Europeias 2024

Quando o “luto se senta à mesa todos os dias” não há democracia: avós que cresceram sem liberdade apelam ao voto jovem nas Europeias

Um dos jovens que participou no vídeo institucional do Parlamento Europeu ouve a sua avó contar como era viver num mundo sem sociedade.
Um dos jovens que participou no vídeo institucional do Parlamento Europeu ouve a sua avó contar como era viver num mundo sem sociedade.

Para incentivar o voto nas eleições europeias, habitualmente marcadas por uma forte abstenção, o Parlamento Europeu lançou um vídeo institucional onde reúne gerações para partilhar como era viver sem democracia nos vários Estados-membros da União Europeia

Quando o “luto se senta à mesa todos os dias” não há democracia: avós que cresceram sem liberdade apelam ao voto jovem nas Europeias

Eunice Parreira

Jornalista

Mais de um quarto da população mundial vota este ano. E uma das maiores eleições ocorrerá na Europa. São cerca de 370 milhões os eleitores que vão até às urnas para decidir quem serão os deputados que vão ocupar os 720 lugares do Parlamento Europeu (PE). Como estas eleições vão moldar o futuro nos próximos cinco anos, o órgão legislativo da União Europeia quer manter o espírito democrático da União Europeia vivo, ao passar o testemunho entre gerações.

“As eleições europeias serão sobre o futuro da Europa, mas também sobre o futuro da democracia. No século XXI, é difícil imaginar uma União Europeia sem democracia, mas ao mesmo tempo não se pode imaginar uma democracia forte se a UE não estiver a funcionar bem”, afirmou Jaume Duch, diretor-geral de comunicação e porta-voz do PE na sessão de apresentação do vídeo para incentivar o voto nas eleições europeias a 9 de junho.

O vídeo, que reúne avós e netos de vários países europeus, retrata a passagem de testemunho entre quem viveu sem um sistema democrático e quem nunca experienciou viver sem liberdade. “A mensagem é: oferecemos-vos países democráticos e livres, mas agora é da vossa responsabilidade proteger essa liberdade e democracia”, explica Jaume Duch.

“Eu não sabia o que era a democracia. Mas com 12 anos, o céu caiu sobre a minha cabeça”

Durante as filmagens do pequeno vídeo de quatro minutos, os participantes e a equipa sentiram que a união entre as várias nacionalidades é capaz de criar mais coragem. O objetivo é refletir sobre o que se espera do futuro da União Europeia, e não sobre aquilo que foi o passado.

Monique Maugas-Bauzou, de 95 anos, é uma das participantes nesta campanha. A cidadã francesa tinha 11 anos quando começou a 2.ª Guerra Mundial e um ano depois a sua vida ficaria virada do avesso. “Eu não sabia o que era a democracia. Mas com 12 anos, o céu caiu sobre a minha cabeça”, conta.

No dia 17 de junho de 1940, o local onde Monique vivia já tinha sido bombardeado 16 vezes. “Já não sabes onde estás, se estás vivo ou se estás morto” explica a sensação ao recordar o último bombardeamento nesse dia. Eram sete da noite e quando dispararam sobre as casas, a mãe deitou-se sobre ela para a proteger, acabou por ser atingida e morreu. “O facto de a minha mãe ter morrido, significa que a minha infância acabou aí”, confessa Monique.

Monique Maugas-Bauzou escreveu um livro 'J'ai douze ans à l'exode' (Eu tinha doze anos aquando o êxodo) sobre a sua experiência durante a 2.ª Guerra Mundial
Eric Vidal

A idosa explica que, após ter experienciado os horrores da guerra, não quer que os seus filhos e netos vivam o mesmo que ela. “Se estou aqui hoje, não é por mim, é porque quero deixar algo para as nações futuras”, diz.

Também Samuel De Leeuw, judeu neerlandês de 82 anos, experienciou as consequências da 2.ª Guerra Mundial. “Nasci em 1941 e esse ano determinou o meu futuro”, diz. Um ano depois houve uma incursão na fábrica onde os pais trabalhavam, o pai foi levado para Auschwitz, onde acabou por falecer, enquanto a mãe conseguiu escapar deste aprisionamento por ter ficado em casa a cuidar de Samuel.

A mãe tomou a decisão de abordar uma senhora, acerca da qual corriam rumores de que ajudava crianças judias a esconderem-se, embora essa tal senhora tenha negada fazer parte desta rede clandestina. Mais tarde nessa noite, apareceu um homem à porta de casa de Samuel, que dizia estar ali para o colocar em segurança. “A minha mãe decidiu dar-me ao homem, sabendo que poderia não voltar a ver-me. Acho que foi o maior exemplo de amor materno”, afirma.

Samuel De Leeuw ficou feliz por ter participado neste projeto e mostrado que os períodos de paz e prosperidade podem ser frágeis
Eric Vidal

Quando a guerra finalmente acabou, a mãe reencontrou-o, mas ele não a reconhecia. Esteve durante anos a viver entre a sua família de acolhimento e a de sangue. “O luto sentava-se todos os dias à mesa”, confessa Samuel que garante irá lutar por um mundo em paz enquanto conseguir.

Jarmila Kročová, checa de 76 anos, nasceu após a segunda grande guerra, mas viveu outro período crítico, o jugo da Checoslováquia sob o regime comunista. “Os meus pais estiveram em Inglaterra durante a guerra e regressaram à Checoslováquia para construir uma sociedade melhor. Infelizmente, foram ambos presos na década de 1950, porque estávamos sob o regime russo. O meu pai, um judeu comunista, foi preso e a minha mãe também. Puseram-me na polícia secreta e mudaram-me o nome”, descreve.

Jarmila Kročová falou a um jornalista da BBC, na década de 60, na esperança que isso pudesse incentivar a democracia e liberdade
Eric Vidal

A mãe de Jarmila, que esteve presa por dois anos, decidiu fazer uma greve de fome para que lhe dissessem onde estavam os filhos e, com isso, conseguiu que a filha fosse viver para a Eslováquia com uma tia. À semelhança de Samuel, também não reconheceu a mãe quando a foi buscar, uma vez que considerava que a tia era a sua mãe. Apesar de ser sido uma época conturbada, a idosa acredita que a experiência a tornou mais forte.

“Quando o Muro de Berlim caiu, todos queríamos construir a liberdade e a democracia. Sei que a democracia não é ideal ou perfeita, mas temos de lutar por ela. Espero que as gerações mais jovens transmitam a nossa mensagem para um futuro melhor”, diz Jarmila.

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