Política

Eleições em Itália: Chega festeja, todos os outros partidos mostram preocupação

PS e Bloco aproveitam resultado em Itália para deixarem avisos ao PSD, que devolve as críticas. PCP e Livre estão “inquietos” e liberais mostram preocupação com a vitória de Meloni

“O paradigma político europeu está a mudar” e “novos ventos de mudança chegarão à Europa muito em breve” foi com evidente satisfação que o presidente do Chega, André Ventura, saudou “fortemente” esta segunda-feira o resultado eleitoral em Itália. Logo na noite de domingo, manifestou a sua satisfação por telefone a Giorgia Meloni e a Matteo Salvini, mas esta segunda-feira, Ventura quis anunciar, em conferência de imprensa, a sua confiança de que estes resultados “abrem caminho a que essa mudança aconteça também em Portugal e Espanha nos próximos ciclos eleitorais”.

O presidente do Chega recordou o encontro que manteve no ano passado, em Madrid, com Meloni e Santiago Abascal, líder do Vox, tendo os três dirigentes concordado com “a necessidade imperiosa de quebrar o ciclo do bipartidarismo, que amolece a política”. Para Ventura, este “não é apenas um resultado italiano”, “expressa uma mudança que tem vindo a acontecer em todos os países da Europa”. E convidou os líderes partidários da direita portuguesa a aprenderem com a lição da última noite em Itália: só coligados serão capazes de afastar o PS do poder.

Questionado sobre se a proximidade a Benito Mussolini assumida por Meloni não causa desconforto ao Chega, Ventura disse desconhecer declarações em que a presumível futura primeira-ministra italiana tenha assumido “integralmente” as posições do líder fascista. “Se houver outras declarações, reafetarei a minha posição. Não gosto de falar daquilo que não sei. O que pode estar em causa é um certo recuperar do orgulho italiano de que Mussolini foi um sinal, com muitos crimes e erros cometidos à mistura... Isso não justifica o resto”, começou por dizer. “Penso que Giorgia Meloni se referia a esse orgulho nacional. Nesse aspeto, não me causa desconforto. Se tivesse sido no aspeto de crimes que foram cometidos em Itália, isso já me causaria certamente desconforto”, acrescentou, comprometendo-se a recuperar as declarações de Meloni sobre Mussolini.

Então com 19 anos (desde os 15 que fazia política na Frente da Juventude, organização afeta a partidários do dirigente fascista), Meloni disse: “Eu acredito que Mussolini foi um bom político. Tudo o que ele fez, fez por Itália. Não conseguimos encontrar isso nos políticos que tivemos nos últimos 50 anos.” Nos últimos tempos – e sobretudo com a proximidade das eleições que lhe apontavam a cadeira de primeira-ministra –, Meloni moderou o discurso e evitou repetir as loas a Mussolini.

PSD devolve críticas aos que “normalizaram extrema-esquerda”

O presidente do PSD afirmou que o partido “respeita a manifestação da vontade do povo italiano” nas legislativas de domingo, embora admitindo preocupações, e devolveu as críticas aos que em Portugal o acusam de normalizar o Chega. “É um bocadinho anedótico a deputada Catarina Martins e o deputado Jerónimo de Sousa falarem nesse aspeto e ainda mais anedótico se vier de dirigentes do PS. Se há normalização em termos de presença governativa de partidos da extrema-esquerda do espetro político é a que aconteceu em Portugal em 2015, quando o PS decidiu governar com dois partidos da extrema-esquerda”, afirmou Luís Montenegro, questionado pelos jornalistas, no final de um encontro com associações do ensino superior.

Para o presidente do PSD, “o que deve ser normalizado é o respeito pela vontade das pessoas, o respeito pela vontade dos eleitores”. “A esquerda ainda não percebeu uma coisa e o PS já percebeu, mas faz de propósito: quanto mais ataques desferir desse teor querendo dar uma conceção antissistema a partidos com representação parlamentar, mais valorizam esses partidos”, defendeu. Questionado se o PSD admite uma eventual coligação com o Chega nas próximas legislativas, previstas para 2026, Montenegro respondeu apenas: “Essa questão não tem nenhum tipo de atualidade.”

Ainda sobre as eleições de Itália, Montenegro disse: “Não somos indiferentes aos resultados e às preocupações que encerram no respeito pelos valores europeus que o Partido Popular Europeu vem defendendo ao longo dos anos e nos quais o PSD se identifica”. O presidente do PSD considerou que “ainda é cedo” para avaliar todo o quadro político de Itália, dizendo esperar que os partidos que poderão vir a integrar o Governo em Itália que pertencem ao PPE “possam ser a voz da moderação” nesse executivo.

PS aproveita para avisos ao PSD

Congratulações só mesmo no Chega. Nos restantes partidos, da esquerda aos liberais, a nota sobre o resultado das eleições italianas é de preocupação. E de aproveitamento da ocasião para lançar avisos internos.

O secretário-geral adjunto do PS, João Torres, considerou que o resultado das eleições em Itália demonstra que "quando a direita democrática normaliza a extrema-direita, acaba por ser liderada por esta". Um aviso com o PSD com destinatário, dias depois de ter acusado o PSD de andar a “cortejar um partido de extrema-direita”, numa alusão ao apelo ao voto no vice-presidente da Assembleia da República proposto pelo Chega feito pelo líder da bancada social-democrata, Joaquim Miranda Sarmento.

