Fernando Negrão, Vitorino e Assis juntos nas críticas à operação no Martim Moniz: denota "grande vontade de exibição"
RUI FARINHA/Lusa
Antigo ministro da Justiça e diretor da Polícia Judiciária afirma “grande preocupação” com a repetição de operações no Martim Moniz e com “grande vontade de exibição” desta ação policial. Na mesma linha, António Vitorino salienta o “tanto aparato para tão pouco resultado”. Francisco Assis critica uma “reprovável linha política ultra-securitária que este Governo de forma irresponsável tem vindo a prosseguir”
As críticas à operação policial de quinta-feira no Martim Moniz, em Lisboa, alastram para fora do Parlamento e entram dentro do espaço político do Governo. Em declarações ao Expresso, Fernando Negrão mostra uma “grande preocupação” com o que aconteceu. As críticas estendem-se ainda a António Vitorino, o sociaista escolhido por Montenegro para ser presidente do Conselho Nacional para as Migrações, e para vários socialistas, como Francisco Assis, Ferro Rodriguesou José Luís Carneiro.
Fernando Negrão não se centra no “ato de polícia” em si, mas na “grande vontade de exibição” da operação. “Aquilo a que assistimos, não sabemos se foi uma operação de prevenção de criminalidade ou se foi mais do que isto. O que vimos foi dezenas de pessoas encostadas à parede e a serem revistadas”, afirma o antigo ministro da Justiça e diretor da Polícia Judiciária.
“E vimos também uma vontade de grande exibição daquela operação, o que torna ainda mais preocupante”, acrescenta Negrão na mesma conversa.Isto porque, “as ações de prevenção ou se fazem de uma forma discreta ou deixam de ser de prevenção para serem indutoras de insegurança na comunidade”.
A visão do ex-diretor da PJ diverge assim da posição do atual primeiro-ministro. Luís Montenegro defendeu esta quinta-feira que a operação da PSP no Martim Moniz foi “muito importante” para a “visibilidade e proximidade” no policiamento, contribuindo duplamente para incrementar a "tranquilidade dos cidadãos" e combater "condutas criminosas".
Para o também ex-deputado do PSD, este foi um “ato exclusivamente de polícia nas suas competências”. A questão é que “sendo um ato de natureza administrativa, deve caber à polícia e só à polícia levá-lo a cabo quando acha que há necessidade, por exemplo, de operações de prevenção da criminalidade”.
Assim, é importante, tal como afirmado pelo Presidente da República, aguardar por mais informações, “designadamente se alguma autoridade judiciária teve alguma intervenção na autorização desta operação” de modo a apurar se se tratou de uma “operação de prevenção ou repressiva”.
Contudo deixa claro que o que as imagens mostram, com dezenas de pessoas encostadas à parede, “não é um procedimento normal”. “Estão aqui em causa limitações a direitos fundamentais das pessoas, como por exemplo o direito de se deslocarem livremente pelas ruas de uma cidade”, afirma.
Em outubro, aquando da onda dos tumultos na Grande Lisboa, Fernando Negrão defendeu em entrevista à Antena 1, que “não podemos ter guetos no nosso país” e que é importante ter uma melhor política de gestão dos bairros socias para evitar que isto aconteça. Agora, questionado pelo Expresso, o ex-ministro admite que as operações sucessivas nos mesmos locais, designadamente no Martim Moniz, “contribui” precisamente para o problema. Para o ex-ministro da Justiça esse é também “um dos pontos” que lhe traz “grande preocupação”.
“A ação policial está muito centrada nesta zona de Lisboa. Isto é mau. É fundamental que haja descrição nestas operações, não para as esconder, mas sim para que não se transforme uma zona da cidade numa zona não frequentável”, defende.
Ex-MAI exige “explicações claras” do primeiro-ministro
Entre as reações à operação policial desta quinta-feira conta-se também José Luís Carneiro que exigiu, através das redes sociais, “explicações claras” por parte de Luís Montenegro.
“A partir do momento em que o Primeiro Ministro chamou a si o comando político das operações policiais, o que se passou ontem na Mouraria exige explicações claras da sua parte. As operações policiais, mesmo preventivas, exigem justificação e o cumprimento dos princípios da adequabilidade e da proporcionalidade”, escreveu o antigo ministro da Administração Interna numa publicação no Instagram.
Também nas redes sociais, mas no Facebook, Francisco Assis criticou a “reprovável linha política ultra-securitária que este Governo de forma irresponsável tem vindo a prosseguir”. “Uma actuação desta natureza é muito grave, pelo que representa e pelo que fomenta. Contribui para a criação de um ambiente de medo e desperta os instintos mais selvagens em relação a certos segmentos da população”, escreveu o eurodeputado do PS.
“O Ministério da Administração Interna parece ter-se transformado no braço institucional da extrema-direita arruaceira. É preciso pôr cobro a isto, sob pena de se ter de concluir que a direita democrática está a ceder em questões fundamentais e a renegar os valores que sempre a orientaram durante as várias décadas do regime democrático”, rematou.
Já António Vitorino, em entrevista à SIC Notícias, alertou para o “perigo” destas operações com “tanto aparato para tão pouco resultado” (neste caso, uma detenção por posse de arma branca e alguma droga). “Isso não ajuda à credibilização das operações de segurança para o conjunto da população”, afirmou o presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo.
E deixa outro alerta: "A presença policial, a existência de operações policiais, têm como objetivo perseguir criminosos e faz todo o sentido numa sociedade democrática. A tentativa de criar a ideia de que essas ações policiais visam um determinado grupo, isso eu acho verdadeiramente errado e é perigoso".
António Vitorino foi convidado para o cargo que ocupa atualmente pelo atual Governo, mas não acusa desconforto. “Sinto-me confortável porque digo sempre o que penso e não falo em nome de ninguém”, garante no mesmo dia em que os partidos do Governo e o Chega fizeram aprovar propostas (incluindo da AD) que visam limitar o acesso ao SNS por estrangeiros não residentes. “Sobre isso digo, evitemos deitar fora o bebé com a água do banho. Combater uma situação de abuso que existe, fazendo incluir nisso aqueles que estão no território nacional e têm o estatuto de imigrante - sejam regulares ou irregulares - tem riscos”.