciais - tão pouco o primeiro a conseguir bons resultados. Eis a tabela com esses nomes.
MELHORES 'OUTSIDERS' PRESIDENCIAIS
Olhando para a lista, o líder do Chega passou facilmente a primeira candidatura do Bloco de Esquerda - Fernando Rosas obteve 129 840, 3% dos votos em 2001. E passou, claro, o razoável resultado de Vitorino Silva há cinco anos - 152.094 votos, 3,28% do total.
Porém, não conseguiu ser o melhor outsider de sempre das Presidenciais: teve menos votos do que Fernando Nobre (593.021 votos, 14,07% do total) - ele que concorreu contra Cavaco e Alegre em 2011. E ficou muito aquém de Sampaio da Nóvoa, que avançou do quase anonimato perante o grande público para chegar ao recorde de 1.061.390 votos, 22,88%.
É claro que Ventura teve este domingo uma vitória inequívoca, mas não tão larga como aquela com que, eventualmente, sonhou. Afinal, ficar a seguir a Ana Gomes não lhe dá o prazer de ser o melhor depois de Marcelo.
João Ferreira
O PCP tem um longo historial nas presidenciais, embora não tenha concorrido sempre com um candidato próprio (apoio Eanes na reeleição, depois Zenha, também Sampaio em 1996, depois de uma desistência à beira da eleição). Nesta, conseguiu não perder mais - mas não necessariamente uma vitória. Vamos por partes.
O objetivo mais direto era superar o resultado de Edgar Silva, o candidato do partido há cinco anos. Tinha sido o pior resultado do PCP em presidenciais, quer em número de votos, 183.009, quer em percentagem, 3,95%. João Ferreira superou-o em percentagem de votos (4,32%). Mas em número de votos ficou-se pelos 180.473 votos. Com menos 2.536 votos do que Edgar Silva, João Ferreira bateu novo recorde negativo de votação dos comunistas em Presidenciais.
CANDIDATOS COMUNISTAS
Assim, é claro que João Ferreira ficou muito longe dos 635.373 votos de Carlos Carvalhas em 1991, o melhor de sempre do partido, mas também dos 300.921 votos (e 7,17%) de Francisco Lopes - um membro do Comité Central com grande influência no partido. Para não dizer que ficou a larga distância do resultado de Jerónimo de Sousa, em 2006: 474.083 votos, 8,64% do total.
Para quem tantas vezes foi apontado como um dos possíveis sucessores do atual secretário-geral, este resultado não parece um bom princípio. Até porque, nesta candidatura, o PCP fica a 152.000 votos, precisamente, dos 332.473 votos conquistados nas últimas legislativas - perdendo até concelhos no Alentejo para André Ventura.
COMPARAÇÃO COM AS ÚLTIMAS LEGISLATIVAS
Resta-lhe o prémio de consolação de ter ficado acima de Marisa Matias, a candidata do Bloco, para dar um pouco de folga à atual posição de principal sustentáculo do Governo de António Costa.
Marisa Matias
A derrota de Marisa Matias vê-se a olho nu: ficou com apenas 164.731 votos, menos 305 mil do que os 469.582 votos que obteve na sua estreia em presidenciais, há cinco anos.
CANDIDATOS DO BLOCO DE ESQUERDA
Pior ainda: a eurodeputada fica atrás do resultado de Francisco Louçã, que enquanto líder, em 2006, teve 288.261 votos. E só faz marginalmente melhor do que os 129.212 votos de Fernando Rosas, nas primeiras Presidenciais onde o Bloco apresentou candidato - ainda o partido era muito jovem.
COMPARAÇÃO COM AS ÚLTIMAS LEGISLATIVAS
Porque não há duas sem três, Marisa fica ainda atrás do candidato do PCP (menos 15.742 votos do que João Ferreira. E perde 335.286 votos para os 500.017 votos que o partido teve nas últimas legislativas. Para um partido que, no último Orçamento do Estado, decidiu votar contra o Governo de Costa e ficar mais longe da ‘geringonça’, é uma derrota total.
Tiago Mayan
O candidato da Iniciativa Liberal apareceu do anonimato e surpreendeu nos debates televisivos. E com isso, acabou com uma noite bastante positiva.
Eis a vitória mais destacada: o advogado do Porto fez a Iniciativa Liberal subir dos escassos 67.681 votos das legislativas de 2019 para 134.427 votos. Com isso, o partido sobe dos 1,29% para os 3,22%.
COMPARAÇÃO COM AS ÚLTIMAS LEGISLATIVAS
Talvez mais interessante, ainda, é que o IL consegue aproximar-se dos 221.774 votos e 4,22% do CDS nas últimas legislativas. Digamos que ainda não foi o tal “vendaval liberal” que prometeu no último dia de campanha, mas é claro que o partido pode dar-se por vencedor.
Só não é mais porque, à sua direita, André Ventura disparou. Recorde-se: em 2019 o Chega só teve mais 145 votos que a Iniciativa Liberal. Agora, os dois partidos separam-se por 362.156 votos.
Só para tira-teimas, vejamos como compara Mayan com outros outsiders de outras presidenciais: lado positivo, foi melhor que Fernando Rosas ou o também advogado Paulo Morais; lado negativo, nem chegou ao resultado de Vitorino Silva há cinco anos (embora o tenha ultrapassado agora).
MELHORES 'OUTSIDERS' PRESIDENCIAIS
Vitorino Silva
Para Vitorino Silva, foi uma eleição em ligeira perda: teve menos 29.351 votos do que nas últimas presidenciais (quando atingiu 152.094 votos), e menos 0,34 pontos percentuais do que em 2016.
CANDIDATO DO RIR
Mas, pelo lado positivo, largamente superou os 35.359 votos que o seu partido (R.I.R.) teve nas legislativas de 2019. São 2,94% contra 0,67%. Chegará para manter de pé o sobrevivente político Tino de Rans.
COMPARAÇÃO COM AS ÚLTIMAS LEGISLATIVAS
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