Política

TC volta a chumbar eutanásia: há uma “intolerável indefinição” sobre o conceito de sofrimento

TC volta a chumbar eutanásia: há uma “intolerável indefinição” sobre o conceito de sofrimento

Juízes do Palácio Ratton pronunciaram-se contra a despenalização da eutanásia, mas apenas por um voto. Presidente da República vai devolver a lei ao Parlamento

O Tribunal Constitucional (TC) considerou inconstitucional o decreto que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível por lei e o Presidente da República anunciou, quase de imediato, que vai devolver a lei ao Parlamento. Os juízes consideraram por maioria - sete contra seis - que o legislador fez um esforço de clarificação, mas optou por ir mais além noutros aspectos do diploma, o que fez com que o TC tivesse de proceder a nova fiscalização e, neste processo, “o legislador fez nascer a dúvida”, nomeadamente sobre o sofrimento, como explicou o presidente do TC, João Pedro Caupers.

Caupers invocou uma “intolerável indefinição” sobre o conceito de sofrimento no âmbito do procedimento da morte medicamente assistida. “O plenário do TC decidiu hoje por maioria pronunciar-se pela inconstitucionalidade de algumas das normas [da lei da morte da medicamente assistida]”, declarou o presidente do TC.

Admitindo que a expectativa dos juízes do Palácio Ratton era que a nova versão da lei tivesse tido em conta as alterações “insinuadas” pelo TC no seu primeiro acórdão sobre este assunto Caupers admitiu que apesar dos esforços de “clarificação” e “densificação” de conceitos, a AR foi “mais além”, alterando "aspetos essencias" da versão anterior. Impõe-se a dúvida de perceber se a exigência de sofrimento físico, psicológico ou espiritual é “cumulativa” ou "alternativa", frisou.

Segundo o presidente do TC, há alternativas interpretativas “possíveis” e “plausíveis” derivadas dessa dúvida que conduzem a “resultados práticos antagónicos”.

Mais: Caupers alertou “se é possível garantir o acesso a todas as pessoas que em consequência de uma das mencionadas situações clínicas sofram intensamente seja qual for a tipologia”. E deu um exemplo: interessa perceber "se um doente a quem tenha sido diagnosticado um cancro com prognóstico de esperança média de vida limitado ou um doente com ELA sem sofrimento físico tem ou não acesso à morte medicamente assistida não punível".

O presidente do TC reiterou ainda que as condições em que morte medicamente assistida é legalmente admissível têm que ser “claras”, “antecipáveis” e "controláveis".

Marcelo devolve diploma ao Parlamento

A leitura pública da decisão relativa ao pedido de fiscalização abstrata preventiva requerida pelo Chefe de Estado aconteceu esta segunda-feira depois de ter terminado o prazo de 25 dias para os juízes do Palácio Ratton se pronunciarem sobre o novo texto da eutanásia. Agora, o Presidente da República volta a devolver a lei ao Parlamento, onde o assunto já foi aprovado três vezes.

“Tendo-se o Tribunal Constitucional pronunciado hoje pela inconstitucionalidade de preceitos da nova versão do decreto da Assembleia da República sobre a morte medicamente assistida, o Presidente da República vai devolver, de novo, o diploma à Assembleia da República, sem promulgação”, anunciou quase de imediato a Presidência da República.

O novo texto da eutanásia – que deixou cair o termo “doença fatal”, e passa a exigir uma “lesão definitiva de gravidade extrema” ou “doença grave e incurável”– clarifica os conceitos de “doença grave e incurável”, “lesão definitiva de gravidade extrema” e “sofrimento de grande intensidade”.

O decreto estabelece ainda um prazo mínimo de dois meses desde o início do procedimento até à concretização da morte medicamente assistida, assim como a obrigatoriedade de acompanhamento psicológico, “salvo se o doente o rejeitar expressamente” por escrito.

Segundo o diploma, define-se como morte medicamente assistida a que “ocorre por decisão da própria pessoa, em exercício do seu direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”. A decisão terá que ser tomada por maiores de 18 anos, “cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida”, vinca o texto.

Foi no passado dia 4 de janeiro que o Presidente da República remeteu o diploma para o TC, defendendo a importância de se garantir a “segurança jurídica” e responder às exigências que o próprio tribunal apontou quando apreciou a lei em 2021.

Em declarações feitas por ocasião do envio do pedido ao TC, Marcelo Rebelo de Sousa invocou ainda o facto de as Regiões Autónomas não terem sido ouvidas no âmbito deste processo, após alertas dos presidentes das Assembleias Legislativas da Madeira e dos Açores por terem autonomia na política de saúde. “Quanto ao acesso dos cidadãos aos serviços públicos de Saúde, para a efetiva aplicação desse regime substantivo, o diploma só se refere a estruturas competentes exclusivamente no território do Continente (Serviço Nacional de Saúde, Inspeção-Geral das Atividades de Saúde, Direção-Geral de Saúde), em que não cabem as Regiões Autónomas”, vincava o PR.

O diploma foi aprovado pela terceira vez no Parlamento, no passado dia 9 de dezembro, com os votos a favor da maioria da bancada do PS, IL, BE, de seis deputados do PSD e dos deputados únicos do PAN e Livre. PCP e Chega votaram contra.

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