Política

Sustentabilidade, para que te quero?

Sustentabilidade, para que te quero?

Cristina Siza Vieira

Vice-presidente executiva da Associação de Hotelaria de Portugal

A importância da sustentabilidade aplicada ao turismo e uma reflexão sobre as imposições da Comissão Europeia assinada por Cristina Siza Vieira, quando se assinala o Dia Mundial do Turismo

A ONU Turismo escolheu o tema “Turismo e Transformação Sustentável” para ilustrar este ano o Dia Mundial do Turismo. É um convite a refletir: como pode este setor ser motor de mudança real, equilibrando competitividade e responsabilidade?

Porque, de repente, muito de repente, o Mundo mudou. E porque em setembro de 2024 Draghi entregou a Von der Leyen o que já era, antes de o ser, famoso: um relatório duro sobre a fragilidade da Europa. Diagnóstico? Falta escala, falta inovação, falta autonomia estratégica. A causa? Excesso de regulação, burocracia lenta e investimento anémico. A terapêutica? Uma mobilização maciça de capital — entre 750 e 800 mil milhões de euros anuais — e uma dieta regulatória séria.

A Comissão Europeia respondeu com a chamada “Bússola da Competitividade” e, já em 2025, apresentou o primeiro pacote OMNIBUS para aliviar o peso regulatório. Ironia das ironias: é a mesma Comissão que, durante mais de uma década, criou camadas e camadas de regras e relatórios, especialmente no campo da sustentabilidade.

Quem está no terreno sabe bem o que isso significa. A avalanche de diretivas, regulamentos e acrónimos (CSRD, CSDDD, Taxonomia) tornou-se praticamente ininteligível. Um quadro regulatório que, em vez de mobilizar as empresas para a sustentabilidade, as deixou soterradas numa floresta densa de normas, que exigem relatórios cada vez mais extensos e técnicos. Multiplicaram-se consultores, siglas e checklists, mas não práticas mais sustentáveis.

Agora a promessa é cortar 25% da carga administrativa de todas as empresas, e 35% para as PME. Só na aplicação da Diretiva de Relato de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) cerca de 80% das empresas ficam de fora. E no Regulamento da Taxonomia (só este nome...) prevê-se simplificação em quase 70% dos pontos de dados. O que é que isto mostra? Que a Europa realmente tropeça nos seus próprios pés, ou seja, cria regulamentos sem medir previamente o impacto que pode gerar na vida e na competitividade das empresas.

Boas notícias, portanto, para muitas empresas — em especial as mais pequenas. Menos redundância, menos energia desperdiçada em relatórios esdrúxulos, mais espaço para se focarem em ser verdadeiramente sustentáveis (também economicamente, claro). O Parlamento Europeu já deu luz verde e o Conselho aprovou a diretiva “Stop the Clock”, que adia em dois anos os prazos de reporte.

Mas simplificar não significa desistir. As metas do Pacto Ecológico Europeu não mudaram. Atingir a neutralidade carbónica em 2050 e a redução de emissões em 55% até 2030 continuam (inegociáveis?). O que me parece estar em causa é “apenas” o reporte: menor frequência, menos detalhe, mais clareza. A simplificação agora em curso não é, por isso, um retrocesso ambiental: é uma operação cirúrgica fundamental para cortar excrescências.

É aqui que reguladores e empresas têm de se encontrar a meio caminho. Aos reguladores cabe legislar menos, mas melhor, com previsibilidade, foco e impacto. Às empresas, cabe abandonar a lógica do checklist e incorporar a sustentabilidade como parte da estratégia: uma ferramenta de gestão de risco, reputação e competitividade.

No turismo, este desafio é ainda mais evidente. Falar de sustentabilidade não é falar apenas de obrigações. É falar de negócio. De diferenciação, de reputação, de ligação às comunidades e ao território. Afinal a essência do turismo sempre foi - e continuará a ser- location, location, location.

Para este Dia Mundial do Turismo, e vindouros, uma mensagem: desliguemos o complicómetro, mas não percamos o rumo. Sustentabilidade não é um fardo regulatório. É, se bem entendida e praticada, a chave para o futuro do turismo e para a competitividade de Portugal.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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