Política

Aguiar-Branco defende simplificação do voto dos emigrantes e pede combate à abstenção

Abertura do novo ano judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, do Procurador Geral da República Amadeu Guerra, do Presidente do Supremo João Cura Mariano, da Ministra da Justiça Rita Júdice, da bastonária da Ordem dos Advogados Fernanda Pinheiro e o Presidente da AR, José Pedro Aguiar Branco
Abertura do novo ano judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, do Procurador Geral da República Amadeu Guerra, do Presidente do Supremo João Cura Mariano, da Ministra da Justiça Rita Júdice, da bastonária da Ordem dos Advogados Fernanda Pinheiro e o Presidente da AR, José Pedro Aguiar Branco
ANTONIO P FERREIRA

"Não podemos continuar a ter níveis de abstenção superiores a 40%", afirmou o presidente da Assembleia da República, lembrando que este anoo país terá eleições autárquicas

O presidente da Assembleia da República defendeu esta quarta-feira a simplificação do voto dos emigrantes, medidas para combater a abstenção e uma reflexão sobre o sistema eleitoral, num discurso em que elogiou a Comissão Nacional de Eleições (CNE).

José Pedro Aguiar-Branco assumiu estas posições numa intervenção que proferiu na sala do Senado, no parlamento, durante a abertura da sessão comemorativa dos 50 anos da CNE. Na mesma cerimónia, o presidente da CNE, o juiz conselheiro Santos Cabral, apelou aos deputados que reabilitem e atualizem a legislação eleitoral para fortalecer a estrutura a que preside e alertou que o “tempo de perplexidades” atual exige novos “instrumentos democráticos”.

Após um discurso inicial proferido por Santos Cabral, José Pedro Aguiar-Branco destacou o contributo da CNE ao longo de meio século para o funcionamento da democracia portuguesa, mas referiu-se também aos desafios que no futuro se colocam a esta entidade. "Devemos continuar a perguntar à CNE e a todos os anónimos que garantem que as nossas eleições correm bem, o que podemos fazer para facilitar o seu trabalho, o que podemos fazer, enquanto país, enquanto parlamento, para responder aos desafios democráticos de hoje. Desafios como a abstenção, que ainda é demasiado elevada", salientou.

Neste contexto, o presidente da Assembleia da República lembrou que este ano, dentro de meses, o país terá eleições autárquicas, "a grande festa da democracia e do poder local, com milhares de candidatos". "Não podemos continuar a ter níveis de abstenção superiores a 40% nestas eleições", acentuou, antes de alertar para a necessidade de "mobilizar para as eleições autárquicas os cidadãos europeus que vivem em Portugal -- e que podem votar" neste ato eleitoral.

Mas o antigo ministro social-democrata deixou a seguir um segundo desafio relacionado com o voto das comunidades emigrantes. "Precisamos de encontrar um modelo mais simples e mais acessível, para aumentar a participação", afirmou.

Em termos de médio prazo, o presidente da Assembleia da República apontou "o desafio da reforma do sistema eleitoral e da lei das campanhas eleitorais". "Este não é o lugar, nem o momento, para aprofundar estes assuntos. Mas não queria deixar de os mencionar. Creio que gastamos pouco tempo a pensar em como melhorar o nosso sistema político", considerou.

Num discurso escutado pelo Procurador Geral da República, Amadeu Guerra, e por antigos governantes, como o socialista Vera Jardim, o presidente da Assembleia da República defendeu a tese de que os regimes políticos democráticos "são sempre uma construção coletiva, são transmitidos de geração em geração, como um legado frágil que é preciso preservar". "Cada geração é chamada a assumir esta responsabilidade de cuidar do que é de todos, de construir, com realismo e bom senso em favor do bem comum. Digo-o em relação à CNE mas também em relação ao parlamento e à democracia como um todo. A melhor homenagem que podemos prestar aos que nos precederam é sabermos cuidar da democracia para a entregarmos às próximas gerações mais robusta e mais preparada", frisou.

