Helena Carreiras e João Gomes Cravinho, a atual ministra da Defesa Nacional (MDN) e o seu antecessor, avançaram duas novidades na audição parlamentar desta sexta-feira, na Comissão de Defesa, realizada a pedido do PSD e do Chega: João Gomes Cravinho, agora ministro dos Negócios Estrangeiros, atirou para Alberto Coelho, diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN), a responsabilidade pela contratação da assessoria de Marco Capitão Ferreira, dando a entender que o procedimento de contratação foi feito à medida. Revelou mesmo que este lhe manifestou essa intenção por escrito. Durante a dupla audição, acabou por ganhar força a hipótese de ter sido viciada a contratação da assessoria do futuro governante - hoje arguido por suspeitas de corrupção e participação económica em negócio no processo Tempestade Perfeita.
A revelação foi confirmada quando a deputada do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua, perguntou a Cravinho quando é que este soube que o DGRDN queria contratar Capitão Ferreira. Com a resposta, o ex-ministro da Defesa reforçou a perceção de que o procedimento posterior para contratar o jurista foi feito à medida: “Alberto Coelho escreveu um mail ao meu chefe de gabinete a 11 janeiro, onde diz que pensa contratar Marco Capitão Ferreira para assessor a DGRDN”. No entanto, o procedimento com o convite a três juristas só teve lugar dois meses depois, em março.
Neste momento da audição, Jorge Paulo Oliveira, do PSD, já tinha apresentado outros indícios de como o contrato terá sido feito à medida de Capitão Ferreira: o deputado mostrou um documento a comprovar que, uma semana antes de o procedimento ter sido lançado, a direção-geral já tinha cabimentado a despesa de €61 mil que ia pagar a Capitão Ferreira. O documento financeiro é de 1 de março, mas os convites aos três juristas que participaram no procedimento, só foram enviados a 7 de março. (Mais: o documento prevê pagar a Marco Capitão Ferreira a 30 de março, quando o contrato que ele assina no dia 25 desse mês tem um prazo de 60 dias.)
Documentos de Capitão Ferreira com datas anteriores ao procedimento
A MDN, Helena Carreiras, num tom politicamente menos combativo do que o colega dos Negócios Estrangeiros, anunciou uma reestruturação no ministério, regressando à fórmula do passado, e dividindo a mega DGRDN em três direções-gerais, de forma a reduzir o poder concentrado pelo diretor-geral, que “criou riscos que importa mitigar”, disse a MDN.
Os ministros falaram depois de ouvirem críticas e acusações por parte do deputado do PSD Paulo Jorge Oliveira, que falou de “negócios entrelaçados em amizades” e num Governo a funcionar ao retardador, recomendando aos governantes para que “não se refugiem no que não sabiam" ou “que os factos à época não suscitavam dúvida”. André Ventura, líder do Chega, exibiu a manchete do ”Correio da Manhã", a dizer que Cravinho sabia da contratação de Marco Capitão Ferreira como assessor da DGRDN, em 2019. “Conheciam estes factos e nada o fizeram para o evitar”, acusou, mencionando os vários casos em que Capitão Ferreira esteve envolvido.
O ex-MDN Gomes Cravinho negou a acusação de Ventura, mas fez questão de dizer que, depois de ter dado indicações para ser criada uma equipa de negociação, o então diretor-geral Alberto Coelho - hoje arguido por corrupção e branqueamento - falou na possibilidade da contratação de Capitão Ferreira como assessor.
Foi na intervenção incial que Cravinho fez a primeira referência à intenção de Alberto Coelho contratar o futuro ex-secretário de Estado. “A direcção-geral indicou o comandante Pereira Mendes para chefiar a equipa, e o meu gabinete recebeu indicação de que a DGRDN pretendia contar com o professor Marco Capitão Ferreira para prestar assessoria jurídica”. Depois negou “qualquer indicação” a esse respeito porque não lhe “competia interferir no funcionamento interno da DGRDN”. E sublinhou que “a decisão de contratar foi única e exclusivamente da DGRDN e do seu diretor-geral, assim como os termos do contrato, seja a duração ou o valor”, são da “exclusiva responsabilidade” do DGRDN e de Capitão Ferreira".
O ministro deixou assim subentendido que a contratação de Marco Capitão pela DGRDN foi feita à medida, uma vez que o diretor-geral mencionou a intenção de o contratar, mas fez um procedimento por convite a três professores de Direito, em que um desistiu e outro apresentou um valor superior à base do caderno de encargos e não entregou documentação exigida. Capitão Ferreira foi contratado por €61 mil para uma assessoria que durou cinco dias.
