Caso gémeas: diretor de neuropediatria do Santa Maria acredita que não foi Lacerda Sales a marcar consulta
FILIPE AMORIM
António Levy Gomes relançou as suspeitas sobre Marcelo Rebelo de Sousa e garantiu nunca ter ouvido "nenhuma referência" a Lacerda Sales até ao caso ter sido tornado público há um ano
O antigo diretor de Neuropediatria do Hospital de Santa Maria disse esta terça-feira não acreditar que a primeira consulta das gémeas luso-brasileiras em 2019 tenha sido marcada a pedido do ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde António Lacerda Sales. António Levy Gomes relançou as suspeitas sobre o Presidente da República, embora admita não ter provas do envolvimento de Marcelo Rebelo de Sousa. É“mais fácil, numa sociedade hierarquizada, dizer que a culpa é do secretário de Estado do que do Presidente”, afirmou.
"Eu acredito na palavra do [antigo] secretário de Estado. Disse-me a mim que não tinha marcado a consulta", afirmou na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, após ser questionado pela deputada da IL Joana Cordeiro. Disse também que não tinha ouvido “nenhuma referência ao secretário de estado até há um ano”.
Levy Gomes considerou que "dão mais valor à palavra da secretária [Carla Silva] do que à do [ex-]secretário de Estado". "Há um problema. É que o [ex-]secretário de Estado não se defendeu e não estou aqui para defender o [ex-]secretário de Estado. A secretária podia ter o poder para a marcação de uma consulta no hospital e agia de modo próprio", disse, no período de respostas ao PSD, tendo o deputado António Rodrigues retorquido: "Não se defendeu porque não quis".
Após ser questionado pelo coordenador do PSD sobre o envolvimento da antiga ministra da Saúde Marta Temido, Levy Gomes referiu que a neuropediatra Teresa Gomes "disse que tinha havido telefonemas do gabinete" da governante.
"A minha colega Teresa [Moreno] marcou [a consulta], mandada pela Ana Isabel Lopes. Ana Isabel Lopes (diretora do Departamento de Pediatria do Hospital de Santa Maria) marcou através de Luís Pinheiro (ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria), que diz que não marcou", apontou, afirmando que Portugal é "muito hierarquizado": "se eu tenho uma pessoa que me diz isto, eu baixo a cabeça e faço".
No entanto, em resposta à deputada do PS Ana Abrunhosa, Levy Gomes disse que ter "confiança inteira" na médica Teresa Moreno, considerando-a "rigorosa, trabalhadora e sabedora". "Acho que este caso começou mal e todos os intervenientes ficaram mal na fotografia. Ninguém sai bem nesta fotografia. Não há o hábito em negar nada a um superior hierárquico. Temos de lutar contra isso", salientou.
O responsável acusou ainda o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, de o ter "desancado" na conferência de imprensa que se realizou em dezembro de 2023, no Palácio de Belém, sobre o caso."Não sei se o Presidente da República quis arrumar a casa, incompatibilizar-se com o filho, desancar-me a mim publicamente de uma forma pouco elegante, no fundo, dizendo que eu tinha lançado uma coisa qualquer, coisa com a qual houve repercussões. Gostava de ter um pedido de desculpa público do Presidente da República em relação à atitude que ele teve comigo, [...] por ter dito que lancei este assunto", disse, após ser interpelado pelo líder do Chega André Ventura.
Em 04 de dezembro do ano passado, Presidente da República mencionou que o chefe de serviço de pediatria do Hospital de Santa Maria, António Levy Gomes, "pôs na comunicação social" uma resposta sua a um email dele, que disse não ter encontrado: "São milhares de mails, de há quatro anos, não guardo todos os mails". No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa realçou a mensagem que lhe é atribuída nessa resposta, de que não há "privilégio nenhum para ninguém e por maioria de razão para filho de Presidente".
Levy Gomes não teve qualquer envolvimento no tratamento das gémeas Lorena e Maitê. No entanto, foi um dos neuropediatras de Santa Maria que assinou, a 21 de novembro de 2019, a carta que denunciava a existências no SNS de casos de "pessoas com a vida estável nos seus países de origem" que “vêm legalmente para o nosso país com o propóstio único de terem cuidados de saúde gratuitos”. Nessa altura, "ainda não havia Marcelo Rebelo de Sousa, não havia no horizonte Nuno Rebelo de Sousa, não havia secretário de Estado", sublinhou na CPI. Assim, a carta era "unicamente um alerta para aquele desequilíbrio entre o SNS em dificuldade e os gastos que eram discutíveis". Só três dias depois tomou conhecimento dos rumores do envolvimento do Presidente da República.
Em 2023, Levy Gomes foi também um dos médicos que falou na reportagem da TVI que tornou o caso das gémeas público. Um mês depois, em entrevista à SIC, o médico disse ter falado do caso com Marcelo Rebelo de Sousa (com quem diz corresponder-se regularmente desde o ano 2000).