Desde que foram conhecidos os primeiros resultados do programa de apoio às Artes que as plataformas que reúnem as estruturas que representam os artistas acusam a DGArtes de injustiça na distribuição do orçamento entre as candidaturas. Pedro Adão e Silva, responsável para Cultura, defende uma perspectiva completamente diferente
Os resultados provisórios no programa de apoio sustentado às artes, que começaram a ser anunciados no princípio do mês, geraram descontentamento junto de várias estruturas do sector. As acusações passam por disparidade, injustiça e iniquidade na forma como os apoios foram atribuídos pelos júris da Direcção Geral das Artes, e pela desproporcionalidade entre as verbas atribuídas nas modalidades quadrienais e nas bienais. A Plataforma riZoma, entidade ligada à prática musical, a Plateia - Profissionais de Artes Cénicas, a REDE - Associação de Estruturas para Dança Contemporânea e a Acção Corporativista já o fizeram notar em diferentes comunicados, e até num abaixo assinado, lançado no dia 8 à noite. O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, faz uma leitura totalmente distinta, conforme explicou ao Expresso e defendeu na audição parlamentar na qual se discutiu, ao longo da manhã do dia 9, o orçamento para esta área.
Quando do início do processo de candidaturas ao Programa de Apoio Sustentando, em maio de 2022, existia um orçamento de 69 milhões. Com o concurso a decorrer, o ministro anunciou um aumento de 79 milhões, o que resultou num crescimento orçamental de 114 por cento. Em cinco concursos (ainda não se sabe os resultados na área do Teatro) foram admitidas com pontuação positiva 99 candidaturas na modalidade quadrienal, e destas 86 estão propostas para apoio.
No apoio bienal, das 149 admitidas apenas 52 o vão receber. Ou seja, ficaram 79 estruturas de fora das que concorreram aos apoios a dois anos, e apenas 11 nas que concorreram aos quatro anos. Onde muitos vêem uma razia, o ministro da Cultura vê o seu contrário, vê mais dinheiro no total, para cada entidade, mais dinheiro para um maior número de entidades, e uma renovação do tecido artístico (“das 138 entidades apoiadas, 42 são novas entidades”). No seu entender não há desproporcionalidade no reforço da verba. Há um modelo diferente, com novas regras que, segundo o afirma, foram claramente “comunicadas nos avisos feitos pela DGArtes”.
Descontentamento imediato
O desconforto face aos resultados fez-se sentir assim que os primeiros resultados foram conhecidos. A plataforma riZoma enviou uma carta ao ministro e à direcção da DGArtes, subscrita por 32 entidades, na qual foi apontada “uma manifesta injustiça infligida às estruturas que concorrem aos apoios bienais”. A REDE emitiu um comunicado em que diz que os resultados “em vez de beneficiarem novas estruturas, descontinuaram o apoio sustentado a cinco estruturas até agora apoiadas, entre as quais a Companhia Clara Andermatt, o Ballet Contemporâneo do Norte e a Kale – Armazém 22, assim como deixaram de fora sete estruturas elegíveis, entre as quais Agência 25, Pensamento Avulso, Produções Independentes e Associação Quorum Cultural.
No entender desta estrutura, esta realidade contradiz “aquilo que a DGARTES e o Ministério da Cultura anunciaram e defenderam nas suas últimas intervenções, nomeadamente a quebra histórica com o subfinanciamento para as artes no país. Mas parece ainda mais gritante na área da Dança quando observamos a disparidade entre o valor atribuído aos bienais nesta área face ao número de candidatos e face às outras áreas artísticas cujos resultados foram divulgados em simultâneo.” A Rede questiona, por isso, a razão pela qual a Dança é a área artística com menor dotação orçamental da DGArtes "apesar do seu crescimento exponencial".