Entretanto, o social-democrata Jorge Paulo Oliveira citou mais documentos enviados pelo MDN à comissão de Defesa, para reforçar a tese de que o contrato de Alberto Coelho com Capitão Ferreira foi feito à medida. Primeiro, disse que todos os documentos apresentados por Capitão Ferreira à DGRDN, como as certidões de não dívida à Segurança Social ou ao fisco “são anteriores à data do convite formal”. De facto, as certidões datam de fevereiro, e o convite aos três juristas só foram enviadas a 7 de março por email.
Em segundo lugar, o deputado do PSD mostrou que “o formulário para aquisição do compromisso” para a despesa de €61,5 mil, o valor que Capitão Ferreira havia de cobrar mais tarde “é datado de 1 de março”. E questionou: “Como é que, a 1 de março, está feito o compromisso antes do convite?” - uma semana antes dos convites.
João Gomes Cravinho fugiu várias vezes a responder a estas questões em concreto, dizendo que não conhecia o processo de contratação e que não quer “especular”: “Faz-me um convite para especular sobre matérias em investigação judicial”, mas “seria institucionalmente inapropriado fazê-lo”.
Ministra reverte decisão de Aguiar-Branco e divide direção-geral em três
Com toda a sucessão de casos na DGRDN a suscitar suspeitas e a intervenção da Justiça, Helena Carreiras anunciou a decisão de reverter uma medida do ex-MDN do PSD José Pedro Aguiar-Branco, que, em 2015 criou a mega direção-geral, e que nomeou Alberto Coelho para o cargo. A ministra anunciou a “reestruturação”, e justificou: “Acredito que a fusão realizada no passado entre duas grandes Direções-Gerais, a de Pessoal e Recrutamento Militar, e a de Armamento e Infraestruturas de Defesa, representou uma enorme sobrecarga sobre os recursos humanos, concentrou em poucos os poderes de direção, e criou riscos que importa mitigar”.
O objetivo de Carreiras é “que seja retomada uma direção e controlo efetivos, ao nível dos serviços, em matérias tão relevantes e tão sensíveis como os recursos humanos, o desenvolvimento de capacidades militares e o património da Defesa Nacional”. Com esta reforma, a ministra quer contribuir para “restabelecer a serenidade e a normalidade no meio do ruído e da vertigem dos acontecimentos”.
Carreiras não falou sobre valor da assessoria com ex-secretário de Estado
Questionada por André Ventura sobre o que lhe disse Marco Capitão Ferreira quanto ao contrato de assessoria, Helena Carreiras começou por dizer que o ex-secretário de Estado lhe “garantiu que fez aquele trabalho num contexto em que era necessário negociar" a a manutenção dos helicópteros, "e apoiar com o seu conhecimento jurídico”. “Deu as explicações necessárias naquele momento”, disse a ministra e admitiu que, antes de o governante ser constituído arguido, “não tinha nenhuma razão para supor que houvesse algum procedimento que levantasse alguma suspeita sobre o comportamento do secretário de Estado”.
Sobre os €61 mil cobrados pela assessoria, a ministra não disse ter falado sobre o assunto com Capitão Ferreira: “Não tenho de ter opinião nem especular sobre outros aspetos que têm a ver com esse trabalho. Não me cabia a mim fazer uma avaliação técnica dos contratos de assessoria em causa e foi a DGRDN que conduziu todo o processo”.
Não há "fundamentação" de conduta imprópria de Capitão, diz Cravinho
Rodrigo Saraiva, líder parlamentar da Iniciativa Liberal, perguntou a João Gomes Cravinho se, sabendo o que sabe hoje, voltaria a nomear Marco Capitão Ferreira como presidente da holding idD Portugal Defence. O ministro, que chegou a dizer que se soubesse o que veio a saber-se, não teria nomeado Alberto Coelho para uma das empresas do universo da idD, considerou esta “comparação insidiosa”. E explicou: “Em relação a Alberto Coelho, houve uma série de informações que tratei de enviar à Procuradoria-Geral da República. No caso do professor Marco Capitão Ferreira, alguns pontos de interrogação serão devidamente esclarecidos em lugar próprio, e não faço nenhuma presunção de culpa quanto a diversas insinuações que têm circulado”. Cravinho ainda acrescentou não haver fundamentação de que Capitão Ferreira seja “culpado de alguma coisa que não seja própria”.
A audição não era no contexto de uma comissão de inquérito, mas foi esse o tom durante as mais de três horas de perguntas aos dois ministros. A par das auditorias anunciadas pelo Governo e pedidas pelos sociais-democratas, o PSD fez aprovar um requerimento em que é pedida mais informação e documentos ao Governo. Cenas dos próximos episódios?
Corrigida às 19h informação de que o PSD tinha a informação errada em relação à data das certidões enviadas por Marco Capitão Ferreira para a DGRDN. De facto, as datas são anteriores ao lançamento do procedimento.