Audições em Belém: Partidos criticam Marcelo e proposta de Orçamento; PS defende ambos
ANTÓNIO COTRIM
Presidente ouviu esta quarta-feira os partidos sobre Orçamento do Estado. Mas a revisão da lei das incompatibilidades e a polémica sobre as declarações de Marcelo relativas a abuso de menores também estão na ordem do dia Chega regista justificação de Marcelo sobre abusos sexuais “como boa”; IL considera explicações públicas “insuficientes”
O Presidente da República ouviu esta quarta-feira os partidos com assento parlamentar. As audiências, que começaram com o Livre e terminaram com o PS, foram convocadas como é habitual entre a entrega do Orçamento do Estado e o seu debate parlamentar. Mas além do Orçamento para 2023, a lei das incompatibilidades e as polémicas declarações de Marcelo sobre abusos de menores por membros da Igreja Católica passaram pelas declarações em Belém.
PS elogia proposta de Orçamento e segue Costa na defesa de Marcelo
Sem surpresa, o PS é o único partido a sair da audiência com Marcelo Rebelo de Sousa a defender a proposta de Orçamento do Estado. Foi também o último a falar com o chefe de Estado (os encontros terminaram por volta das 18h) e quem falou, à saída, foi o presidente do partido, Carlos César.
César lamentou que a oposição tenha “dificuldade em conjugar o verbo concordar” e que por isso insista nas críticas ao documento. No essencial, elogiou o acordo de rendimentos conseguido pelo Governo com os parceiros sociais, que “mostra a humildade de um Governo com maioria absoluta” e congratulou uma proposta de OE que “tem sido bem aceite pelos destinatários finais, as pessoas, os representantes do patronato, as empresas” e colhido a “compreensão de um conjunto de analistas” em relação à sua “racionalidade e equilíbrio”
Mas houve mais dois temas em cima da mesa dos encontros desta quarta-feira, com o das declarações do Presidente da República à cabeça. Tal como tinha feito António Costa à tarde, e ao contrário da maioria dos partidos, Carlos César defende Marcelo: “transmitimos solidariedade face às opiniões negativas que têm sido feitas sobre as declarações” do chefe de Estado. “Não nos passaria pela cabeça, nem alguma vez isso podia ser atribuído ao Presidente da República, qualquer intenção da sua parte de desvalorizar a gravidade dos crimes que em causa.”
Quanto ao pedido de Marcelo para que a Assembleia da República reaprecie a lei das incompatibilidades, depois dos casos suspeitos levantados dentro do Governo, Carlos César diz que o PS não encontra “qualquer dúvida que aponte para a ilegalidade” desses casos. O PS está disponível para avaliar, mas a “legislação é recente e foi aprovada quase por unanimidade”, frisou. Por isso, “não é a nós que compete esclarecer uma dúvida que não temos”.
PSD diz que OE2023 "não tem remendo"
O PSD foi o último partido da oposição a ser ouvido por Marcelo. À saída da audiência, Luís Montenegro confirmou que o partido irá votar contra o Orçamento do Estado para 2023, que não promove o crescimento do país.
“Não temos esperança que este próprio Orçamento possa ter remendo, como nós entendemos que se deve configurar como um instrumento positivo de políticas públicas no próximo ano”, afirmou o líder social-democrata, em declarações aos jornalistas.
Sublinhando que o PSD já anunciou as oito prioridades para o OE2023, antes mesmo da apresentação do documento pelo Governo, Montenegro teceu críticas à previsão de crescimento para o próximo ano. “Tivemos oportunidade de dizer ao PR que rejeitaremos este Orçamento no Parlamento”, reforçou.
Sobre a lei das incompatibilidades, o líder do PSD defendeu a necessidade de se averiguar se os membros do Governo cumpriram ou ou não a lei. “Temos uma lei que está em vigor, temos casos que vieram a público e são conhecidos e temos instituições que devem atuar e apurar se houve ou não violação da lei”, advogou.
Embora admita que qualquer lei merece a devida “ponderação” e/ou “alteração”, Montenegro insistiu que a prioridade deve ser esclarecer os casos que envolvem ministros e secretários de Estado.
