O Ministério das Finanças contratou, por ajuste direto, o ex-diretor de informação da TVI Sérgio Figueiredo para prestar serviços de consultoria e acompanhamento da aplicação das políticas públicas, noticiaram o jornal Público e o Jornal de Negócios. O contrato, de dois anos, prevê uma remuneração equiparada ao vencimento base dos ministros isto é, 4.767 euros (salário bruto). Para o Bloco de Esquerda, a contratação prova o "pagamento de favores" entre os dois "amigos", depois de Fernando Medina ter sido contratado para comentador da TVI quando Sérgio Figueiredo era diretor de informação.
"É exemplo de como o Governo escolhe pagar bem a subserviência e a lealdade política, enquanto rejeita valorizar a competência e a idoneidade na Administração Pública", escreve o líder parlamentar bloquista Pedro Filipe Soares no Twitter, rematando que esta é uma das marcas que prova que o PS "se confunde com o Estado". "As escolhas públicas não podem estar reféns de redes de amigos ou pagamentos de favores", acrescenta ainda, lembrando que Medina vai agora pagar uma avença a um amigo que já lha pagou na TVI.
Também o ex-deputado do PSD Duarte Marques usou o Twitter para acusar Fernando Medina do mesmo: "Alguns mal intencionados ainda vão dizer que Medina deu a mão a Sérgio Figueiredo para agradecer o facto de o Sérgio o ter convidado para comentador bem pago da TVI quando era lá diretor", escreveu com ironia. Na TSF, também o deputado social-democrata Duarte Pacheco criticou a contratação: "Isto evidencia a promiscuidade que existe entre o PS e o Governo e alguns órgãos de comunicação social, que segue a lógica do 'defendem-no hoje e ele trata da sua vida amanhã'".
Para o deputado do PSD, a contratação demonstra ainda que o Governo está mais preocupado com a comunicação do que em resolver os problemas. "Não é de estranhar porque o governo de António Costa só se preocupa com o problema da comunicação, e esta contratação significa isso mesmo: que o governo, mais preocupado do que resolver os problemas e reformar este país, só se preocupa com a comunicação", diz, sublinhando que o ex-jornalista vai para o Governo com poder tal que tem salário equivalente ao do ministro.
Também o deputado Carlos Guimarães Pinto, da IL, já reagiu: "O Governo envia um sinal para os responsáveis dos órgãos de comunicação social. Um sinal de gratidão, é verdade, mas péssimo para a democracia e para a forma como os portugueses olham para a imprensa", escreveu no Twitter.
Mais: Susana Coroado, presidente da organização não-governamental Transparência Internacional (TI) Portugal vê a contratação de Sérgio Figueiredo com “indignação”, considerando que corresponde a “um padrão de patronagem política”. “Por um lado, vemos com indignação, porque há várias dimensões graves nesta nomeação que, na realidade, legalmente, é uma contratação, mas, por outro lado, não nos surpreende porque corresponde a um padrão de patronagem política e de nomeação de amigos e de troca de favores que vem a acontecer há vários anos em Portugal”, disse em declarações à Lusa, por telefone.
“Também não se compreende bem o currículo de Sérgio Figueiredo. Nós, na Transparência Internacional Portugal, estamos curiosos para ver o contrato de prestação de serviços que acreditamos que o Ministério das Finanças vá publicar no portal Base da contratação pública, porque não se compreende bem”, acrescentou a presidente da ONG. Por sua vez, a responsável da TI Portugal acredita que o que está a acontecer é uma retribuição do “favor que Sérgio Figueiredo fez, como diretor da TVI a Fernando Medina, contratando-o como comentador”.
Também João Paulo Batalha, ex-presidente da associação Transparência e Integridade e atual dirigente da Associação Frente Cívica, nota à TSF que a contratação não passa de "uma troca de simpatias" e afasta qualquer possibilidade de escrutínio da capacidade do antigo jornalista para avaliar políticas públicas. "É preciso perceber se as pessoas que estão a ser pagas com dinheiro dos contribuintes têm currículo e competências para fazer o trabalho que lhes está atribuído", considera João Paulo Batalha, defendendo que, a forma como contratação do jornalista foi feita "permite deliberadamente esconder esse currículo, porque se estivesse a ser contratado para assessor do Gabinete do Ministro, o currículo teria de ser publicado e seria interessante perceber como é que o Governo justificaria" a escolha.
Despacho publicado segunda-feira, mas consultor já está em funções desde 29 de julho
Em resposta ao jornal Público, o Ministério das Finanças confirmou que “contratou os serviços de Sérgio Paulo Jacob Figueiredo para prestar serviços de consultoria no desenho, implementação e acompanhamento de políticas públicas, incluindo a auscultação de partes interessadas na economia portuguesa e a avaliação e monitorização dessas mesmas políticas”. O ex-jornalista foi também administrador da Fundação EDP e anuncia-se agora na rede profissional LinkedIn como "consultor de sustentabilidade freelance".
A tarefa que lhe foi agora designada passa por ajudar o Ministério a desenhar políticas públicas e a monitorizar a sua execução e a perceção e impacto que estão a ter junto das partes interessadas - sejam empresários, patrões, sindicatos ou administração pública. De acordo com o Público, o consultor já assumiu funções "há alguns dias", mas o despacho, que tem a data de 29 de julho, só agora foi publicado.
O despacho, publicado apenas ontem em Diário da República, diz apenas que a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças “está a promover um procedimento para a aquisição de serviços de consultoria estratégica especializada ao Ministério das Finanças, na qual se inclui a auscultação dos stakeholders relevantes na economia portuguesa, no âmbito da definição, implementação e acompanhamento de políticas públicas e medidas a executar, da avaliação e monitorização dessas políticas, tendo presente as atribuições legalmente atribuídas ao Ministério das Finanças, e, bem assim, o aconselhamento nos processos internos de tomada de decisão".
O gabinete de Medina confirma ainda que a contratação foi feita por ajuste direto "considerando a especificidade das necessidades de consultoria em causa", e em conformidade com o Código dos Contratos Públicos. A remuneração é "equiparada e limitada ao vencimento base do ministro, transpondo para o contrato de consultoria o limite previsto na lei para o enquadramento remuneratório de membros de gabinetes ministeriais", acrescenta o Ministério das Finanças.
Licenciado em Economia pelo ISEG, Sérgio Figueiredo foi jornalista na área da Economia em diferentes publicações, tendo chegado a diretor do Diário Económico (entre 1996 e 2001) e do Jornal de Negócios (de 2002 a 2007). Entre 2007 e 2014 esteve à frente da Fundação EDP. Entre 2015 e 2020 foi diretor de informação da TVI, altura em que chegou a contratar Fernando Medina, que na altura era presidente da câmara de Lisboa, como comentador. Desde 2020 que Sérgio Figueiredo estava como "consultor de sustentabilidade freelance".
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