João Luís Barreto Guimarães, médico-poeta vencedor do Prémio Pessoa: “É para a poesia que os governantes se voltam quando o mundo falha”
ANTONIO PEDRO FERREIRA
Médico do Porto e autor de livros de poesia, distinguido em 2022 com o prémio do Expresso apoiado pela CGD, evocou “a Europa das tragédias dolorosamente recorrentes como a invasão de Putin, que os poetas recolhem em estilhaços, pensamentos e ruínas”
João Luís Barreto Guimarães, médico e escritor de poesia - tal como Miguel Torga - recebeu esta segunda-feira o Prémio Pessoa 2022, atribuido pelo Expresso e apoiado pela Caixa Geral de Depósitos, em cerimónia que decorreu na Culturgest, em Lisboa, na presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
“É da ordem da improbabilidade o facto de me encontrar hoje aqui para aceitar este prémio”, começou por frisar João Luís Barreto de Guimarães no seu discurso, lembrando que “não foram muitas as vezes em que o mesmo [prémio] foi atribuído a um escritor de poemas”, que também é “funcionário de um hospital público”.
Natural do Porto, João Luís Barreto Guimarães, com 55 anos anos, é médico de cirurgia reconstrutiva no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, e assume escrever poemas à mesa de um café após realizar cirurgias plásticas.
Autor de uma obra que inclui 12 livros compilando a sua poesia, publicados em várias línguas, teve a sua primeira obra, Há Violinos na Tribo, publicada em 1989 (aos 22 anos), sendo a última, Aberto Todos os Dias, já de 2023, Entre os vários prémios que já recebeu inclui-se o Willow Run Poetry Book Award 2020, nos EUA, com o seu livro Mediterranean.
João Luís Barreto Guimarães também é responsável por uma inédita cadeira de Introdução à Poesia desde 2021, que faz parte do plano de Mestrado Integrado em Medicina do instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto.
António Pedro ferreira
Esta “ideia de um médico enquanto humanista”, que levou João Luís Barreto de Guimarães a criar uma cadeira de poesia num mestrado de medicina foi enaltecida por Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República que presidiu à entrega do prémio. “Não se trata de um nome evidente, e para muitos foi uma surpresa, mas o conhecimento da sua poesia desfaz toda a surpresa”, salientou Marcelo.
“É poesia pura, que alia sensibilidade à inteligência”, entafizou na ocasião Francisco Pinto Balsemão, presidente da Impresa, referindo-se à obra de João Luís Barreto Guimarães, eleito com “o mais relevante galardão cultural atribuído no nosso país” após “longas horas de debate do júri no ambiente único de Seteais”.
“O homem a quem entregamos hoje o prémio tem uma carreira” e “vejo na sua especialidade [cirurgia plástica] um toque de poesia” destacou por seu turno o presidente da comissão executiva da CGD, Paulo Moita de Macedo. “Diria que a poesia nos é necessária para entendermos o mundo à nossa volta”.
Ao receber o Prémio Pessoa, João Luís Barreto Guimarães assumiu-se como um “poeta europeu”, e pôs a tónica na “Europa das tragédias, dolorosamente recorrentes como a invasão de Putin” e que “os poetas recolhem em estilhaços, pensamentos e ruínas”.
Frisando ser “condição habitual que poetas e governantes se estranhem mutuamente” e que “os governantes rir-se-iam da proposta de um poeta para as tão difíceis negociações entre o mundo árabe e o mundo ocidental”, o João Luís Barreto Guimarães referiu ainda não ser “de esperar que poetas e governantes coincidam nas páginas do mesmo livro”, e que “há coisas piores” do que o poder ou o “contínuo autossacrifício” a que obriga a poesia: “uma reunião de condomínio, por exemplo”.
“É no entanto para os escritores - e em particular para a poesia - que frequentemente os governantes se voltam quando o mundo falha”, realçou o vencedor do Prémio Pessoa, citando “o conhecido dito” de John F. Kennedy, “Quando o poder corrompe, a poesia limpa”, com o qual “o americano parecia querer atribuir à poesia um papel de detergente para ludibriar filisteus”.
“É com o livro que a sociedade acorda e se liberta”
“Numa altura em que a política se encontra em declínio - sem rumo, sem esperança, sem pensamento”, João Luís Barreto Guimarães deixou também o apelo, não só a governantes (e evocando o mito de Sísifo), no sentido de voltar “a contemplar aquilo que raramente se vê, porque todos os dias se trabalha de costas voltadas para a vida - nas salas de aula, nos hospitais, nos departamentos dos serviços públicos”.
António Pedro Ferreira
“O futuro não passa somente pela tecnologia” e reside na “capacidade que nós, humanos, tivermos de encetar algo tão simples quanto conversar uns com os outros, nos misturarmos - nos bairros, na comunidade”, destacou ainda João Luís Barreto Guimarães, deixando claro que “o verdadeiro capital de um país é o capital humano, o que ama, o que resiste com dignidade, ano após ano, ao desnorte do poder, é a esse que urge devolver a palavra”.
À apresentação do Prémio Pessoa, que distingue anualmente uma personalidade que se destaca em Portugal na esfera artística, cultural ou científica, e no valor pecuniário de 60 mil euros, compareceram ainda o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, entre várias outras personalidades. A cerimónia terminou com uma intervenção musical de pedro Abrunhosa.
Agradecendo o prémio e a “inevitável consagração que acarreta”, o médico-poeta enfatizou nas suas palavras finais do discurso que cada poema “é um campo de batalha frágil de escala humaníssima” e que “o livro certo é uma arma, é com o livro que a sociedade acorda e se liberta”.
“O Prémio Pessoa não é um prémio de fim de carreira”, sublinhou Pinto Balsemão, interpolando diretamente João Luís Barreto Guimarães: “Presisamos de si durante muito tempo, contamos consigo, ainda tem muito para nos dar”.
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