Pela quinta vez, a morte medicamente assistida foi aprovada no Parlamento, e está mais perto de ver a luz do dia. Os deputados do PS, Bloco, IL, PAN, assim como sete deputados do PSD votaram a favor do decreto sem alterações, que terá agora de ser promulgado pelo Presidente da República. Restantes deputados do PSD, quatro do PS, Chega e PCP votaram contra. No total, registaram-se 129 votos a favor, 81 contra e uma abstenção de um deputado social-democrata.
Durante o debate, os partidos proponentes – PS, Bloco, IL e PAN – defenderam esta sexta-feira que a lei conta com o apoio de uma “maioria” e resultará de um “equilíbrio entre a legitimidade” da Assembleia da República (AR) e do chefe de Estado. Se o texto pode não responder às dúvidas levantadas por Marcelo, essas deverão ser “tidas em conta” na fase de regulamentação. Os partidos proponentes responderam ainda ao PSD – que confirmou que alguns dos seus deputados se comprometem a avançar com um pedido de fiscalização sucessiva da lei – manifestando-se confiantes de que o Tribunal Constitucional (TC) dará aval ao diploma. Já o Chega e PCP voltaram a criticar o decreto, apontando para a necessidade de se garantir uma rede de cuidados paliativos.
“Estamos a fazer algo normal em democracia, a confirmar um diploma aprovado por uma maioria muito expressa e exercer a competência da AR”, começou por afirmar a socialista Isabel Moreira.
Reiterando que chegou o momento de a “Assembleia se respeitar” e “respeitar aqueles que anseiam tanto por este dia”, a deputada do PS invocou os valores do 25 Abril. "Entendemos também que respeitar e consagrar o direito à autodeterminação da morte é também cumprir Abril. Que dia tão justo, tão bonito”, exclamou.
Pela Iniciativa Liberal (IL), João Cotrim de Figueiredo sublinhou que a eutanásia foi alvo do “mais profundo” e “longo” debate, resultando agora numa das leis “mais ponderadas”. Sobre a intenção de o PSD avançar com um pedido de fiscalização sucessiva, Cotrim disse que a IL tem “toda a confiança” de que os juízes do Palácio Ratton confirmarão a constitucionalidade da lei.
Tal como Isabel Moreira, o deputado liberal considerou que é altura de o Parlamento ser respeitado, ao confirmar a lei, após ter dado sempre sinal de abertura face aos reparos do PR e do TC. “Os temas levantados pelo PR serão tidos em conta. Tudo isso é possível de ser detalhado na fase de regulamentação”, observou, em resposta a Marcelo.
Também Catarina Martins defendeu que as dúvidas apontadas pelo Presidente são “matéria de regulamentação” da lei, pelo que deve ser promulgada “tal como está”, sem alterações. “Devemos fazer isso em respeito pela primazia e autonomia legislativas do Parlamento. Sem nenhum drama, antes com toda a serenidade de quem sabe que é assim que a Constituição manda ser”, frisou a coordenadora do Bloco.
A líder bloquista ainda atirou farpas ao PSD, acusando o partido de só querer acrescentar “ruído” ao processo, com o pedido de fiscalização sucessiva: “Anunciam agora quando nunca exprimiram qualquer dúvida. (…) Isso diz bem sobre oportunismo político, o mesmo quando defendiam o referendo”, criticou.
A deputada do PAN, Inês de Sousa Real, voltou a defender que a lei garante “sensibilidade” e “respeito pela dignidade humana” em todas as fases da sua vida, o que é da mais “elementar justiça” num Estado de direito. E apelou a um processo rápido na fase de regulamentação: “Estamos confiantes de que este texto reúne todas as condições para ser promulgado. Ultrapassada esta fase é fundamental que a regulamentação ocorra o mais rapidamente possível”, vincou.
Rui Tavares, do Livre, considerou, por sua vez, que o veto do PR significa que “são as instituições a funcionar”, assim como se deputados do PSD avançarem com um pedido de fiscalização. “Se agora esta lei for ao TC serão também as instituições a funcionar”, disse o deputado único.
PSD e Chega insistem com referendo. Diploma irá para o TC
No lado da oposição, Alma Rivera reafirmou que o PCP manteria o seu sentido de voto contra a legalização da eutanásia, insistindo que a criação de uma rede de cuidados paliativos com “carácter universal” tem que ser prioritária: “O Estado não pode ajudar a morrer quando não dá condições pata viver”, declarou a deputada comunista.
Já o PSD confirmou que um grupo de deputados se compromete a avançar com um pedido de fiscalização sucessiva do diploma junto do TC. A garantia foi dada pela deputada Paula Cardoso que lamentou que os partidos proponentes tenham decidido ir “mais longe” nas alterações ao texto e defendeu que as dúvidas levantadas por Marcelo são “legítimas”.
Afirmando que não é possível reconhecer uma “correspondência proporcional e efetiva” entre o voto individual dos deputados e a “vontade coletiva” da sociedade, Paula Cardoso sublinhou que para o PSD esta é uma matéria de “importante” interesse nacional, pelo que devia ter sido realizado um referendo.
A decisão de confirmar a lei da eutanásia, defende André Ventura, abre um “conflito institucional e político” entre S. Bento e Belém e foge às “dúvidas legítimas” levantadas pelo chefe de Estado. Para o líder do Chega, o diploma é um “disparate legislativo”, uma “aberração jurídica”, que não é comparável com a legislação em vigor noutros países, lamentando ainda que Portugal não garanta cuidados paliativos para os idosos. “A fuga ao referendo é uma fuga à democracia”, atirou, garantindo que a primeira medida de uma maioria de direita será a revogação do diploma.
Em comunicado, o presidente do CDS-PP, Nuno Melo, criticou a aprovação da lei sobre um tema que “divide profundamente a sociedade portuguesa” e admitiu que o TC poderá voltar a decretar a inconstitucionalidade do diploma face a um pedido de fiscalização sucessiva.
“Caso o PR não opte pela recusa de promulgação da lei, através da invocação da objecção de consciência, atenta a matéria em causa, o CDS apela a que a Provedoria de Justiça suscite a fiscalização da constitucionalidade da lei da morte medicamente assistida, a qual, além de vaga nos conceitos e mais abrangente nas possibilidades de pôr termo à vida humana, alinha com os regimes mais permissivos de eutanásia à escala global”, disse ainda.
As dúvidas de Marcelo
Recorde-se que o Presidente da República não invocou, na última vez, dúvidas do ponto de vista constitucional, questionando apenas quem irá aferir se o doente tem incapacidade física para administrar a si próprio o fármaco letal. Uma dúvida que se prende com o facto de o novo texto privilegiar o suicídio assistido face à eutanásia.
De acordo com a Constituição, após um veto, se o diploma for confirmado com os votos da maioria absoluta dos deputados, o Chefe de Estado tem oito dias para promulgar o diploma. Para a regulamentação, o Executivo terá um prazo de 90 dias, a lei entrará em vigor um mês depois.
O PSD já acenou, contudo, com um pedido de fiscalização sucessiva do diploma. Ainda na quinta-feira, Luís Montenegro defendeu que poderá valer a pena este passo junto do TC por um questão de “segurança jurídica”, levando o líder da bancada do PS, Eurico Brilhante Dias, a acusar o presidente dos sociais-democratas de representar um “autêntico ziguezague” em relação à eutanásia.
(Artigo atualizado às 15h08 com reação do CDS)
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