Questionado sobre as polémicas declarações do PR sobre os abusos sexuais na Igreja, o líder do PSD admitiu que esse foi também tema da audiênca com Marcelo, mas voltou a recusar comentar o caso. “Tivémos oportunidade de falar sobre temas da atualidade centrados sobretudo no tema do OE, mas não deixamos também de abordar outros temas da esfera pública e esse foi um deles. Mas já fiz considerações hoje, remeto para esse momento”, respondeu.
Perante a insistência dos jornalistas, Montenegro defendeu o caráter "reservado" as audiências em Belém, sublinhando apenas qie importa que fique claro que o PR “não dá explicações” aos partidos, mas transmite apenas as suas posições.
Esta manhã, à margem de uma visita ao Parque do Alentejo de Ciência e Tecnologia, o líder do PSD defendeu que todas as denúncias de abuso sexual “devem ser investigadas até à última consequência, nomeadamente a punição de responsaveis, sejam quem eles forem.”
Chega confirma voto contra OE e aceita justificação de Marcelo sobre casos de abusos
Além do Orçamento do Estado, o Chega levava para a audiência com Marcelo Rebelo de Sousa um pedido de explicações, que aliás já tinha feito na terça-feira, logo após as declarações do Presidente da República sobre os casos de abuso sexual na Igreja. “O Chega fez questão de abordar” o tema, notou André Ventura.
“O Presidente da República explicou o contexto, o seu sentido profundo de que queria transmitir as cifras negras e a ideia de um país (…) onde muitos mais casos deverão existir.” O líder do Chega afirma que, com estas explicações, o partido “registou as palavras como boas e verídicas”. Ainda assim, notou Ventura, “o Presidente não tem feito uma gestão ideal deste caso”.
Ainda sobre a Igreja, e sobre a investigação por suspeitas de encobrimento ao bispo D. José Ornelas, Ventura disse que, a confirmarem-se as suspeitas, “parece evidente que em prol da igreja será bom um afastamento temporário”.
Quanto ao tema do encontro, o Orçamento do Estado, o Chega adiantou que a orientação que vai levar à comissão política e ao grupo parlamentar é a do voto contra. Para André Ventura, o OE baseia-se em “previsões excessivamente otimistas” (numa crítica para a qual Marcelo teve “sensibilidade”, disse Ventura), tanto em termos de inflação quanto de crescimento económico. “O Chega apresentou elementos que nos parecem críticos”, sobretudo “a falta de ajuda a famílias e empresas” e a “incapacidade de fazer alterações fiscais de fundo”.
ANTÓNIO COTRIM
IL garante voto contra o OE e insiste que Marcelo devia “pedir desculpa” a vítimas de abusos sexuais
Depois do Bloco, a Iniciativa Liberal (IL) fez questão também de abordar o tema dos abusos sexuais na Igreja na audiência em Belém. João Cotrim de Figueiredo admitiu que as explicações dadas em público pelo Presidente da República são “insuficientes”, insistindo que as suas declarações foram “lamentáveis” e deve um “pedido de desculpa” às vítimas.
“Sem trair a confidência das conversas, posso dizer que esse foi um dos assuntos e, à semelhança de outras audiências profundas e francas, esta foi também um audiência profunda e franca”, declarou o líder da IL, à saída do encontro com o Chefe de Estado.
Apesar de reconhecer que Marcelo Rebelo de Sousa possa ter sido “mal interpretado”, Cotrim voltou a sair em defesa da posição já assumida ontem pelo partido, que condenou as declarações do PR: "O Presidente mostra estar mais preocupado em ilibar e relativizar a gravidade do comportamento de vários elementos da Igreja Católica".
“Há coisas que no futuro poderão levar a entender melhor as posições que foram tomadas”, acrescentou, recusando desvendar mais o conteúdo da conversa sobre esta matéria.
Em relação ao OE2023, o líder liberal anunciou que o partido irá votar contra o documento “na generalidade e depois previsivelmente também na especialidade”. E voltou a deixar críticas à proposta orçamental do Governo, que não aposta no “crescimento” do país, necessário para atrair investimento e apostar nos serviços públicos. “Na verdade, Portugal vai continuar a divergir com os países com os quais devia estar a competir”, reforçou.
