No debate para discutir e votar a lei sobre a morte medicamente assistida, os partidos proponentes - PS, IL, BE e PAN - voltaram esta sexta-feira a admitir no Parlamento que preferiam a versão anterior do texto, mas acreditam que há razões para o Presidente da República promulgar, desta vez, o diploma. Já o PSD e o Chega insistiram na realização de um referendo.
“Faz todo o sentido antecipar a exigência implícita e nova no acórdão”, começou por afirmar a socialista Isabel Moreira, justificando o facto de os quatro partidos terem dado primazia ao suicídio assistido face à eutanásia e não se limitarem a responder no novo texto às dúvidas levantadas pelos juízes do Tribunal Constitucional (TC) sobre o conceito de sofrimento.
Afirmando que o debate sobre a morte medicamente assistida já se prolonga há uma década em Portugal, a deputada do PS defendeu o “diálogo de construção” que nenhum outro diploma já teve, acreditando por isso que o país está perto agora de chegar a “bom porto” em relação a esta matéria. “Acreditamos que estão criadas condições de conforto para uma promulgação pelo Presidente da República”, sustentou.
Esta é uma lei, vincou, “profundamente societária”, “escrutinada” e “legitimada”, e o país precisa de ver em vigor a vontade expressa no Parlamento, com a maioria parlamentar. “Precisamos de paz e de pôr fim à perseguição penal”, reforçou.
Pelo BE, Catarina Martins também defendeu que o novo texto visou antecipar as “preocupações” expressas pelos juízes nas declarações de voto, dando assim “precedência” do suicídio assistido face à eutanásia. “O Parlamento correspondeu plenamente às derradeiras exigências do TC”, salientou a coordenadora do Bloco, acrescentando que a lei deverá ser promulgada por Belém, abrindo “espaço de tolerância” na sociedade portuguesa.
“Ainda mais do que antes, hoje é patente que o país encara esta decisão como reforço da tolerância contra a prepotência”, disse Catarina Martins, citando o ex-coordenador do BE, João Semedo.
A deputada liberal Patrícia Gilvaz considerou, por sua vez, que é chegada a hora de pôr de lado as opiniões pessoais e “dar liberdade” aos portugueses sobre o fim de vida. É a liberdade individual, advogou, que deve imperar, e não a “moral coletiva” do Estado. “'O direito à vida não se pode transformar numa obrigação de viver. Impor o dever de viver que não existe seria condenar a existência humana contra a agonia”, observou.
Da mesma forma, a deputada única do PAN reconheceu que é fundamental garantir “dignidade” no fim da vida e dar liberdade de escolha aos doentes face a um “sofrimento irreversível" e “intolerável”. “A dignidade humana deve ser respeitada em todas as fases da vida e o fim de vida não é, nem pode ser, exceção”, frisou.
”Se esta é a solução que desejaríamos alcançar? Não, mas numa democracia devemos respeitar e saber interpretar o crivo do TC", alegou ainda Inês de Sousa Real, saindo em defesa de uma lei “justa” que trará “mais empatia”.
Rui Tavares destacou, por sua vez, a “seriedade” com que o debate sobre a eutanásia foi feito ao longo de uma década e saiu também em defesa da liberdade de escolha no final de vida. “Esta é a nossa opinião, respeitamos quem tem opinião contrária”, afirmou o deputado do Livre.
PSD e Chega defendem referendo
Já o PSD lamentou que a nova versão da lei tenha sido enviada aos grupos parlamentares “tardiamente”, uma vez que não deu tempo “suficiente” para o partido analisar “alterações substanciais”. A deputada Paula Cardoso criticou ainda aquilo que considera ser a “crueldade” do novo texto, ao prever que quando o doente “não se conseguir matar sozinho” pode recorrer à morte medicamente assistida. “Isto numa assustadora sociedade, onde cada vez há mais idosos a viver com pouca saúde, que não cuida dos idosos como mereciam, quem precisa de uma consulta ou cirurgia urgente”, apontou.
Por isso, a deputada social-democrata voltou a sair em defesa da realização de um referendo, considerando que é preciso “dar voz aos portugueses” sobre esta matéria. “Fomos eliminados na secretaria, mas quem ficou prejudicado foi o povo português. Se ainda for oportuno, se os que apelam ao referendo não voltam a dar a mão ao PS, na próxima sessão legislativa, iremos propor, de novo, que esta matéria seja sujeita a referendo”, atirou Paula Cardoso, referindo-se ao facto de o pedido de referendo apresentado pelo partido, em dezembro, ter sido inviabilizado pelo Chega.
Nesta altura, André Ventura pediu a palavra em “defesa da honra”, negando qualquer jogada de bastidores com o PS e lembrando que o Chega já tinha proposto a realização de uma consulta popular sobre a eutanásia na legislatura. O Chega não fez isso, respondeu, "ao contrário do conluio entre PS e PSD para acabar com os debates quinzenais”.
Criticando a “obsessão da esquerda e extrema-esquerda" para a aprovação da eutanásia, Ventura disse não antever “nada de bom” para o país, onde “não existem cuidados paliativos, tratamentos e camas” para os mais velhos ou mais novos. A solução encontrada pelo PS, considerou, é um “absurdo” e “choca” com o Código Penal português ao incitar ao suicídio. “O TC e o PR não podem deixar de levantar novas e sustentadas dúvidas sobre o diploma, que é a maior trapalhada jurídica apresentada pelo PS”, advogou.
E deixou ainda um repto: “Se estão tão convencidos que há consenso e que vencem, vamos a referendo perguntar aos portugueses qual é a sua opinião”.
PCP insiste no reforço do SNS e cuidados paliativos
Pelo PCP, Alma Rivera considerou que a eutanásia exige um debate sério, e não uma decisão “tomada de ânimo leve”, nem uma guerra “de esquerda contra direita, ou quem é religioso ou ateu”. A opção legislativa não deve ignorar as circunstância e consequências sociais, segundo a deputada comunista, que alertou que o Estado “não garante condições materiais” para o cidadão “viver dignamente”.
“A morte deve ser sempre assistida e não antecipada”, disse, apontando para a necessidade do reforço do SNS e da rede universal de cuidados paliativos. “Vivemos num tempo também em que a vida humana é relativizada por critérios económicos, gastos públicos (…) Não podemos ignorar os novos riscos que legalização da eutanásia nos traz”, conclui.
A votação do novo texto será realizada no final do plenário, com a maioria parlamentar a aprovar pela quarta vez no Parlamento a morte medicamente assistida.
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