Haverá adultos há demasiado tempo na sala da política mundial, enquanto novas e jovens ideias batem à porta?

Perante uma crescente participação jovem nos assuntos da sociedade, questiona-se o envelhecimento de quem a governa
Perante uma crescente participação jovem nos assuntos da sociedade, questiona-se o envelhecimento de quem a governa
Inês Loureiro Pinto (texto) Carlos Esteves (Infografia) e Cristiano Salgado (Ilustração)
Quando o CEO da Meta, então Facebook, se sentou durante cinco horas no Congresso dos Estados Unidos da América (EUA) para responder sobre o envolvimento da sua empresa no escândalo da consultora Cambridge Analytica, decerto não imaginou que também teria que explicar aos senadores como funciona a rede social. Orrin Hatch, senador do Utah, em 2018 com 84 anos, indagou Mark Zuckerberg quanto ao objetivo de o seu serviço manter sempre uma versão grátis. O empresário — na altura com 33 anos — confirma. O senador continua: “Como é que planeia sustentar um modelo de negócio em que os utilizadores não pagam pelo seu serviço?” “Senador... Nós publicamos anúncios”, responde Zuckerberg, com um sorriso controlado.
O instituto norte-americano Pew Research Center analisou a idade dos líderes mundiais e concluiu que a maioria é significativamente mais velha que a idade média da população do país que governa. Joe Biden, o Presidente norte-americano mais velho de sempre, já tinha um lugar no Senado antes de o atual cidadão médio dos EUA (pouco mais que 38 anos) nascer. Se 64% da população deste país está abaixo dos 50 anos e se a média de idades dos senadores é de 64,15 anos, existe a preocupação de que uma grande massa da classe política não esteja a par dos assuntos que implicam diretamente as vidas dos seus eleitores mais jovens, como a privacidade na internet ou o clima, embora tenham a responsabilidade de legislar sobre eles. Nikki Haley, candidata republicana à presidência do país que vai a eleições em novembro de 2024, pediu “testes de competência mental” para os políticos com idade superior a 75 anos — o que abarca tanto Donald Trump, de 77 anos, como Joe Biden, de 80. A candidata (de 51 anos) considera que estes políticos “precisam de deixar uma geração mais jovem assumir o controlo”.
O Presidente norte-americano, no entanto, não entra sequer na lista dos dez líderes mundiais mais velhos atualmente em funções. Os Presidentes de Itália e da Irlanda, os monarcas da Dinamarca e da Noruega e o Papa Francisco, chefe de Estado do Vaticano e líder da Igreja Católica — todos eles com idades entre os 82 e os 87 anos — são os representantes máximos com mais primaveras contadas no continente europeu. O Médio Oriente mostra também uma liderança experiente. O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irão aos 84 anos, partilha a lista com o emir do Kuwait, de 86 anos, o rei da Arábia Saudita e o Presidente da Autoridade Palestiniana, ambos com 87 anos. Isolado na década seguinte está o Presidente em funções mais experiente do mundo, Paul Biya, dos Camarões, no cargo desde 1982 — fará 91 anos em fevereiro.
A mesma análise do Pew Research Center, de março deste ano, concluiu que os países menos livres tendem a ter líderes mais velhos. Em governos democráticos, a média mundial de idades fixa-se nos 58 anos, enquanto, em regimes autoritários, a idade média sobe para 69. António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor de Ciência Política na Universidade Lusófona, lista os exemplos de Mao Tsé-Tung e Estaline para expressar que “em princípio, o objetivo de um ditador é morrer no cargo, e portanto tende a perpetuar-se no poder. Os que não ficam é porque sofreram golpes de Estado, como Mussolini em Itália e Muammar Kadhafi na Líbia”.
O politólogo lembra ainda como Salazar guardou segredo da queda que debilitou consideravelmente a sua saúde durante o mandato e que acabou por ditar a sua substituição por Marcello Caetano, em 1968. Na publicação “Quem Governa a Europa do Sul?”, editada por António Costa Pinto, Pedro Tavares de Almeida e Nancy Bermeo, encontramos os perfis dos governantes portugueses na transição de regimes. A revolução de 1974 injetou mais juventude nos cargos políticos — dos deputados eleitos da Assembleia Constituinte, metade ainda não tinha chegado aos 40 anos — relativamente à equipa de Marcello Caetano, ainda assim mais rejuvenescida que a de Salazar. Desde então, segundo António Costa Pinto, “a idade média do Parlamento português tem vindo a subir”.