Um documento pouco ambicioso, na perspetiva da IL, que demonstra a "natureza habilidosa" e “enganosa” da governação socialista.
Confrontado sobre a lei das incompatibilidades, Cotrim defendeu que a revisão não deve ser feita à pressa e que até lá “não deve ser feita tábua rasa” da legislação em vigor.
PCP diz que OE falha “respostas necessárias”. A Marcelo, “não costumamos dar orientações”
Na vez do PCP, Jerónimo de Sousa disse que levou “preocupação” ao Presidente da República. Esta proposta de OE “não dá as respostas necessárias sobre o que milhões de portugueses sentem e falam”: o aumento do custo de vida, “a desvalorização dos salários, reformas e pensões”, nem em relação aos diferentes serviços públicos, como o da educação.
O secretário-geral do PCP colocou como tema chave que “a produção nacional se afirme” para combater défices demográficos, tecnológicos e energéticos no país. Mas também aí, para o Partido Comunista, “este Orçamento não dá uma resposta cabal”. “Transmitimos essa preocupação” a Marcelo, contou Jerónimo.
Jerónimo comentou também de forma crítica o acordo de rendimentos alcançado entre o Governo e a concertação social, com um elemento que “inquieta” os comunistas: “as confederações do grande patronato aplaudiram [o acordo], e se aplaudiram, por alguma razão foi”.
Não há surpresa, o PCP vai votar contra o Orçamento? “Certamente reparou no sentido crítico com que introduzi este nosso encontro”, respondeu Jerónimo.
Sobre o tema dos abusos sexuais na Igreja, e em particular as respostas de Marcelo Rebelo de Sousa sobre eles, Jerónimo foi chutando a resposta para canto. “O PCP não costuma dar orientações ao Presidente da República” sobre se este deve um pedido de desculpas às vítimas.
“Consideramos que a matéria é muito sensível e que o tratamento a dar a esse episódio [das declarações de Marcelo] precisam de ser sustentadas e desdramatizadas, sem esquecer a investigação devida”. Embora não dizendo que “não queria classificar as declarações” de Marcelo, Jerónimo admitiu que elas “não correspondem ao posicionamento do partido”.
ANTÓNIO COTRIM
Bloco pede apoio de “todos os órgãos de soberania” às vítimas de abusos sexuais
Apesar de o Chefe de Estado não ter abordado com o PAN e o Livre a questão dos abusos sexuais na Igreja, Catarina Martins fez questão de levar o assunto à audiência em Belém. A coordenadora do BE disse ter tido oportunidade de manifestar “preocupação” face ao elevado número de casos no país e defendeu que todos os órgãos de soberania devem demonstrar “apoio” às vítimas.
“Achamos que a comissão tem feito um bom trabalho e é preciso agradecer a cada uma das vítimas a enorme coragem que teve para denunciar abusos que decorrem tantas vezes, ao longo de anos, e que vitimizaram tantas pessoas”, afirmou Catarina Martins, em declarações aos jornalistas, no final do encontro.
É essencial que “todos os órgãos de soberania tenham uma posição de apoio às vítimas, de valorização dos seus testemunhos, e uma exigência para que haja consequência para o crime de abuso e quem ocultou, o que permitiu que os abusos se prolongassem”, acrescentou, numa crítica indireta à polémica declaração do chefe de Estado.
Questionada sobre se o Presidente da República deve um pedido de desculpas às vítimas, disse apenas que é preciso “justiça” e que estas vítimas “não sejam desvalorizadas”: “O sr. PR faz aquilo que entender.”
Em relação ao OE2023, Catarina Martins explicou que o partido reunirá a sua comissão política, mas apontou para o previsível voto contra o documento: “Ninguém fica espantado que proposta que levarei seja o voto contra”, atirou.
E voltou a criticar a proposta orçamental do Governo, que acusa de promover o “empobrecimento da generalidade" da população e de “continuar a premiar os grandes grupos económicos”, assim como os “processos especulativos na habitação, energia e bens alimentares”.
Sobre a lei das incompatibilidades, Catarina Martins frisou que já existe uma lei sobre esta matéria, mas é preciso que entre em vigor na totalidade, incluindo a criação da Entidade para a Transparência, que ainda não saiu do papel.
