Líder quer um PS “disciplinado” na relação com a justiça, mas vários ‘senadores’ dizem que Estado de direito “está em risco”
TIAGO MIRANDA
Vieira da Silva, Ferro Rodrigues, Ana Gomes e António Vitorino manifestaram desconfiança quanto à condução do processo que implica o primeiro-ministro. “Não há coincidências”, dizem
Antes de entrar no pavilhão 1 da FIL para o encerramento do 24º Congresso do PS, Pedro Nuno Santos fez uma homenagem a Mário Soares, junta a uma escultura do fundador do PS, que morreu há 7 anos. Foi ali que pediu um PS “disciplinado” na separação entre justiça e política, salientando que é preciso respeitar a independência do poder judicial e a presunção de inocência.
“A justiça não está acima de qualquer escrutínio, mas não é bom para um bom ambiente e análise da justiça estar a fazer qualquer tipo de comentário”, disse o novo líder do PS, questionado mais uma vez sobre as investigações judiciais que afetam o Governo.
Ao longo de todo o congresso, houve uma preocupação manifesta de separar águas e evitar discutir questões judiciais, ainda para mais tendo em conta que poucas antes do início dos trabalhos o Observador tinha noticiado que António Costa é suspeito de “prevaricação”. Contudo, na manhã de domingo vários ‘senadores’ socialistas questionaram o funcionamento da justiça, dizendo mesmo que considera que o Estado de direito “está em risco” e apontando intenções políticas na forma como tem sido gerida e comunicação a investigação.
O primeiro a fazê-lo foi José António Vieira da Silva e no próprio palco do congresso. O ex-ministro e dirigente socialista subiu à tribuna para defender que o PS tem de estar “atento” aos ataques à democracia e ao Estado de direito. Começando por lembrar que no sábado tinham passado três anos da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, referiu que “as forças da direita têm ganho posições, não por terem aparecido génios iluminados na direita, mas porque o grave é que há cada vez mais homens e mulheres que se sentem atraídos por esse discursos”.
Isso leva o socialista a ter uma “preocupação fundamental” a alertar para que o PS tem de estar “atento” porque no que toca à definição dos limites da justiça, o PS “não aceita lições de ninguém”. E aí partiu para a defesa de João Galamba. “Não estou tranquilo quando vemos a notíciaque alguém esteve quatro anos a ser escutado. A notícia não foi desmentida”, disse. “Se for verdade é grave, se for legítimo é grave, se for ilegítimo é grave. É sempre grave quando podemos pôr em risco os fundamentos da democracia e do estado de direito”, acrescentou. Vieira da Silva referia-se ao facto de o ex-ministro das Infraestruturas ter sido escutado pelo Ministério Público durante quatro anos, enquanto estava em funções: “Não podemos ignorar, nem fechar os olhos nem fingir que não existe”, reafirmou. “Não é a política a entrar na justiça, é a política a defender a sociedade, a democracia e o estado de direito. Essa é provavelmente a maior herança do PS: defender a liberdade, a democracia e o Estado e direito”, terminou.
Vieira da Silva foi o único congressista a referir diretamente João Galamba, que não esteve presente no congresso. Pedro Nuno Santos, quando questionado se Galamba iria entrar nas listas do partido, remeteu o assunto para mais tarde.
“Central de manipulação”, acusa Ana Gomes
Ana Gomes, no seu estilo muito característico, foi mais longe e não tem dúvidas: há manipulação de dados da justiça com objetivos políticos. “Toda a gente percebe que há alguém - não estou a dizer que seja da justiça - que está a utilizar dados da justiça com um propósito óbvio de interferir politicamente: com este congresso, com dirigentes de outros partidos, com o processo eleitoral”, afirmou à chegada à FIL para o congresso do PS. A ex-eurodeputada acredita mesmo que “há uma central de manipulação”, mas confia que “os portugueses não são parvos, percebem isso muito bem”.
TIAGO MIRANDA
“Não houve nenhuma orientação concertada para falar de justiça”, disse Ana Gomes já à noite, no seu comentário na SIC. Mas foram tão seguidos e tão coincidentes que até parecia. A seguir à ex-candidata presidencial chegou Ferro Rodrigues, o ex-líder do PS com o qual a antiga diplomata entrou para os órgãos partidários.
“Não há coincidências em política e, sobretudo, não há coincidências entre os timings políticos e os timings da Procuradora Geral, como já vimos”, diz Ferro Rodrigues à chegada ao congresso. O ex-líder socialista e ex-presidente do Parlamento, que lembrou várias vezes a intervenção que fez na Comissão Nacional do PS em novembro, concorda que a campanha eleitoral não deve servir para discutir o processo Influencer. Mas, acrescentou, “estarei não envolvido não na campanha eleitoral, mas com outras pessoas envolvido na defesa do Estado de direito democrático e da democracia portuguesa, que acho que correm riscos”.
Ainda Ferro entrava no Congresso e já António Vitorino estava a ser entrevistado na RTP, onde disse que há “coincidências a mais” no processo que levou à demissão de António Costa. “É estranho que o primeiro-ministro ainda não tenha sido ouvido numa investigação que o tem por alvo”, disse, acrescentando que “o calendário de certas notícias suscita perplexidades sobre se não há coincidências a mais” entre o que se vai conhecendo das investigações e os calendários políticos.
“Não faço juízos sobre intenções, cada cidadão que vê o que se passa e pensa por si próprio”, diz ainda Vitorino para quem “este congresso provou que PS tem a capacidade de se recriar e renovar, sem se deixar tolher por qualquer tipo de manobra de pressão”, afirmou o antigo ministro e comissário europeu.
Quatro ‘senadores’ que desconfiam de coincidências e que o novo líder não deverá ter ouvido, pois falaram enquanto se dirigia para o Parque das Nações. A eles poder-se-ia ainda juntar Augusto Santos Silva, que em várias ocasiões também já criticou e questionou o funcionamento do Ministério Público. Posições que mostram que pode haver um PS “disciplinado” que tenta não fazer campanha contra a justiça, mas também há um PS, mais velho e que não estará tão sujeito a disciplinas, que vai verbalizando as desconfianças com o funcionamento do sistema judicial.