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Costa anuncia fim dos benefícios para residentes não habituais e está a negociar travão às rendas

Costa anuncia fim dos benefícios para residentes não habituais e está a negociar travão às rendas
RODRIGO ANTUNES/LUSA

Em entrevista à TVI/CNN, primeiro-ministro assumiu excedente orçamental deste ano, disse que modelo de baixa do IRS está a ser discutido na concertação social, assim como possíveis aumentos dos salários acima do previsto no acordo de rendimentos. Limitação do aumento das rendas não será igual à fórmula do ano passado (2%), e não há cedências na reposição integral do tempo de serviço dos professores

Costa anuncia fim dos benefícios para residentes não habituais e está a negociar travão às rendas

Rita Dinis

Jornalista

Costa anuncia fim dos benefícios para residentes não habituais e está a negociar travão às rendas

Eunice Lourenço

Editora de Política

O regime especial de taxação para residentes não permanentes - considerado uma das razões do aumento de preços das casas - vai terminar em 2024. Ou seja, quem já tem o estatuto de residente não habitual manterá os descontos que tem no IRS, mas a partir do próximo ano não haverá novos beneficiários. A medida foi anunciada pelo primeiro-ministro em entrevista à TVI/CNN, onde António Costa também disse que o travão ao aumento das rendas não vai repetir-se com os mesmo valores deste ano, em que ficou nos 2%, mas está a ser negociado com as associações de inquilinos e senhorios.

Estamos a conversar com associações de inquilinos e proprietários para ver como distribuímos o esforço”, disse António Costa, que admitiu que as medidas do Governo para a habitação andam atrás da realidade. “Tenho bastante frustração por a realidade ter sido mais dinâmica do que a resposta politica”, reconheceu o primeiro-ministro, que mais à frente se viria a associar à manifestação deste fim de semana pelo direito à habitação. “Se houve manifestação em que me revi foi nesta”, disse, sublinhando que há mais dramas familiares em torno da falta de habitação acessível do que apenas o drama dos jovens que não conseguem que o seu rendimento seja comportável com os preços das rendas e das casas.

O problema é de duas vias, rendimentos e falta de habitação, reconheceu. “Não sacudo a responsabilidade para ninguém”, disse Costa a dada altura, visivelmente irritado por ser confrontado com não ter acautelado este setor em oito anos de governação. Lembrou como os centros das principais cidades estavam desertos e como foi preciso apostar na reabilitação. “A reabilitação ocorreu, o mercado de habitação aumentou. Mas, com 10 anos de taxas de juro muito baixo o investimento mudou-se par ao imobiliário”, justificou, dando mesmo o exemplo do que fez no Martim Moniz e no Intendente quando foi presidente da Câmara de Lisboa. “Há quem diga que a reabilitação foi um sucesso e há quem diga que o sucesso foi excessivo e motivou estes problemas”, disse.

O primeiro-ministro reafirmou a promessa de 32.500 fogos em construção e lembrou como a lei de bases para a habitação dá autonomia aos municípios para definirem as suas estratégias. Mas, como a construção demora, o Governo avançou com o plano Mais Habitação para que seja possível o Estado comprar casas para colocar no mercado.

Além disso, disse, há “duas medidas muito poderosas”: uma para todas as pessoas com crédito à habitação, que vão poder baixar a sua prestação a partir de novembro e estabilizá-la durante dois a 4 anos; outra para pessoas com rendimentos até 2700 euros mensais que vão ter bonificação sempre que a prestação da casa exceder a taxa de esforço de 35%.

IRS discutido na concertação social

A entrevista começou por questões orçamentais. A uma semana da entrega do Orçamento do Estado no Parlamento, António Costa não garante descida de taxas do IRS para a população em geral, remetendo essas eventuais alterações para as negociações que o Governo está a desenvolver com os parceiros sociais. “Estamos neste momento a negociar em sede de concertação social e essa negociação terá também reflexo nas medidas” orçamentais, respondeu o primeiro-ministro.

No IRS jovem, claramente que descem as taxas”, garantiu Costa, logo no início da entrevista, reafirmando o que já anunciou noutras ocasiões, mas nunca respondendo diretamente se haverá alterações nas taxas de IRS. Reafirmou a promessa de que o IRS irá reduzir em 2 mil milhões de euros até ao fim da legislatura e disse que este ano já desceu mil milhões. Mas, acrescentou, “em relação ás medidas gerais, depende do que estamos a negociar com os parceiros sociais”. E o primeiro-ministro também lembrou que há várias formas de mexer no IRS, sem ser apenas através das taxas.

Logo no início da entrevista, o primeiro-ministro também assumiu que vai haver “excedente orçamental” este ano e defendeu que foi a prudência do Governo que garantiu contas certas e, ao mesmo tempo, o funcionamento da economia, com o emprego a subir e as contribuições para a Segurança Social a subirem 13%. “Vamos ter uma segurança social mais robusta no futuro”, garantiu António Costa.