PAN fala em “asfixia fiscal” e diz que não vota a favor do OE
Inês Sousa Real foi a segunda líder partidária a reunir com Marcelo Rebelo de Sousa e, à saída, garantiu que, embora tudo em aberto para “análise” da comissão política nacional do partido, o sentido de voto não será “favorável” a esta proposta de Orçamento do Estado.
Sousa Real afirma que “não basta atribuir agora os 125 euros” às pessoas, mas “é fundamental que haja um acompanhamento do mínimo de existência para as famílias neste contexto de crise”, com apoios diretos também para as empresas.
“Não podemos ter um Governo a dar com uma mão às empresas que mais poluem e mais lucram à conta da asfixia fiscal para as pessoas e empresas.” De qualquer forma, promete que o partido não se vai “demitir de apresentar propostas na especialidade”.
Questionada pelos jornalistas sobre se tinha falado com o Presidente da República acerca da intervenção de ontem relativa a abusos de menores, Inês Sousa Real respondeu que isso não foi assunto da reunião, mas reafirmou o entendimento do PAN sobre como este assunto deve ser tratado. “Um caso que fosse era grave, muito grave e repudiável, quanto mais 400! É incompreensível a desvalorização dos abusos sexuais de menores na igreja por parte do Presidente da República”, escreveu a líder do PAN nas redes sociais.
ANTÓNIO COTRIM
Livre pede mais “responsabilidade social” e alerta para consolidação orçamental
Rui Tavares voltou a manifestar-se esta quarta-feira preocupado com a estratégia do Governo no Orçamento do Estado para 2023 e pediu mais “responsabilidade social” face à inflação. À saída da audiência em Belém, o deputado do Livre, primeiro partido a ser recebido em Belém neste dia em que o Presidente da República ouve todos os partidos com assento parlamentar, reafirmou que está aberto a diálogo, mas que se a estratégia do Executivo não mudar, o partido não poderá votar favoravelmente o documento na generalidade.
“O Governo já se enganou no ano passado, todos nos lembramos quando dizia que a inflação era temporária. Se se estiver a enganar também na leitura do ciclo económico e os riscos de recessão se vão avolumando na Europa, travar a fundo em plena curva pode significar o descontrolo do carro”, alertou o deputado do Livre, em declarações aos jornalistas à saída da reunião.
Para Rui Tavares, a estratégia de consolidação orçamental pode ser negativa para o défice e a dívida, lembrando que no passado a mesma estratégia conduziu também a uma recessão: “O PS também dizia que a consolidação orçamental na hora errada é mau, espero que o PS não se esqueça. É preciso acelerar um bocadinho ou, pelo menos, travar um bocadinho na consolidação”, insistiu.
Defendendo mais medidas para “mitigar” os efeitos face à inflação, deputado do Livre apontou para algumas propostas do partido para o OE2023, como a criação de um passe ferroviário nacional, com vista à diminuição das despesas das famílias, ou a criação de uma lista de edifícios, como antigos quartéis ou prisões, que podem ser destinados para o alojamento de estudantes do Ensino Superior.
Questionado sobre a lei das incompatibilidades, cuja revisão o Presidente da República já pediu ao ao Parlamento, Tavares considerou que todos os partidos devem participar nessa reflexão no Parlamento, pedindo que o PS aja como se não tivesse maioria absoluta. “Espero que o PS participe nesse dabete amplo e ouça todos os partidos e que dê espaço aos outros partidos e faça como se não tivesse maioria absoluta, olhando para todas as propostas pelo seu mérito”, conclui.
Já sobre a polémica declaração do chefe de Estado sobre os abusos sexuais na Igreja Católica, o deputado do Livre limitou-se a dizer que nestes casos é preciso, em primeiro lugar, manifestar força e empatia com as vítimas: “A empatia não passou”, observou.
A delegação do Livre incluiu cinco elementos: além de Rui Tavares, marcaram presença na reunião Isabel Mendes Lopes, Tomás Cardoso Pereira, Paulo Muacho e Ana Natário, do Grupo de Contacto (direção) e da Assembleia do partido.
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