Setúbal. Montenegro aponta dedo ao Governo e quer PSD a avançar com comissão de inquérito
RICARDO CASTELO/Lusa
Candidato à liderança do PSD desafiou este domingo a "oposição" a constituir uma comissão de inquérito parlamentar potestativa ao acolhimento de refugiados ucranianos em Setúbal por cidadãos russos. Intenção é contornar o "barrote da maioria absoluta do PS" e apurar se Governo sabia, uma vez que os serviços de informações "reportam diretamente ao primeiro-ministro"
A três semanas das eleições para a liderança do PSD, Luís Montenegro quer marcar posição. Depois de o Expresso ter noticiado que os Serviços de Informações da República Portuguesa já monitorizam e acompanham a atividade dos russos com alegadas relações ao Kremlin desde 2014, o candidato à liderança do PSD defende que o Parlamento tem de fazer mais e insta a oposição (com o PSD à cabeça) a constituir uma comissão de inquérito para apurar a verdade — "doa a quem doer".
"Há elementos que nos fazem concluir que esta informação já seria conhecida antecipadamente por parte do Governo", disse o ex-líder parlamentar do PSD numa conferência de imprensa este domingo onde pediu a constituição de uma comissão de inquérito ao caso e elencou os motivos. Por um lado, o "uso e abuso da maioria absoluta do PS para inviabilizar" as audições dos envolvidos, por outro, o facto de as secretas reportarem diretamente ao primeiro-ministro e, como tal, isso ser indício suficiente para presumir que o Governo sabia. "Convém lembrar que os Serviços de Informações reportam diretamente ao primeiro-ministro, e lembrar também que, nos últimos dias, a maioria absoluta do PS inviabilizou a audição quer do presidente da câmara de Setúbal quer da embaixadora da Ucrânia em Lisboa", disse.
No entender de Luís Montenegro, deve ser constituída uma comissão de inquérito potestativa, isto é, de carácter obrigatório, para contornar esse "barrote" da maioria absoluta socialista que, na semana passada, inviabilizou as audições requeridas, alegando separação de poderes entre as autarquias e a Assembleia da República.
Sem se referir diretamente ao PSD, o candidato social-democrata, defendeu que a "oposição" deve liderar esse processo. "Estamos a iniciar uma legislatura nova, uma legislatura de maioria absoluta, e o abuso da maioria tem de ser evitado pelas oposições. As oposições devem aproveitar todos os instrumentos que o regimento e a lei lhe conferem", disse.
Em causa está o facto de, como o Expresso noticiou, as secretas portuguesas já monitorizarem as associações que recebem refugiados ucranianos desde 2014, altura da anexação da Crimeia pela Rússia, e, como tal, o Governo já teria na sua posse mais informações.
"Não podemos ser indiferentes à informação, não desmentida, de que os Serviços de Informações detêm já um acompanhamento e uma informação das pessoas e associações em causa — e sabemos que os serviços de informações reportam diretamente ao primeiro-ministro", disse, sugerindo que "há elementos que nos fazem concluir que esta informação já seria conhecida antecipadamente por parte do Governo e que a relação entre a autarquia e o Estado pode levar a que alguns órgãos da administração possam ter sido coniventes com esta situação".
O PS justificou na sexta-feira o chumbo da audição parlamentar do presidente da Câmara de Setúbal sobre o acolhimento de refugiados ucranianos com a “separação de competências” entre Assembleia da República e autarquias, mas não convenceu os partidos da oposição. Na Comissão de Assuntos Constitucionais, a maioria dos partidos da oposição contestou o argumento invocado pelo PS para rejeitar a audição de André Martins, recordando que o caso da audição de Fernando Medina, quando era presidente da Câmara de Lisboa, sobre o caso da partilha de dados pessoais de ativistas russos contestatários do regime de Moscovo com a embaixada da Rússia em Portugal.
Por outro lado, o Parlamento aprovou a audição do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, e da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, sobre o acolhimento de refugiados ucranianos naquele município. Além destas entidades, foram aprovadas por unanimidade as audições da Associação de Ucranianos em Portugal, da Alta-Comissária para as Migrações, da Secretária de Estado da Igualdade e das Migrações e do Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.
Rejeitados, com o voto contra do PS, acabaram os requerimentos para ouvir a Embaixadora da Ucrânia, da secretária-geral do Sistema de Informações da República e do diretor nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
"Há um escrutínio político que deve ser feito na sede própria e, desse ponto de vista, as oposições parlamentares não devem ser indiferentes e devem promover desde já o normal funcionamento da democracia", disse ainda Luís Montenegro, lembrando que numa comissão parlamentar potestativa há entidades que não se podem recusar a ser ouvidas, uma vez que as comissões parlamentares de inquérito têm especificidades em alguns aspetos equiparadas a uma entidade judicial.
"Se tiver havido falhas, e se essas falhas tiverem responsáveis, só recuperaremos a nossa imagem se os responsáveis assumirem a sua responsabilidade. Se forem membros da administração pública devem cessar funções e se forem membros eleitos devem demitir-se ou ser demitidos", concluiu.