Ainda que vejamos de facto governos pouco democráticos na lista dos líderes mais velhos (Camarões, Arábia Saudita ou Kuwait), há países com governos autoritários liderados por pessoas com metade destas idades. Por exemplo, Kim Jong-un, 40 anos, que lidera a Coreia do Norte há mais de uma década, ou Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro da monarquia absolutista da Arábia Saudita e filho do terceiro líder mais velho do mundo. Aliás, oito dos dez Estados com os líderes mais novos são considerados não livres em 2023 (ou parcialmente, no caso de Montenegro) segundo a organização sem fins lucrativos Freedom House, que avalia as liberdades civis e os direitos políticos de 210 países. Às 35 primaveras, o líder mundial mais novo em funções é o capitão Ibrahim Traoré, proclamado “Presidente de transição” depois do golpe de Estado que conduziu no Burkina Faso, em setembro de 2022.
“A tendência para o envelhecimento médio da classe política é natural também nos regimes democráticos”, esclarece António Costa Pinto, que nota que “a elite política tem sempre uma propensão para se manter no poder. É por isso que existem limitações de mandatos. Em situações em que não as há, como é o caso do Congresso e do Senado dos EUA, é possível passar décadas no cargo desde que se consiga a reeleição”, diz o investigador. Orrin Hatch — o tal senador confuso com o funcionamento do Facebook — foi até 2023 o senador com mais tempo de mandato, 42 anos. Em Portugal, os Presidentes da República estão limitados a duas recandidaturas, presidentes de câmaras municipais e de juntas de freguesias podem ter três mandatos, enquanto primeiros-ministros e deputados não têm limites. É preciso ser maior de idade para concorrer às eleições legislativas e ter no mínimo 35 anos para entrar na corrida presidencial. Não há atualmente limites máximos de idade para cargos políticos, questão abordada internacionalmente e que levanta questões de idadismo, isto é, discriminação pela idade.
A base de dados REIGN (Rulers, Elections, and Irregular Governance) indica que a idade média dos líderes globais tem aumentado desde meados do século passado, à exceção dos representantes europeus, cuja idade média tem caído desde os anos 80. Atualmente, a média de idades dos chefes de Estado da União Europeia é de 64,4 anos, sendo Marcelo Rebelo de Sousa, aos 74, o oitavo mais velho. Já em relação aos chefes de Governo, António Costa é o segundo líder mais velho num grupo cuja idade média ronda os 53. Leonid Bershidsky, jornalista da Bloomberg, tentou uma tese para a tendência da juventude na altura da tomada de posse de Sanna Marin, na Finlândia, em 2019, a mais jovem líder de Governo do mundo, aos 34 anos: “A sua ascensão não tem apenas a ver com a cultura política progressista da Finlândia... É também uma nova abordagem que os jovens líderes trazem para a política cada vez mais fragmentada do continente”, apontou o jornalista russo.
Nos últimos anos assistimos, em Portugal, à entrada de novos partidos políticos na praça, com líderes mais jovens que os partidos estabelecidos. “Há uma dinâmica de rejuvenescimento que aparece por vontade do eleitorado quando se trata de eleições diretas e personalizadas”, reflete António Costa Pinto. Para ganhar relevância, os mais novos na sala têm que se destacar por outras valências que não a experiência: valências profissionais fora da política, propostas mais distintas do que é tradicional e novas formas de se aproximar aos eleitores, como a internet. O livro de 2022 “Prime Ministers in Europe: Changing Career Experiences and Profiles” (Primeiros-ministros na Europa: Experiências e Perfis de Carreira em Mutação), de Jan Berz, Ferdinand Müller-Rommel e Michelangelo Vercesi (investigador na Universidade Nova de Lisboa), descreve que as carreiras dos líderes europeus tornaram-se menos políticas, mais técnicas e mais variadas. “De certa forma, os líderes europeus já não são os políticos de carreira que costumavam ser”, conclui o estudo. Ou seja, a atratividade dos jovens na classe política não se resume à sua data de nascimento, mas também ao fator novidade.
“Zelensky é o típico exemplo de um outsider ao sistema político”, aponta António Costa Pinto. “Ele é um media man que, no âmbito de uma crise na Ucrânia com escândalos de corrupção e uma dinâmica associada a candidatos pró-Rússia, ganha as eleições. Mas há outros casos, como Macron, que aparece como o salvador da democracia francesa ao centro, associado ao colapso do sistema partidário francês”, explica o politólogo.
Cantava Bob Dylan em 63, altura de fervura política no seu país natal, letras que sopravam ventos de mudança e apelavam literalmente a senadores e congressistas para “não bloquearem o corredor”. “Your sons and your daughters/ are beyond your command/ your old road is rapidly agin’/ please get out of the new one/ if you can’t lend your hand/ for the times they are a-changin’”.
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