A Plateia também considerou que os resultados destes concursos na modalidade bienal “comprometem o desenvolvimento de estruturas artísticas menos consolidadas e mais precárias”, e a Ação Corporativista lançou um abaixo, no dia 8 à noite, que dirige directamente ao ministro Pedro Adão e Silva, com este texto: “Perante os danosos resultados do concurso do Programa de Apoio Sustentado 2023/2026, exigimos que o Estado reforce o orçamento de modo a corrigir a grave e injusta disparidade entre a percentagem de candidaturas propostas para apoio nas modalidades Bienal e Quadrienal” e um comunicado, na manhã do dia 9: “A 26 de setembro, anunciava Pedro Adão e Silva, Ministro da Cultura, um reforço de 114% face ao período anterior, para um total de 148 milhões de euros para os apoios sustentados às artes para 2023-2026. A notícia, à primeira vista extraordinária, reconhecemos, ocultava um embuste: num concurso para as várias áreas artísticas que podem candidatar-se a um programa de 4, ou de 2 anos, este aumento foi aplicado de forma discriminatória, apenas a quem se candidatou à modalidade quadrienal. Disse, então, que era uma decisão que respondia a ‘um grande movimento de candidaturas de bienais para quadrienais’. Sendo que o prazo de candidatura já tinha fechado, e que já sabia que havia um total de 361 candidaturas elegíveis, como declarou na altura.”
O ministro diz que os avisos pela DGArtes foram feitos e que as candidaturas migraram, esclarecendo que este concurso tinha três novas regras: “Em primeiro lugar, as entidades irão receber o valor ao qual se candidatam. Têm possibilidade de se auto posicionarem, e muitas fizeram-no em ‘plafonds’ muito superiores ao que concorreram no passado. Em segundo lugar, a possibilidade de concorrer ao plafond foi associada ao número de contratos de promessa de trabalho celebrados por cada estrutura. E, em terceiro lugar, o que é muito importante, e ajuda a explicar o reforço dos quadrienais, este concurso prevê a renovação automática no fim dos quadrienais, para os que tiverem uma avaliação positiva, com regras a definir no futuro.” A conjugação destas três novas disposições explica, no entender de Pedro Adão e Silva, a migração de várias entidades da modalidade bienal para a quadrienal, que assim concorreram pela primeira vez nesta última modalidade. Há candidatos, porém, que dizem desconhecer esta hipótese e já o tornaram público.
Mais de 40 candidaturas que nunca tinham sido apoiadas
Para o ministro, “os apoios chamam-se sustentados, pelo que temos de privilegiar aqueles que criam emprego sustentável no sector, que têm um histórico e ao mesmo tempo criar espaço para a renovação, a inovação, e a mudança. Eu não sei porque é que o júri pontuou assim, mas o resultado que tivemos foi este. Temos uma consolidação das estruturas que eram apoiadas e que cresceram, e que criaram mais emprego, e emprego com contrato sem termo. Mas, ao mesmo tempo, temos espaço para a mudança e para novas candidaturas, ao ter 42 candidaturas que nunca tinham sido apoiadas antes. Se o reforço não fosse nos quadrienais teríamos entidades que contrataram muitas pessoas, que já eram apoiadas antes no bienal, que cairiam para fora do sistema.”
A Ação Corporativista tem outra perspetiva: “As estruturas com apoio bienal ao verem o seu projeto recusado vão ter de reformular a sua atividade e a sua execução orçamental. Para dar continuidade ao seu trabalho, com um orçamento muito mais curto, irão ter de prescindir dos vínculos laborais permanentes (profissionais da área de produção, direção artística), contribuindo assim para a precarização do setor. No comunicado desta entidade, que o ministro considera “uma página de internet”, faz-se outro tipo de contas: “O reforço anunciado pelo Ministério da Cultura, em setembro, a cada área, e comparando com os resultados conhecidos por área, verificamos que nos Cruzamentos (Bienal) ficaram por atribuir 360 mil euros, na Música (Bienal) ficaram por executar 960 mil euros e na Programação (Bienal) ficaram por executar 360 mil euros. Em alguns destes casos, é ainda mais grave porque foram excluídos do apoio estruturas com pontuação elegível e havendo ainda orçamento para as incluir, como é o caso da Programação (Bienal).”
No balanço de Pedro Adão e Silva existem “mais entidades apoiadas do que no ciclo anterior, em média cada uma delas recebe mais do que no ciclo anterior, quer no bienal quer no quadrienal, e finalmente, uma parte importante destas entidades vão receber pela primeira vez apoios a quatro anos.” Questionado sobre o futuro, o ministro respondeu que as entidades que não foram apoiadas nas modalidades quadrienais ou bienais podem agora ir a concurso na área de projectos (apoios pontuais), que “vão ser reforçados”. Os resultados no teatro devem ser conhecidos, segundo o responsável, nas próximas semanas.
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