"Temos hoje, mais do que nunca, de manter a atenção e a vigilância em relação à salvaguarda dos valores democráticos", escreveu o número dois do PS na sua conta na rede social Twitter. "Especialmente num contexto geopolítico marcado pela incerteza e por desafios globais muito exigentes, a diferentes níveis, os resultados de ontem só podem ser encarados com apreensão e preocupação", acrescenta o secretário-geral adjunto dos socialistas.

IL: preocupação e distanciamento

Também a Iniciativa Liberal (IL) aproveita para manifestar preocupação e distanciamento. “Respeitarei sempre as escolhas livres dos povos, porque é disso que se trata em democracia, e manifesto preocupação e manifesto também uma total falta de afinidade com as ideias políticas que saíram vencedoras em Itália”, declarou o líder da IL, João Cotrim Figueiredo, que também destacou que se trata de uma escolha em eleições livre.

Uma eleição livre, e aqui sublinho o livre, uma eleição livre e informada conduziu a um determinado resultado. Respeita-se, é a democracia. Pessoalmente, e enquanto líder de um partido liberal, só posso lamentar que seja aquele tipo de ideias políticas que tenha ganho as eleições, mas não faço mais comentários”, concluiu.

Inquietação no PCP e no Livre

Já para o PCP a perspetiva de um Governo de extrema-direita em Itália "é inquietante" e obriga à intensificação da "luta contra o revisionismo histórico que branqueia e banaliza os crimes do nazifascismo". Em comunicado, a direção comunista sustenta que a ideia de um Governo de extrema-direita em Itália, a terceira maior economia da Zona Euro, "é inquietante e confirma a necessidade de intensificar a luta contra o revisionismo histórico que branqueia e banaliza os crimes do nazifascismo enquanto promove o anticomunismo".

Na perspetiva dos comunistas portugueses, a vitória declarada pela extrema-direita nas eleições legislativas de domingo é consequência da "profunda crise" político-económica e social "em que Itália está mergulhada" por causa da ação de sucessivos executivos que seguiam as orientações de Bruxelas, incluindo o último, liderado por Mario Draghi.

"A ascensão de uma força marginal à mais votada é inseparável da sofisticada mediatização e descarada promoção da figura de Giorgia Meloni e da normalização do Irmãos de Itália, um partido com uma trajetória de cariz fascizante", argumenta o PCP. Ainda "é cedo para avaliar todas as implicações" do resultado das eleições, mas o PCP já encontra "profissões de fé neoliberal e 'atlantista' à medida dos interesses do grande capital" daquele país.

"O PCP confia, porém, em que os trabalhadores e o povo italiano, coerente com as suas tradições democráticas e progressistas, acabarão por derrotar as forças reacionárias e os projetos fascizantes", finaliza a nota divulgada pelo partido.

“Inquietação” é também a expressão usada pelo Livre, que no entanto atribui responsabilidades à esquerda. “O Livre olha com inquietação para os resultados das eleições italianas, reiterando a necessidade em repensar as estratégias das forças democráticas, pela defesa da liberdade, da democracia e da Europa”, lê-se no texto do comunicado deste partido.

“Estes resultados são mais um exemplo, mas talvez o mais importante, de bons resultados da extrema-direita nos últimos tempos, como aconteceu recentemente com a Suécia”, diz a nota, deixando ainda críticas aos partidos de esquerda. “Num sistema político que passou a beneficiar coligações, a esquerda e outras forças progressistas que têm em comum a defesa de um modelo económico inclusivo de combate às desigualdades e às alterações climáticas falharam ao não se aliarem, dividindo votos e favorecendo a direita”, critica o Livre.

“Falência europeia”, diz o Bloco

Por seu lado, a coordenadora do BE, Catarina Martins, considera que a vitória da extrema-direita nas eleições legislativas de Itália demonstra a “falência da política europeia” e o que acontece quando a direita tradicional normaliza a “política do ódio”.

A vitória da coligação liderada pelo partido de extrema-direita Fratelli d'Italia (Irmãos de Itália), de Giorgia Meloni, “mostra a falência da política europeia, prova que quando se cavam as desigualdades se desacredita a democracia, e quando a democracia fica desacreditada o que cresce é a abstenção e o que cresce são os movimentos da política antidemocrática e da política do ódio”, sustentou Catarina Martins, à margem de uma visita a uma residência universitária, em Lisboa.

A dirigente bloquista acrescentou que este “é um bom momento” para Bruxelas “acordar”, uma vez que a ascensão ao poder de mais uma força de extrema-direita “é um sinal claro da sua falência”. Catarina Martins advertiu que não podem continuar as “políticas que põem todas as crises a serem pagas por quem vive do seu trabalho”.

No entanto, apontou outro fator que poderá explicar a vitória de Meloni nas legislativas italianas de domingo: “Quando alguém acha que a direita tradicional ganha alguma coisa a normalizar a extrema-direita, engana-se. O que acontece é que a extrema-direita cresce mais. A direita tradicional transforma-se na extrema-direita racista, xenófoba, homofóbica, machista que estamos a ver. Essa lição tem de ser retirada.”

A líder do BE deixava assim também o aviso ao PSD. A direita tradicional “acha que tem ganhos eleitorais” quando normaliza a extrema-direita, mas na opinião de Catarina Martins o que acontece é uma contaminação desses partidos com os ideais antidemocráticos. Assim, torna-se “cada vez mais difícil” fazer a distinção entre direita e extrema-direita, sustentou.

Notícia atualizada às 20h33 com a reação do PSD.

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