Política

Na dúvida, escolho sempre as mulheres e a sua dignidade

Na dúvida, escolho sempre as mulheres e a sua dignidade

Eva Brás Pinho

 Deputada do PSD na Assembleia da República

Enquanto mulheres são apedrejadas por desafiarem - com a sua mera existência - o poder masculino que as vê como gado, o Ocidente aprova resoluções de condenação a estas violações dos direitos humanos. No Instagram, partilhamos notícias e publicações de indignação e solidariedade. Na esfera política, aprovamos leis de paridade de género e, por vezes, até ouvimos: “Já estamos tão bem! Até já temos líderes mundiais femininas!”.

Em 2021, com a retirada das tropas da NATO do Afeganistão, os Talibãs - autoproclamados “moderados” - nomearam um governo interino totalmente masculino. Este mês o Ocidente recebeu a notícia de uma nova “Lei para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício”.

As mulheres são excluídas da vida pública. Proibidas de cantar ou ler em voz alta dentro das suas próprias casas. Forçadas a cobrir todo o seu corpo, envergando um negro véu que até os olhares de quem tudo sente - e nada pode expressar - cobre. Mandatadas ao silêncio fora das quatro paredes das suas casas. Diminuídas. Agredidas. Objetificadas. Abusadas sexualmente. Reduzidas à invisibilidade na comunidade.

As consequências para quem ousar ser livre, para quem desejar considerar-se dona da sua própria vida, das suas decisões, da sua voz, são aterrorizadoras. Conselhos, avisos de punição divina, ameaças verbais, confisco de bens, detenção e horas em cadeias, ou qualquer outra punição considerada apropriada. Afinal, os Talibãs não são donos de casa, mas donos da moralidade. De Deus.

Em 1994, não era assim: os Estados Membros1 da Liga dos Estados Árabes assinaram a Carta Árabe de “Direitos Humanos”. Prevê o seu artigo primeiro que todas as pessoas têm o direito à autodeterminação, no artigo terceiro a “igualdade” entre homens e mulheres, e no quinto, o direito à vida, à liberdade e à segurança. No seu preâmbulo, contudo, prevê-se que os seus princípios orientadores são os da Sharia Islâmica. No seu artigo sétimo, tal confirma-se: a pena de morte não deve ser aplicada a mulheres grávidas, nem nos dois anos seguintes ao parto, tendo em mente os melhores interesses da criança.

Quão gentis. Quão humanos. Quão generosos.

Trinta anos depois, é pouco crível que esta Carta traduza muito mais do que palavras vazias e compromissos de fachada para facilitar relações diplomáticas (e económicas) com o Ocidente.

Alguns dirão que o Ocidente, com tiques “neocolonialistas” e dotados de arrogância intelectual, tomam o seu entendimento sobre os direitos humanos como universalizável, por despeito a culturas diferentes, ingerindo-se em geografias que não lhes pertencem.

Eu não deixo de me colocar nos sapatos de quem lá está. Se tivesse nascido em Cabul, jamais teria oportunidade de escrever estas palavras, quanto mais vê-las publicadas.

Enquanto mulheres são apedrejadas por desafiarem - com a sua mera existência - o poder masculino que as vê como gado, o Ocidente aprova resoluções de condenação a estas violações dos direitos humanos. No Instagram, partilhamos notícias e publicações de indignação e solidariedade. Na esfera política, aprovamos leis de paridade de género e, por vezes, até ouvimos: “Já estamos tão bem! Até já temos líderes mundiais femininas!”.

Com a humildade de quem sabe estar longe e expressa a sua revolta com um artigo, estou certa de que precisamos de fazer mais do que isso.

Entre a opressão e a liberdade, não tenho dúvidas da escolha de qualquer ser humano. Seja qual for o sítio onde nasceu. Entre a redução da Mulher a propriedade do seu marido, e a certeza da dignidade absoluta de qualquer vida humana, estou certa da segunda. Entre um sistema de valores partilhado por uma sociedade democrática, laica, que consensualiza valores, e um estado ditatorial em que meia dúzia impõe a sua visão de verdade aos demais, estou certa da primeira.

A comunidade internacional tem dois caminhos: perder-se em dúvidas e hesitações ou compreender que o ceticismo e a reflexão não devem impedir a ação, a capacidade de agir e a proteção dos mais vulneráveis.

Entre a dúvida e a proteção da dignidade de milhares de vidas, a minha escolha é indubitável. E não estou sozinha. Porque elas também não.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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