O Presidente da República vetou o decreto do Governo com as regras para a privatização da TAP. Na mensagem em que devolve o diploma ao executivo, Marcelo pede para que sejam esclarecidas três dúvidas. “O Presidente da República decidiu devolver ao Governo o diploma de privatização da TAP, solicitando a clarificação de três aspetos que considera essenciais: a capacidade de acompanhamento e intervenção do Estado numa empresa estratégica como a TAP; a questão da alienação ou aquisição de ativos ainda antes da privatização; a transparência de toda a operação”, lê-se na nota divulgada no site da Presidência.
O primeiro-ministro já reagiu ao veto, prometendo uma resposta ponderada. Numa muito curta nota enviada às redações, Costa diz que “regista as preocupações” do Presidente da República e garante que que serão “devidamente ponderadas”.
Na carta dirigida ao primeiro-ministro, Marcelo Rebelo de Sousa começa por dizer que “deve ser assegurada a máxima transparência em todo o processo que levará a uma decisão de venda do controlo da empresa”. Sobretudo sendo esta uma empresa que tem um “valor estratégico fundamental” para Portugal, e que não só teve uma injeção “avultada” de capital dos contribuintes para a salvar na sequência pandemia da Covid-19, como esteve debaixo dos holofotes mediáticos durante a comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP.
No entender do Presidente da República, contudo, esse dever de transparência não está assegurado. “O conteúdo do diploma, que é determinante porque constitui a única lei que condiciona as decisões administrativas subsequentes, suscitava múltiplas dúvidas e reticências à luz da desejada máxima transparência do processo". E é isso que Marcelo insta o Governo a esclarecer, considerando que as explicações dadas pelo Executivo às dúvidas do Presidente nos dias anteriores a este veto não são satisfatórias. “Foram solicitados esclarecimentos complementares ao Governo, mas, infelizmente, as respostas ontem [quinta-feira] recebidas não permitem clarificar três aspetos essenciais”, escreveu.
O primeiro aspeto tem a ver com o papel que o Estado terá se for privatizada a maioria do capital da TAP. Marcelo questiona qual será a efetiva capacidade de acompanhamento e intervenção do Estado numa empresa estratégica como a TAP sendo que o Governo já admite vender uma percentagem acima de 51%. Nesse caso, se o Estado perder a maioria do capital da empresa, fica sem poder de decisão sobre qualquer “decisão administrativa posterior” à venda. O segundo aspeto tem a ver com a alienação de vários tipos de ativos, sem “sem mínima precisão ou critério”, antes mesmo da decisão de venda.
E é no terceiro aspeto que reside o busílis da questão: Marcelo quer garantias de isenção no processo de venda da empresa, nomeadamente quer que seja tornado claro que todos os contactos anteriores à elaboração do caderno de encargos feitos pelo Governo com possíveis compradores não são negociações vinculativas, e quer que esses contactos fiquem registados. No seu entender, isso é fundamental para garantir a “prova da cabal isenção dos procedimentos”.
Marcelo não quer que o decreto aprovado pelo Governo, que enquadra a privatização da empresa e que tem força de lei, seja mais ‘branco’ do que o caderno de encargos que será aprovado posteriormente, e que não tem força de lei.
No dia em que Fernando Medina anunciou a privatização da TAP, a 28 de setembro, o Presidente da República já tinha feito referência a aspetos que constam da mensagem que acompanha o veto desta sexta-feira, nomeadamente no que respeita aos contactos com os eventuais concorrentes à privatização: “Haverá um caderno de encargos e os contactos anunciados pelo ministro das Finanças. E desses contactos nascerá o caderno de encargos, e o caderno, uma vez estabelecido, vai estabelecer as regras que irão até ao fim, ao termo da decisão”. Daí que Marcelo considerasse que tinha de “saber se as garantias essenciais para a salvaguarda do interesse nacional constam da lei ou do caderno de encargos”, pois “uma coisa é constar da lei, outra de um conjunto de regras administrativas”. Isto porque a lei, segundo explicou, tem mais força e perenidade no tempo do que o caderno de encargos.
No dia seguinte, em declarações aos jornalistas, Marcelo voltava a levantar estas questões dando a entender que, se o decreto-lei do Governo fosse demasiado vago, isso seria como passar um “cheque em branco” para o caderno de encargos. Ou seja, o Presidente da República queria uma legislação que lhe permitisse antecipar as regras da privatização. E perguntava: “Há referência a valores ou não no decreto-lei? Há referências a pagamentos ou prazos?”. E acrescentava mais uma dúvida que queria ver esclarecida: "Há referência a condições que salvaguardem e protejam o interesse nacional, sim ou não? Está na lei ou no caderno de encargos?”, insistia. Este viria a ser o primeiro ponto para justificar o veto: “Se uma lei não tiver nada sobre isso, é uma lei em branco, atira para o caderno de encargos. Se porventura tiver o básico do básico, o caderno tem de respeitar a lei, que tem mais força do que um documento administrativo”.
O veto do Presidente a um decreto do Governo pode ser ultrapassado de duas formas: o Governo altera e o Presidente aceita a nova versão, o Governo não altera e tem de levar o diploma ao Parlamento. Se a opção for levar ao Parlamento, o Presidente ainda pode voltar a vetar, mas com uma segunda aprovação por maioria absoluta tem de promulgar.