No seu discurso, José Pedro Aguiar-Branco recordou o processo de preparação das primeiras eleições em democracia, em Abril de 1975, para a Assembleia Constituinte. "O país não estava habituado ao pluralismo partidário, às campanhas eleitorais, a comícios, tempos de antena e sessões de esclarecimento. Não era garantido que o regime, tão novo e ainda tão frágil, conseguisse organizar umas eleições em todo o território, ou responder à grande afluência que se esperava, assegurando que todos os partidos concorrentes aceitavam o resultado do sufrágio". De acordo com o presidente do parlamento, também "não era garantido que as mesas de voto funcionassem, que o voto secreto fosse respeitado, que o escrutínio fosse transparente e fiável, que o processo fosse justo e aceite por todos".

"Os riscos eram muitos. É fácil, à distância de 50 anos, nem sequer dar por eles. Foi esse o papel da CNE. Num momento tão exigente -- e entusiasmante -- da nossa vida comum, garantir que as eleições aconteciam e que tudo corria bem. Por isso, é justo que, meses antes de assinalarmos os 50 anos das primeiras eleições, prestemos homenagem a quem contribuiu que elas ocorressem", acrescentou.

Presidente da CNE pede revisão da legislação eleitoral “com brevidade”

No discurso de abertura da sessão solene comemorativa dos 50 anos da CNE, Santos Cabral sublinhou que, embora a comissão se tenha auto-organizado com sucesso ao longo das últimas cinco décadas, o atual quadro de atribuições da CNE extravasa o diploma que lhe deu origem. Santos Cabral explicou que este extravasamento se deve ao surgimento na ordem jurídica portuguesa de novos dados eleitorais e institutos, como a eleição para o Parlamento Europeu, para o Conselho das Comunidades Portuguesas ou os referendos nacionais e locais, que não estão previstos na legislação da CNE.

“As próprias leis eleitorais foram-se adequando às novas realidades no campo legislativo, político e social. Todavia, nenhuma destas alterações teve reflexo na própria lei da Comissão Nacional de Eleições”, disse o presidente da CNE.

Santos Cabral lembrou as alterações legislativas que foram ficando pelo caminho nas diferentes legislaturas e apelou aos deputados que, “com brevidade”, avancem com uma “reabilitação e atualização” de toda a legislação em matéria eleitoral, incluindo da lei que fundou a CNE.

Nesta revisão deve constar, disse, a “necessidade de fortalecimento institucional, a transparência e prestação de contas, a mobilização social e política” e deve ser garantido o apoio popular e institucional para a permanência e fortalecimento da CNE. “A comissão, como guardiã do processo eleitoral, desempenha um papel fundamental na garantia de eleições livres, justas e transparentes. Qualquer debilidade na sua estrutura pode comprometer a confiança pública no próprio sistema eleitoral”, disse.

No mesmo discurso, o juiz-conselheiro Santos Cabral alertou para um “tempo de perplexidades”, no qual as instituições da democracia representativa “não evitam as disfunções contemporâneas”, como a abstenção eleitoral e a insatisfação dos eleitores. O presidente da CNE propôs que a “elaboração da democracia” seja repensada, procurando “novas e alternativas conceções e instrumentos democráticos”.

Santos Cabral sublinhou que surgem agora “novas formas de conceber a relação entre cidadãos e a política” e “novas abordagens do conceito de democracia” que convocam, acrescentou, a um compromisso entre a democracia direta e a democracia representativa. O presidente da CNE frisou a necessidade de Portugal se adaptar a um “mundo cada vez mais tecnológico” tendo em vista uma maior e mais plural participação dos cidadãos nos processos eleitorais, bem como para a importância do país fortalecer a sua segurança cibernética.

“Falamos da importância de uma abordagem integrada para reforçar as instituições democráticas, combinando independência institucional, financiamento adequado e tecnologia de proteção quanto ao risco de ataques como os ataques cibernéticos. Também a Comissão Nacional de Eleições necessita de se adequar aos desafios deste conturbado século XXI”, resumiu.

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