O barulho de fundo era ruidoso. André Ventura e João Cotrim de Figueiredo trocavam acusações na bancada mais à direita do hemiciclo: virados um para o outro, o deputado liberal acusava o Chega de ter apresentado uma moção de censura “infantil”, achando que se ia ficar a rir sozinho, e acusando mesmo o partido da extrema-direita de, em contrapartida, se ter oferecido para fazer um acordo com o PS na Madeira (a propósito das eleições do próximo domingo). Ventura reagia com negações, interjeições em apartes ruidosos. E António Costa, na bancada do Governo, encolhia os ombros, virava a cara e sorria.
"Se não se entendem sobre a censura ao Governo a que se opõem, como é que se hão de entender para construir uma alternativa?", atirava a dada altura o primeiro-ministro, depois de se ter levantado para responder aos deputados e esperado largos segundos para que a bancada à sua direita fizesse o silêncio necessário para os restantes poderem falar.
Foi assim durante todo o debate da moção de censura apresentada pelo Chega, que levou o primeiro-ministro ao Parlamento pela primeira vez nesta nova sessão legislativa, mas que, de caminho, adiou o primeiro debate quinzenal de escrutínio à governação para dezembro. Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, resumiria bem o “espetáculo”: “Não sei como é que o primeiro-ministro não trouxe um balde de pipocas para assistir a esta triste oposição que a direita lhe faz”.
De um lado, o que se viu foi a esquerda a explorar as divisões à direita, com o PS a desafiar o PSD a distinguir-se do Chega e com o BE, PCP e Livre a questionarem o primeiro-ministro sobre “temas realmente importantes” para a governação; do outro, a direita a atacar o “pior Governo de sempre” ao mesmo tempo que cada um se tentava equilibrar nas justificações sobre o seu próprio sentido de voto: se, para os sociais-democratas, a abstenção traduz o facto de o PSD “ser o partido das soluções e não das moções”, para os liberais, o voto a favor serve para que o Chega “não se fique a rir sozinho” fazendo-se passar pelo único partido que faz oposição.
Certo é que tanto Chega como IL quiseram vincar as suas próprias diferenças em relação ao PSD e fizeram tiro ao alvo: os liberais querem “um novo Governo” mas não querem “um Governo com o Chega” (à atenção de Luís Montenegro), e André Ventura até admitiu que às vezes se sente líder de dois partidos em simultâneo…
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