A primeira parte do debate bimensal com António Costa no Parlamento foi fundamentalmente à volta de um tema: que membro do Governo (dos muitos que João Galamba implicou) deu a orientação ao ministro para ligar ao SIS perante o alegado furto do computador? João Galamba disse que foi o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, mas nem Costa nem Mendonça Mendes confirmam ou desmentem.
Isso são “pormenores da novela”, o “essencial” é outro: o alerta dado pela chefe de gabinete foi bem dado e a atuação preventiva do SIS, perante um quadro de ameaças externas peculiar, foi bem feita. “Faria igual hoje e amanhã”, disse o primeiro-ministro.
Em causa está a confusa fita do tempo da noite de 26 de abril no Ministério das Infraestruturas. Cruzando os depoimentos de João Galamba e da chefe de gabinete Eugénia Correia com os relatos feitos pelos diretores do SIS e do SIRP, à porta fechada, no Parlamento, o Governo acredita que foi, de facto, a chefe de gabinete que entrou em contacto com os serviços de informações por mote próprio. Paralelamente, ainda em casa, o ministro ligou a vários membros do Governo, incluindo o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, para saber como agir. Nesses telefonemas terá saído a informação de que deveria ligar ao SIS, por causa da proteção de documentos classificados, e à PJ pelo alerta de furto do computador.
Foi o secretário de Estado Adjunto que deu essas indicações? Confirma o telefonema que João Galamba relatou? A pergunta foi feita por vários deputados. “Quem diz a verdade?”, perguntaria Joaquim Miranda Sarmento?" “Confirma o telefomena: sim ou não?”, perguntaria várias vezes André Ventura. Mas António Costa nunca diria que sim nem que não e desafiaria o líder parlamentar do PSD a apresentar uma moção de censura se achasse que era caso disso.
“Há aqui um mínimo de regras e nunca me ouvirá responder sobre conversas que tive consigo, ou com o ministro A ou B. Eu não revelo publicamente as conversas que mantenho com os membros do governo, e quanto a esta história toda, cinjamo-nos aos factos”, disse António Costa em resposta a Ventura. Mas Rui Rocha, da IL, voltaria ao mesmo ponto: “todos os minitros citados na CPI já vieram esclarecer detalhes, menos Mendonça Mendes”.
Mas o primeiro-ministro volta ao ponto inicial. “Só há três coisas relevantes: quando desaparece um documento classificado as autoridades devem ou não ser alertadas? Sim, devem. Alguém deu ordem para o SIS actuar? Não, ninguém deu”. “O resto", disse, “o resto são pormenores para animar uma novela”.
No início do debate no Parlamento, António Costa já tinha dado o mote a que se agarraria ao longo de todas as respostas seguintes. “Toda a informação que me foi transmitida pela secretária-geral do SIRP permite-me dizer que não vejo qualquer ilegalidade na atuação dos serviços” e, apesar de não ser comum o SIS agir para ir buscar um computador do Ministério, a ação aconteceu “num quadro de avaliação das ameaças" existentes sobre “informação sensível” daquele ministério.
Embora não o diga (diz, aliás, que não pode falar publicamente disso), está a referir-se às suspeitas do SIS sobre o interesse da Rússia e da China nos dados que circulam nos cabos submarinos amarrados no porto de Sines, tratando-se de informação sensível num contexto de guerra na Europa. No final, Costa remata a segunda conclusão: “Nenhum membro do Governo deu qualquer instrução ou orientação ao SIS”. Ou seja, os telefonemas que João Galamba fez não definiram o curso dos acontecimentos que levariam a chefe de gabinete a fazer o reporte e o SIS a telefonar-lhe.
A fita do tempo
O primeiro-ministro faria uma pequena resenha da cronologia dos acontecimentos, mesmo sem esclarecer a parte do telefonema do seu secretário de Estado Adjunto. Em resposta a Miranda Sarmento, que o tinha acusado de incorrer numa “contradição insanável” com Galamba sobre o facto de ter sido, ou não informado, do reporte ao SIS, diria assim:
"Tenho ideia de que sabe o que é uma pergunta capciosa. Não vamos pôr na boca de cada um o que disse e não disse. No dia em que regressei de férias, um jornalista da RTP perguntou-me se tive prévio conhecimento da actuação do SIS. Não tive nem tinha de ter. Não me informaram previamente. Outra coisa a que eu não respondi, porque ninguém me perguntou, era se tinha falado ou não com o ministro. Falei como falei com outros ministros e com o Presidente da República", afirmou - para mais à frente corrigir. “Se disse de alguma forma que falei com o PR, corrigo para que fique claro, eu nunca informei o Presidente da República sobre a intervenção do SIS.”
E continuaria, rejeitando a “contradição insanável”: "É rigorosamente verdade o que disse João Galamba. O ministro tentou ligar-me e eu não atendi, estava a conduzir. A minha mulher viu o telemóvel e viu quem era. Cheguei ao hotel e liguei ao ministro João Galamba", concluiu. Ou seja, soube, sim, mas não previamente.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: rdinis@expresso.impresa.pt
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes