Política

Marcelo veta despenalização da eutanásia. Projeto de lei volta para o Parlamento

Marcelo veta despenalização da eutanásia. Projeto de lei volta para o Parlamento
TIAGO PETINGA

Presidente da República volta a mandar para trás o projeto de lei sobre a despenalização da morte medicamente assistida. Marcelo quer que o Parlamento clarifique “dois pontos” sobre quem decide que uma pessoa não está capacitada para recorrer ao suicídio assistido (e deve partir para a eutanásia) e quem supervisiona o suicídio assistido. “Em matéria desta sensibilidade não podem resultar dúvidas na sua aplicação”, escreve. É a quarta vez que diploma bate na trave, mas desta vez Assembleia pode reconfirmar a votação

O Presidente da República devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, o projeto de lei que despenaliza a morte medicamente assistida. Aprovado pela quarta vez no final do mês passado, Marcelo Rebelo de Sousa poderia promulgar, enviar para os juízes do Tribunal Constitucional para fiscalização da constitucionalidade ou vetar politicamente. Optou pela terceira opção, devolvendo agora o diploma aos deputados para que clarifiquem “dois pontos”. Em causa está a dúvida sobre quem é que supervisiona o suicídio e quem é que atesta que uma pessoa não está capacitada para recorrer a essa opção, devendo então avançar para a eutanásia. “Solução não é comparável com a experiência de outras jurisdições”, alerta Marcelo.

“O Presidente da República decidiu devolver à Assembleia da República, sem promulgação, o Decreto n.º 43/XV, sobre a morte medicamente assistida. Com efeito, o Presidente debruça-se, apenas, sobre o aditamento introduzido nesta nova versão, que vem considerar que o doente não pode escolher entre suicídio assistido e eutanásia, pois passa a só poder recorrer à eutanásia quando estiver fisicamente impedido de praticar o suicídio assistido”, começa por escrever o Presidente da República numa nota da Presidência.

As dúvidas de Marcelo estão por isso relacionadas com a alteração de última hora feita pelos deputados ao diploma, introduzindo uma diferença entre suicídio assistido e morte medicamente assistida. “Importa clarificar quem reconhece e atesta tal impossibilidade”, diz o Presidente, referindo-se ao facto de ser preciso alguém atestar a impossibilidade de uma pessoa recorrer ao suicídio assistido para, dessa forma, avançar com a eutanásia. Mais: Marcelo quer também que se clarifique quem é que supervisiona o suicídio assistido.

“Convém clarificar quem deve supervisionar o suicídio assistido. Isto é, qual o médico que deve intervir numa e noutra situação. Como sempre referiu, o Presidente da República entende que em matéria desta sensibilidade não podem resultar dúvidas na sua aplicação, pelo que solicitou à Assembleia da República que clarificasse estes dois pontos, tanto mais que se trata de uma solução não comparável com a experiência de outras jurisdições”, escreve. Perante o veto, o Parlamento pode atender às dúvidas do Presidente e reconfirmar a votação, o que fará com que o diploma seja finalmente promulgado.

Deputados podem contornar chumbo

Numa carta enviada ao Parlamento a devolver o diploma, Marcela detalha o pedido de clarificação: “Concretamente, solicito à Assembleia da República que pondere clarificar quem define a incapacidade física do doente para autoadministrar os fármacos letais, bem como quem deve assegurar a supervisão médica durante o ato de morte medicamente assistida”.

Marcelo Rebelo de Sousa argumenta ainda que "numa matéria desta sensibilidade e face ao brevíssimo debate parlamentar sobre as duas últimas alterações, afigura-se prudente que toda a dilucidação conceptual seja acautelada, até pelo passo dado e o seu caráter largamente original no direito comparado".

Este é o quarto decreto aprovado pelo parlamento para que a morte medicamente assistida deixe de ser punível em determinadas condições. Propõe-se que possa ocorrer legalmente "por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".

Quando surgiram as primeiras iniciativas legislativas sobre esta matéria, Marcelo Rebelo de Sousa, católico praticante, defendeu um longo e amplo debate público, mas colocou-se de fora da discussão, remetendo o seu papel para o fim do processo legislativo parlamentar.

Ao receber o primeiro decreto do parlamento sobre esta matéria, enviou-o para o Tribunal Constitucional, que o declarou inconstitucional em março de 2021, por insuficiente densificação normativa. Em novembro de 2021, perante o segundo decreto, o chefe de Estado usou o veto político, por considerar que continha expressões contraditórias. Já na atual legislatura, ao receber o terceiro decreto do parlamento, enviou-o para o Tribunal Constitucional, que o declarou inconstitucional, em 30 de janeiro. Agora, optou pelo veto político - sendo esse mais fácil de contornar pela Assembleia da República.

A regra, escrita na Constituição, é que após o veto, os partidos podem confirmar a votação do diploma e, se voltar a haver a maioria dos votos a favor, então o Presidente é obrigado a “promulgar o diploma no prazo de oito dias” a contar do dia em que o receber em Belém. Se assim for, Marcelo será mesmo obrigado a promulgar o diploma, com ou sem as clarificações atendidas.

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