Pensões aumentam 6,5% em 2024

Questionado sobre onde vai o Estado aplicar o excedente orçamental previsto para este ano, Costa lembrou que no ano passado o excedente foi aplicado na ajuda às famílias, nomeadamente no pagamento de meia pensão para os reformados, uma vez que não havia a certeza sobre se a atualização das pensões podia ser feita através da aplicação da fórmula legal prevista - que faz a atualização depender da inflação.

O governo foi, por isso, “prudente”, disse o primeiro-ministro, garantindo que, agora sim, o Governo pode concluir que as pensões poderão mesmo aumentar em 2024 à luz da lei, o que dará um aumento de “cerca de 6,5%”, ou seja, acima da inflação. Isto traduz-se, disse ainda, num aumento da despesa permanente com pensões na ordem dos 2 mil milhões de euros.


Medidas extraordinárias do ano passado “não se justificam” este ano

Para Costa, uma coisa é a receita fiscal extraordinária que o Estado tem com o aumento da inflação, outra coisa é a despesa permanente que aumenta também, nomeadamente com a atualização das pensões. Ou seja, uma coisa equilibra a outra.

O primeiro-ministro lembra ainda medidas como a do IVA zero no cabaz alimentar, que se traduz num gasto mensal de 70 milhões para o Estado, a que acrescem 800 milhões já gastos até agosto com apoios ao aumento da gasolina e gasóleo, além das medidas de subsídio ao arrendamento ("que chegam a 75 mil famílias desde maio"), e do alargamento da bonificação dos juros do crédito à habitação, que vai entrar em vigor no próximo mês.

Sem esclarecer o que fará o governo com o excedente de receita fiscal e contributiva que vai ter este ano, Costa lembrou a dívida pública elevada que tem de diminuir ("cada décima que conseguirmos poupar significa pouparmos 60 milhões de juros") e deixou claro alguns apoios do ano passado tornaram-se “permanentes” e que a “justificação que houve no ano passado para aplicar medidas extraordinárias [de apoio à inflação] não se verifica este ano”.

Salários podem aumentar mais do que o previsto no acordo de rendimentos

Além da descida do IRS que está a ser negociada com os parceiros sociais, António Costa acrescentou ainda que em cima da mesa das negociações está também o aumento dos salários acima dos 4,8% previstos no acordo de rendimentos que está em curso.

“Há uma proposta da UGT para que o aumento dos salários seja superior ao que está no acordo, e vi hoje declarações do presidente das confederações patronais, a dizer que há abertura para o aumento do salário mínimo. Não haverá da parte do governo qualquer resistência, antes pelo contrário”, disse, sugerindo que o salário mínimo pode aumentar mais do que os 810 euros previstos para o ano que vem.

Mais: a proposta do 15º mês optativo prevista pela CIP resulta, na prática, num aumento de salários na ordem dos 7% por mês, o que significa que é mais do que os 4,8% previstos no acordo. Também isso, disse António Costa, está a ser revisto e está em cima da mesa. “Entre o que pode descer o IRS e um aumento superior dos salários, podemos aproximar-nos de algo semelhante a isso. É isso que estamos a negociar em sede de concertação social”, disse.

Proposta do PSD sobre tempo de serviço dos professores recusada: “Não posso dar a uns e não a outros”

Questionado sobre a medida agora anunciada pelo PSD de reposição faseada do tempo de serviço dos professores em cinco anos, António Costa diz que não acompanha a proposta do PSD porque “não se vai comprometer com algo que não pode cumprir” e que “é insustentável para o país”. Segundo António Costa, o descongelamento da carreira dos professores foi feito com base numa equivalência em relação às medidas adotadas para as outras carreiras, pelo que é importante que se mantenha o dever de “equidade”. “Não posso dar a uns e não a outros”, disse, lembrando o PSD que é preciso ser “responsável”.

Ainda assim, António Costa está convicto de que o ano letivo não começou mal - “98% dos horários estão preenchidos” - e acredita que os ânimos vão serenar e outros temas vão surgir para dedicarmos a nossa atenção. Quanto às greves, vão continuar porque “fazem parte da normalidade democrática”.

De resto, Costa atirou ao PSD por ter - há dez anos - tido a “ideia peregrina” de que havia professores a mais e ter “pago a 30 mil professores” para deixarem a profissão. Sobre as medidas que o governo está a tomar, Costa defendeu a eficácia do modelo de alargamento para 63 zonas pedagógicas e o modelo de, ao fim de 3 anos, um professor fica vinculado na escola onde está, concorrendo para mudar apenas se assim o entender.

