Crise política

Uma audição insólita: Galamba não tenciona apresentar demissão e assume que decisão sobre aeroporto fica para o próximo governo

Uma audição insólita: Galamba não tenciona apresentar demissão e assume que decisão sobre aeroporto fica para o próximo governo
TIAGO PETINGA/Lusa

Ministro das Infraestuturas foi ouvido no Parlamento sobre o Orçamento do Estado, mas direita questionou a sua autoridade e legitimidade para continuar no Governo por ser arguido no processo que abriu crise política

Uma audição insólita: Galamba não tenciona apresentar demissão e assume que decisão sobre aeroporto fica para o próximo governo

Eunice Lourenço

Editora de Política

Uma audição insólita: Galamba não tenciona apresentar demissão e assume que decisão sobre aeroporto fica para o próximo governo

Anabela Campos

Jornalista

Uma audição insólita: Galamba não tenciona apresentar demissão e assume que decisão sobre aeroporto fica para o próximo governo

Rita Dinis

Jornalista

André Ventura não tem assento na comissão de Orçamento nem na comissão de Economia, mas foi ele que faz a intervenção em nome do Chega. “Acha que tem condições políticas para se manter neste Parlamento a defender os investimentos deste Orçamento depois dos acontecimentos dos últimos dias?”, questionou, ironizando que esta sexta-feira, o dia da audição orçamental do ministro João Galamba, não é um bom dia para falar em “envelopes financeiros”.

Galamba lembrou que o deputado é “doutorado em direito”. “Estou aqui como ministro da República”, disse, sem olhar para André Ventura. O líder do Chega insistiu dizendo que não estava a falar de condições jurídicas, até porque é “presumido inocente e assim continuará”, mas sim condições políticas. “Sente que está politicamente capaz de o fazer? Se disser que sim, avançamos para o debate”. “Sim", respondeu Galamba, "e aguardo ansiosamente pelas suas questões sobre Orçamento e acredito que tem capacidade para as fazer”.

O diálogo entre o ministro das Infraestruturas e o presidente do Chega ocorreu já passavam mais de duas horas de uma das audições mais insólitas que o Parlamento conheceu: um ministro arguido num processo que já parte de uma investigação que levou à demissão do primeiro-ministro a ser ouvido sobre um Orçamento do Estado que irá entrar em vigor quando o Governo já estiver exonerado.

À chegada ao Parlamento para a audição no âmbito da discussão do Orçamento do Estado na especialidade, João Galamba tentou evitar as perguntas dos jornalistas sobre a crise política e as condições políticas em que se encontra, na qualidade de arguido, para apresentar o Orçamento do Ministério das Infraestruturas.

À SIC, antes de entrar, Galamba limitou-se a dizer que está de consciência tranquila. “Claro que sim”, diz. E questionado sobre se tem condições para continuar no cargo até às eleições, evita a questão: “Estou aqui para defender o Orçamento, é isso que farei”.

Durante a insólita audição do ministro João Galamba no Parlamento, o deputado social-democrata Paulo Moniz mostrou-se “perplexo” por Galamba estar sentado na bancada do governo como ministro. e foi Carlos Pereira, do PS, quem saiu em defesa do ministro, mas Paulo Moniz insistiu em perguntar ao ministro em que condições está no Parlamento, se vai tomar diligências para manter os fundos e se “vai ou não demitir-se”.

“Não pensava ter de o esclarecer neste tema. As circunstâncias em que estou aqui presente são simples de entender: estamos aqui a debater o Orçamento na especialidade e o ministro das Infraestruturas foi convidado para estar presente. Pensei que o senhor deputado tivesse conhecimento do regimento e não fosse preciso explicar”, começou por dizer o ministro.

Paulo Moniz insistiu: “Vai ou não demitir-se?” “Não tenciono apresentar a minha demissão”, respondeu Galamba, lembrando que a formação do executivo é da única responsabilidade do primeiro-ministro.

