“Quem está mal habituado é o primeiro-ministro”, o novo “Dono Disto Tudo”, acusa Montenegro
PEDRO SARMENTO COSTA/Lusa
No jantar de Natal do grupo parlamentar, o presidente do PSD lembrou as 12 perguntas a que António Costa ainda não respondeu sobre uma eventual intromissão no Banco de Portugal. E falou na maioria absoluta que tem travado a ida de governantes ao Parlamento: “baldam-se ao esclarecimento”
Latas de conservas, troca de prendas entre líder do partido e líder parlamentar e ataques ao Governo. No jantar de Natal do grupo parlamentar do PSD, Luís Montenegro voltou a falar no empobrecimento do país como a grande marca da governação socialista e questionou-se sobre as razões por que o primeiro-ministro ainda não respondeu às “12 perguntas diretas” que o grupo parlamentar do PSD lhe dirigiu sobre uma “eventual intromissão no funcionamento do Banco de Portugal”. Numa intervenção de pouco mais de meia hora, o presidente social-democrata referiu-se esta quarta-feira à entrevista da semana passada de António Costa à revista “Visão”. “Foi a confirmação em revista do teatro parlamentar”, atirou.
Servindo-se da frase que fez capa na “Visão” – “Vão ser quatro anos, habituem-se!” –, Montenegro lembrou que o primeiro-ministro estava apenas a dizer “o óbvio”. “Ou será que está a dizer às pessoas: o país está a empobrecer, habituem-se?”, indagou. “Mas nós não queremos esse hábito”, sublinhou, acrescentando que “quem está mal habituado é o primeiro-ministro”, que, prosseguiu, se julga “uma espécie de Dono Disto Tudo”. E deixou um recado: Costa “vai ter de se habituar à nossa oposição cada vez mais enérgica”.
Na intervenção feita no Refeitório dos Frades, na Assembleia da República, o líder do PSD demorou-se nas diferentes formas de empobrecimento – para lá da “estatística aterradora” que coloca o número de pobres a ultrapassar os 4 milhões se descontados os apoios sociais. “O país também fica mais pobre quando a democracia funciona mal”, disse, exemplificando com os “mais de 20 membros do Governo que a maioria absoluta do PS impediu que viessem aqui prestar esclarecimentos”. Isto, referiu, “em pouco mais de três meses de trabalho político e legislativo”. Mas “não é de admirar porque o exemplo vem de cima”: “o primeiro-ministro não gosta de responder a perguntas, gosta de apoucar os adversários, de ter atitudes ligeiras, como na entrevista da última semana”, acusou.
Recuperando os anos em que foi líder parlamentar na coligação governativa PSD-CDS, Montenegro garantiu que “foram mesmo muito poucas as vezes” em que os deputados votaram contra a ida de governantes ao Parlamento prestar esclarecimentos. “Éramos os primeiros a votar a favor e, às vezes, a propor”, assegurou, antes de contrapor: “Agora não, agora baldam-se ao esclarecimento.” Para o líder social-democrata, o problema é “político”, insistindo na resposta às perguntas que “há um mês o primeiro-ministro não dá ao país”. “Eu quero perguntar-lhe porquê. Está na hora de responder”, desafiou. Mas este é “o padrão deste Governo”, com laivos de “arrogância” e “soberba” e “esta pose majestática, imperial de quem tem a maioria” – uma maioria que, “em bom rigor”, este primeiro-ministro “não queria ter”. Assim, sempre “tinha uma desculpa”, afiançou, uma vez que “ter maioria e ter de responder por ela é uma chatice”. Por isso, Costa “tenta fugir”, avaliou Montenegro.
O presidente social-democrata também lançou farpas “àqueles que se entretêm, do alto da sua cátedra”, a criticar a sua liderança. “A esses dizemos de forma muito direta: sabemos o que estamos a fazer”, sintetizou. E falou dessa “bela acusação”, dirigida ao partido, de que a direção nacional está muito ligada à direção do grupo parlamentar (mas esta não necessariamente muito ligada aos deputados). Montenegro confirmou-o: “Estamos muito entrosados e queremos que isso se espalhe. Todos temos o mesmo objetivo: combater o Governo socialista.” E até fixou a meta de passar dos atuais 77 deputados para “pelo menos 117” nas próximas eleições legislativas, ou seja, conquistar uma maioria absoluta social-democrata. Até lá, a maioria absoluta do PS não deve intimidar os deputados do PSD, que devem, aliás, mostrar ter “nervos de aço” para “enfrentar um poder que se julga acima do escrutínio” e que “pode, às vezes, ser intimidatório e desincentivador”.
Para o líder da bancada parlamentar, que tem sido criticado, em surdina, por alguns deputados do PSD, só guardou elogios. A “missão” de Joaquim Miranda Sarmento é “difícil”, uma vez que lidera um conjunto de deputados com as suas “vontades, contributos, interesses – no bom sentido político do termo –, legitimidades”. E ainda para mais, disse, o líder parlamentar é “um deputado que exerce estas funções pela primeira vez”. Em resumo, tem tido um “desempenho excecional”, “é aquele que queremos”. “Não estamos no Parlamento para o teatro parlamentar que outros privilegiam. Estamos com seriedade para expor, denunciar, escrutinar os erros, omissões e incompetências do Governo”, resumiu.
Todos os comensais receberam duas latas de conservas, uma de atum e outra de sardinhas (com prazos de validade a terminar no final de 2026, ano de legislativas, e 2027), juntamente com um cartão assinado pelo líder parlamentar. Miranda Sarmento justificou o gesto “simbólico” como um apoio à indústria conserveira e para ilustrar as “dificuldades” em que muitos portugueses vivem. O líder parlamentar e o líder do partido trocaram prendas: Miranda Sarmento ofereceu uma réplica da chave do Palácio de São Bento a Montenegro, este retribuiu com suportes para livros. E, no final, houve uma curta atuação de um grupo de cante alentejano.
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