Depois de muitas críticas, da esquerda à direita, às medidas apresentadas pelo Governo para resolver o problema da Habitação, e à forma como foram apresentadas e colocadas em consulta pública, António Costa foi a um evento do PS para explicar aos próprios socialistas “o mérito e o alcance” das suas medidas. Foi Luísa Salgueiro, presidente da Associação Nacional de Municípios e da concelhia do PS de Matosinhos, que começou por admitir que, “possivelmente, nem todos tinham percebido”, daí a necessidade de primeiro-ministro e ministra da Habitação se desdobrarem em explicações.
Esta terça-feira à noite, António Costa resumiu a explicação a duas ou três ideias-chave, sem em nenhum momento referir a mais polémica das medidas, sobre o arrendamento compulsivo de casas devolutas, deixando antever que não a considera essencial a poderá cair.
A explicação, desta vez, ao contrário do que aconteceu no fim do Conselho de Ministros de dia 16, foi simples e condensada em 20 minutos: primeiro, Portugal tem apenas 2% de oferta pública de habitação, enquanto a média europeia está nos 5%. Logo, é preciso fazer aumentar esse número - e para isso está em marcha a construção de habitação com a chancela do PRR que, contudo, “demora muito tempo” a chegar ao fim, entre concursos e obras. Enquanto isso não acontece, disse Costa, o Estado “tem de trabalhar com os 98% de oferta privada de habitação” para que ninguém tenha casas a mais, desabitadas, e não as ponha no mercado. “Temos de ter soluções transitórias enquanto se constroem as soluções definitivas”, disse.
Nesse sentido, explicou o primeiro-ministro, o pacote legislativo centra-se em dois eixos: proteção das famílias que têm casas compradas ou arrendadas e estão com dificuldades em pagar; e aumentar o número de casas acessíveis para as famílias. No primeiro eixo, António Costa identificou as medidas mais “emblemáticas” para o apoio aos créditos à habitação: o apoio extraordinário na subida da taxa de juro para as famílias com rendimentos até ao 6º escalão e com crédito à habitação até 200 mil euros que estejam acima do teste de stress feito aquando da assinatura do contrato; a obrigatoriedade de os bancos oferecerem a possibilidade de taxa fixa e a isenção de mais-valias a quem vender casa para amortizar no crédito próprio ou dos filhos. Para quem tem casas arrendas, Costa elencou as restantes medidas, afirmando ter “consciência de que o mercado tem aumentado o valor das rendas e que, hoje, a taxa de esforço exigida à classe média é muito elevada”.
Nesse âmbito, além do apoio até 200 euros para famílias até ao 6º escalão que tenham uma taxa de esforço superior a 35%, e além do reforço da verba do Porta65 para os mais jovens não ficarem sem apoio “por falta de verba”, António Costa destacou ainda uma medida a que não tinha dado muito destaque em intervenções anteriores: o programa Porta65+, que visa apoiar as famílias que “tiveram quebra de rendimento, por causa de divórcios, doença ou situação de desemprego” de um ano para o outro e que não podem deixar de conseguir arrendar as suas casas.
“Portugal é dos países onde a oferta pública é mais baixa”
O segundo eixo, segundo Costa, é aumentar o número de casas acessíveis para as famílias. Admitindo que “Portugal é dos países da Europa onde a oferta pública de habitação é das mais baixas”, o primeiro-ministro e secretário-geral afirmou que uma grande fatia do PRR foi alocada à habitação para fazer aumentar aquele número, mas enquanto isso não acontece, é preciso encontrar formas transitórias de incentivar brutalmente os proprietários (privados) a pôr as casas no mercado de arrendamento, por um lado, e a pôr a preços acessíveis, por outro.
Nesse sentido, elencou algumas medidas que considera emblemáticas para agir nesse sentido:
1º Redução do IRS sobre rendimentos prediais para arrendamentos de longa duração, redução essa que pode ir de 28% para 5% se o contrato for de 20 anos, e que pode chegar aos 0% se o arrendamento for em regime de renda acessível;
2º Isenção fiscal a quem coloque as casas em regime de arrendamento acessível;
3º Isenção de IRS sobre rendimentos prediais a quem passar o Alojamento Local para o arrendamento tradicional;
4º “Quem tem casas vazias e não as coloca no mercado por receio de que o inquilino estrague ou deixe de pagar, propomos que sejamos nós, o Estado, ou o município financiado pelo Estado, a arrendar as casas para subarrendar em regime de renda acessível. Nós suportamos a diferença”, disse Costa, pondo o enfoque na proteção dos senhorios e referindo ainda que, em último nível, quem não quiser arrendar nem aos inquilinos nem ao Estado, pode ainda vender a casa ao Estado com isenção fiscal.
António Costa não referiu em nenhum momento a polémica medida do arrendamento coerciso de casas devolutas que originou as maiores críticas da oposição, por introduzir o caráter obrigatório do arrendamento de casas devolutas, o que poderá ser sinal de que a medida pode não seguir caminho. Em todo o caso, e perante uma plateia de socialistas em Matosinhos, o secretário-geral e primeiro-ministro voltou a dizer que o desenho final das propostas ainda pode sofrer alterações até ao dia 16 de março, altura em que os apoios às famílias serão aprovados em Conselho de Ministros e as propostas legislativas seguirão para a Assembleia da República.
“São estes os dois grandes objetivos e as medidas fundamentais. O programa está em debate público e estamos aqui para o debater, e responder às questoes e dúvidas que tenham. Vamos tomar nota das críticas e das propostas que tenham a fazer, de forma a que possamos aprovar um programa que funcione efetivamente para cumprir estes objetivos”, disse a terminar a intervenção.
Professores à porta
Lá fora tinham deixado para trás uma manifestação de professores. Segundo agência Lusa, mais de 50 professores do distrito do Porto concentraram-se em frente ao Teatro Municipal Constantino Nery, onde o primeiro-ministro, António Costa, participa num debate sobre habitação, e exigem "ser ouvidos".
"O Governo já disse que nos ouve, só que de ouvir a ir para a mesa de negociações, negociar, vai uma grande diferença", salientou Vladimiro Campos, professor há 22 anos, atualmente colocado no agrupamento de Escolas do Cerco do Porto.
No local, o secretário-geral adjunto do PS, João Torres, tentou, em representação do partido, acalmar os docentes.