“As diligências que eu tomarei sobre esta matéria, depois de ter participado ativamente na elaboração do OE, são estar aqui presente como me compete e responder às perguntas dos deputados. As outras diligências os senhores deputados é que têm de tomar, que é votar o orçamento”, continuou o ministro, que chegou a per o deputado do PSD se não tem mais nada a perguntar sobre o Orçamento.

“A credibilidade para executar o Orçamento depende do autor que a executa e essa o senhor ministro não tem”, continuou o deputado social-democrata. Galamba insistiu: “Estamos neste parlamento para dignificar as instituições e é isso que estou a fazer”.

Também os liberais questionaram a legitimidade de Galamba, com Carlos Guimarães Pinto a lamentar a situação do ministro. “Lamento profundamente a opção do seu governo tê-lo aqui hoje. É confrangedor para os deputados e imagino que também para si”, afirmou o deputado da Iniciativa Liberal. Galamba respondeu não saber se era “confrangedor” para Carlos Guimarães Pinto, mas que o deputado poderia “ter a certeza que não é confrangedor” para o ministro. “Estou aqui preparado para responder às perguntas que o senhor deputado e todos os senhores deputados quiserem fazer sobre o mesmo”, vincou.

Pelo Bloco de Esquerda, a deputada Isabel Pires recordou que há algum tempo que o partido considera que o ministro "não tem condições para ocupar o cargo e os acontecimentos recentes” reforçam a ideia. Já o deputado do PCP Bruno Dias preferiu não "perder tempo com repetição de argumentos", porque "a questão central é a de ser um mau orçamento e seria mau orçamento com eleições ou sem eleições”.

Defesa da Comissão Técnica Independente

Há pouco mais de uma semana, foi este mesmo ministro que encerrou o debate orçamental na generalidade, com citações do Presidente da República sobre o OE, sem dizer uma palavra sobre a TAP, mas com uma garantia: “Sim, decidiremos mesmo a localização do novo aeroporto.” Passados dez dias, buscas à sua casa e a demissão do primeiro-ministro, teve de assumir: “Era intenção deste Governo tomar a decisão do aeroporto no início de 2024. Essa é uma decisão que penso que um Governo de gestão não poderá tomar, terá de ser tomada pelo próximo Governo.”

O ministro assegurou que o seu ministério deixará tudo pronto para que a decisão sobre a localização do aeroporto seja tomada pelo próximo Governo. Será deixado "um trabalho válido para quem vier e quiser tomar uma decisão". João Galamba referia-se à avaliação ambiental estratégica que está a ser feita pela Comissão Técnica Independente (CTI) e que deverá estar concluída, como o previsto, até ao final deste ano.

Questionado sobre a polémica em relação à contratação de estudos pela Comissão Técnica Independente (CTI), e eventuais conflitos de interesse, João Galamba esclarece, tal como já tinha noticiado o Expresso, que apenas autorizou despesa, mas em termos genéricos. "Autorizei ao nível despesa", mas salienta "a tutela não escolhe os estudos, se são dois ou três" ou quem os faz, esclareceu em resposta ao deputado Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal.

Defendendo a idoneidade da CTI, que tem sido acusada de ter membros defensores da opção Alcochete, João Galamba que é um debate que os deputados poderão querer fazer no futuro se acharem que há razões para isso. "Se considerem que relatório está ferido [na sua idoneidade] é debate que poderão sempre fazer", afirmou. E esclareceu que não vê qualquer problema que a qualidade do relatório e o curriculum de quem fez estudos seja debatido..

João Galamba acredita que o "aeroporto de Beja tem potencial" como infraestrutura complementar para a aviação executiva, a manutenção ou para a carga. "Mas não será uma alternativa ao aeroporto de Lisboa [como aeroporto principal", esclareceu. E deu exemplos de como Beja já é encarada como possibilidade em algumas áreas: "tem potencial na aviação executiva e já fomos contactados pela embaixada norte-americana" nesse sentido. Na carga também e contou que foi pública a visita de alguns empresários chineses ao aeroporto de Beja. "A existência de dois aeroportos coloca um problema às empresas de bandeiras [como a TAP]", defendeu e deu como o exemplo Itália, considerando que a existência de dois aeroportos em que a companhia operava, contribuiu para a falência da Alitália.

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