Ainda assim, Costa diz que o problema das carreiras dos professores é “real” e resulta de muitos anos de “revolta” e “frustrações” por expectativas nunca cumpridas. “O que tenho dito é que comigo não há frustrações, porque não há expectativas que não possa cumprir”, disse.

Sobre a reforma na Saúde e as greves dos médicos, Costa mostrou-se convicto de que o modelo de “dedicação plena" vai ter frutos, assim como o modelo de alargamento das unidades locais de saúde modelo B, o que fará com que os salários dos médicos aumente entre 12,7% e 60%. A sua convicção é de que os médicos vão acabar por aderir ao sistema de dedicação plena aliado ao alargmaneto do modelo de cuidados de saúde primários, uma vez que não só têm aumentos salariais como vão ter melhores condições para a prestação de cuidados de saúde.

Perante a insistência dos jornalistas sobre o facto de os médicos não estarem satisfeitos com as medidas, Costa foi perentório: “O Governo não é governo dos médicos, ou dos jornalistas, é governo dos cidadãos todos em geral”, disse. E acrescentou: “Desde que sou primeiro-ministro, o orçamento do SNS aumentou 56%, estamos a investir no SNS por ano cerca de 14 mil milhões de euros, o que equivale quase ao valor da bazuca”.

Aeroporto sem solução “100% certa”

Já na parte de perguntas colocadas por cidadãos presentes na sala do ISEG onde decorre a entrevista, António Costa foi questionado sobre o novo aeroporto de Lisboa e começou por dizer que o “passo muito importante” que foi dado foi o acordo com o PSD para a metodologia de escolha do local.

Não há nenhuma solução 100% boa para o aeroporto”, disse Costa, para quem o que “é muito importante” é que não volte tudo atrás quando mudar o governo, como tem acontecido noutras mudanças de partido na governação.

Confrontado, contudo, com afirmações de dirigentes do PSD que ameaçam romper o acordo, respondeu: “Não vejo por que o PSD há de romper.”

Sobre outro importante investimento público - o Hospital de Todos os Santos - o primeiro-ministro respondeu que a obra vai arrancar de facto em 2024 e reconheceu que não estará pronto antes do fim da legislatura, em 2026.

A um estudante de mestrado, que questionou o primeiro-ministro sobre como deve ficar no mercado de trabalho em Portugal quando os salários noutros países são mais atrativos, Costa respondeu com dois eixos: a tentativa de aumento dos salários e a tentativa de ajudar no acesso à habitação.

Relativamente à vertente do salário, Costa lembra que o acordo de rendimentos prevê um salário base de entrada de 1300 euros no setor público e também no privado (com benefícios em sede de IRC), além de decorrerem negociações para acelerar as progressões nas carreiras. A isto junta-se a medida do IRS Jovem, que permite aos jovens estarem isentos de IRS no primeiro ano de trabalho, no segundo pagam apenas 25%, depois 50% e depois 75%. Por último, os estudantes de mestrados receberão 1500 euros por cada ano de estudo nos primeiros anos de entrada no mercado de trabalho. No final, concluiu: “Se os jovens não se sentirem realizados cá é uma tragédia para o país”.

“Não vale a pena disfarçar”. Costa diz que, ao contrário de Cavaco, Marcelo fala com ele várias vezes por semana

Já na reta final da entrevista, Costa foi ainda questionado sobre o polémico silêncio no último Conselho de Estado e voltou a sublinhar que “o Conselho de Estado é um órgão de consulta do PR, que ouve as várias personalidades”, pelo que “todos os conselheiros têm de sentir que sao livres de expressar a sua opinião”. Costa disse, inclusive, que fala de temas confidenciais naquele órgão, pelo que espera que o PR faça cumprir o dever de sigilo, que tem de ser preservado. “Tenho a certeza de que o Presidente da República cuidará do sigilo no Conselho de Estado", disse.

Admitindo de certa forma que optou mesmo pelo silêncio naquela famosa reunião, Costa explicou que o fez porque já tinha exposto a sua posição sobre o estado do país no debate do dia anterior sobre o Estado da Nação no Parlamento, e porque, além disso, fala com o Presidente da República sempre que o Presidente entende - e isso acontece várias vezes por semana, ao contrário do que acontecia com o ex-Presidente Cavaco Silva, que recentemente lançou um livro sobre a “Arte de governar”, com vários recados ao primeiro-ministro e ao Presidente da República.

“Não vale a pena disfarçar, o grau de contacto com este Presidente até é bastante fluído, não é como a reunião semanal que tinha com o anterior PR, que era às quintas-feiras às 18h, sem falta”, disse, sublinhando que com o atual PR fala “várias vezes ao longo da semana”. “Sempre que me quer ouvir ou me chama ou telefona”, rematou.

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