“Espero bem que o Ministério Público possa ler os capítulos do livro sobre o caso Banif. (…) Sendo Portugal um Estado de Direito, tenho a convicção de que não pode deixar de abrir uma investigação criminal”, afirmou Luis Marques Mendes, esta terça-feira, na Fundação Gulbenkian, ao apresentar o livro “O Governador”, do jornalista Luis Rosa, sobre "os 10 anos mais críticos da história recente do país.
Depois de rasgados elogios ao autor da obra e de uma acérrima defesa do ex-Governador do Banco de Portugal, que diz ter vivido “um mandato inédito” além de ter sido “vítima de situações verdadeiramente atípicas”, entre elas “um mesquinho ajuste de contas do parte do ex-ministro (das Finanças) Mário Centeno”, Marques Mendes associa a resolução do Banif a “um caso típico de abuso de poder e de claro favorecimento”.
Em causa, afirmou o conselheiro de Estado e comentador da SIC, está o facto de no final de 2015, já com um processo de venda do Banif em curso sob condução do BdP, o Governo de António Costa ter “de forma surpreendente, confidencial e nas costas de toda a gente” ter “informado Bruxelas, através de carta, que o Banco estava em processo de resolução”.
“O Banco de Portugal, entidade a quem cabe decidir a resolução de um banco, ainda não tinha tomado qualquer decisão nesse sentido, mas já entidades e pessoas em Bruxelas afirmavam abertamente (…) quem devia ser o comprador, sem concurso" e “com nome devidamente explicitado”, acusou o apresentador da polémica obra, que já motivou um anúncio de processo do primeiro-ministro ao ex-Governador.
Sem referir nomes, Mendes defendeu que “os três principais intervenientes na história, devidamente identificados no livro (Centeno e Constâncio são dois deles) devem explicações às autoridades e ao país”.
Intervir no BdP “é tão grave quanto intervir numa investigação criminal”
Sobre o caso até agora mais mediático em torno do livro - a alegada intervenção de António Costa junto do ex-Governador, pressionando-o para que Isabel dos Santos, que ía ser afastada do BPI, não fosse simultaneamente afastada do BIC - Mendes disse que “convém recordar que uma eventual intromissão do poder político numa questão desta natureza é tão grave, ilegítima e abusiva quanto uma intervenção numa investigação criminal”.
“O país aguarda explicações”, afirmou, horas depois do Observador ter noticiado que o primeiro-ministro, que desmentira ter alguma vez dito a Carlos Costa que era preciso poupar a filha “do Presidente de um país amigo”, lhe terá enviado já depois disso um sms a corrigir que apenas terá considerado o afastamento do BIC “inoportuno”.
Para Marques Mendes, “o importante não é conhecer a frase, a conversa ou o contexto. Essencial mesmo é saber se houve ou não houve intervenção junto do BdP”, afirmou. Considerando que os episódios relatados no livro “não são apenas o espelho de um período negro da economia, das finanças e da banca nacional”, mas também explicam “o nosso declínio estratégico enquanto país”.
Assumindo uma acérrima defesa do ex-Governador, Mendes recordou como Carlos Costa teve que lidar com a crise financeira e a resolução de dois bancos, a que somou “a ‘capitis diminutio’ que terá pesado no mandato do Governador por alegadamente ter vivido “sob constante ameaça governativa de destituição do cargo”.
Embora reconhecendo o que quase todos na altura apontaram a Carlos Costa - que enquanto regulador demorou a reagir e que como Governador do banco central foi tardio a afastar Ricardo Salgado - Marques Mendes disse que ele “pode ter sido tardio mas não deixou de o afastar”. E aqui elogiou Pedro Passos Coelho por ter resistido às objeções contra o Governador que também de dentro do PSD “eram grandes”.
Com o foco bem centrado no Partido Socialista, Mendes acusou o PS de nunca ter poupado Carlos Costa “porque as relações de Sócrates a Salgado eram fortes e, na altura, Sócrates ainda tinha grande trânsito político e de interesses dentro do partido”. Por último, no que poderá ser uma causa política, se se vier a confirmar a sua candidatura presidencial em 2026, Mendes defendeu que “faltam-nos instituições fortes, dirigentes corajosos, uma cultura de exigência, de verdade e de verdadeiro serviço público” porque “virar definitivamente esta página é o nosso grande desafio”.
Pedro Passos Coelho, outro putativo candidato presidencial, também marcou presença no evento. Quanto a Francisco Assis, o socialista que tinha aceite apresentar o livro em parceria com Mendes, perante a polémica e o fogo cruzado de ameaças de processos judiciais, acabou por desistir.
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