Portugal e Moçambique “juntos pela paz” no dia em que Marcelo matou saudades do povo e das selfies em Maputo
Foto: José Coelho/Lusa
JOSE COELHO
Guerra e terrorismo andaram a par nos discursos oficiais do primeiro dia de visita de Marcelo a Maputo. Presidente português veio garantir que empenho europeu em África não será prejudicado pela guerra na Ucrânia
Eunice Lourenço, em Maputo
“Os meus jovens [militares] estão a combater na ilha de Matemo, porque os terroristas tentaram se infiltrar, mas estão a levar bem” – a frase foi lançada no meio do discurso no jantar que o Presidente de Moçambique ofereceu esta quinta-feira a Marcelo Rebelo de Sousa. Grupos armados invadiram aquela ilha, no arquipélago das Quirimbas, em Cabo Delgado, e Nyusi fez referência ao ataque para mostrar como está longe de terminar a luta contra “atos de terrorismo” que, desde 2017, já provocaram mais de dois mil mortos, centenas de milhares de refugiados e a “destruição de estruturas sociais e rutura do tecido produtivo” no Norte de Moçambique.
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“A luta contra o terrorismo é apenas um capitulo da luta pela paz. A paz é uma realidade global que se combate aqui como se combate noutros pontos do mundo e que se combate com o espirito de diálogo e com o principio de afirmação dos princípios e dos valores porque sem eles a paz nunca é duradoura”, respondeu, no seu brinde, Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente português que veio a Maputo dar garantias de que a guerra na Ucrânia não vai diminuir o empenho português e europeu no combate pela paz em Moçambique.
Guerra e terrorismo andaram lado a lado nos discursos oficiais deste primeiro dia de visita oficial de Marcelo Rebelo de Sousa. Logo nas primeira declarações na manhã, quando Nyusi justificou a abstenção na votação na ONU que condenou a invasão russa da Ucrânia e o presidente português como que desculpou Moçambique, argumentando que pelo menos não votou contra a condenação da Rússia. Marcelo, contudo, foi fazendo paralelismos entre o que se vive no Leste e neste país africano. Esta visita pretende servir para assegurar a cooperação portuguesa e europeia com Maputo e contrariar a influência russa.
Essa tem sido uma preocupação manifesta da Defesa e da diplomacia portuguesas. Ainda esta quarta-feira, o ministro da Defesa lembrou que a Rússia também está presente "de uma forma muito desestabilizadora para sul, em várias partes do continente africano", como no Mali ou na República Centro Africana, onde Portugal tem tropas. A Rússia tem colocado em África forças de mercenários do Wagner Group, uma empresa com ligações ao Kremlin, mas que o poder russo nega. Tal como Moçambique nunca assumiu a presença do Wagner Group em Cabo Delgado.
A aposta de Moçambique (e de Portugal) nos últimos tempos tem sido, no entanto, na SADC (Comunidade para o Desenvolvimento d África Austral), que colocou uma missão militar em Cabo Delgado, e na União Europeia, que criou uma comissão de instrução militar em Moçambique, que Marcelo vai visitar no sábado.
“Renovamos o apelo à comunidade internacional para continuar a apoiar os esforços de Moçambique”, pediu Nyusi no jantar desta quinta-feira em que voltou a agradecer o “empenho” de Portugal na criação da missão da UE neste país.
“Portugal aqui está, bilateralmente e no quadro da UE, para garantir a vitória contra o terrorismo para um futuro mais livre, mais solidário e sobretudo mais pacifico”, respondeu Marcelo, salientando como Portugal e Moçambique têm “há muito uma cooperação militar intensa e profícua”.
“Estamos irmanados em combates fundamentais”, disse o Presidente português, no seu discurso, no Palácio da Ponta Vermelha, onde chegou a passar férias quando era ocupado pelo seu pai como governador de Moçambique, entre 1968 e 1970. O primeiro combate é pela paz.
“Estamos juntos a lutar pela paz”, em que o combate ao terrorismo é “um capítulo”, continuou Marcelo, que elencou outros combates “muito importantes” para garantir essa paz. “Não há paz duradoura sem um processo de desenvolvimento económico como o que Moçambique tem vindo a construir e em que tantos empresários portugueses participam”, continuou, fazendo referência ao empreendimento turístico da Visabeira que os dois chefes de Estado vão inaugurar esta sexta-feira, na zona de reserva especial de Maputo.
“É importantíssimo o combate nos domínios da sociedade e da educação”, continuou o Presidente português, avisando que são necessárias “condições sociais duradoras para a realização da paz”. Marcelo referiu ainda o “combate sanitário” que não terminou e concluiu, numa mistura dos dois hinos nacionais: “Estamos unidos marchando contra os canhões. Oh pátrias irmãs amadas vamos vencer!”
Festa na escola portuguesa
Esta terceira visita de Marcelo a Moçambique, o país onde se sente “em casa” e que considera como “segunda pátria”, não está a ter as multidões de outras ocasiões – afinal, ainda existe pandemia e por aqui as máscaras e as precauções fazem-se sentir -, mas ainda permitiu ao Presidente português matar saudades do contacto popular e das selfies dos quais tem andado mais arredado nos dois últimos anos.
Como em qualquer visita africana, os batuques, os cânticos e as danças fazem-se presentes em quase todos os pontos do programa presidencial. Mas a festa e as selfies voltaram em grande na visita à Escola Portuguesa de Maputo, onde Marcelo foi recebido como uma estrela da música pop.
Foto: José Coelho/Lusa
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Com centenas de crianças e jovens espalhados pelas muita varandas da escola, o Presidente chegou e logo se empoleirou na porta do jipe em que era conduzido. Assistiu à coreografia preparada por funcionárias da escola, que ainda tentaram que desse um pezinho de dança. Mas não conseguiram mais do que palmas e abraços. E, logo, o Presidente partiu por uma volta pelo pátio central em que foi tirando selfies, enquanto os jovens iam gritando o seu nome.
Também na escola, Marcelo quis falar de paz, ainda que sem referências diretas ao que se passa na Ucrânia. “"Um mundo de egoísmos é um mundo de guerra. Ora, nós queremos a paz. Não queremos a supremacia de ninguém sobre ninguém. Queremos a tolerância, queremos o diálogo, queremos a compreensão. Isso começa nos bancos das escolas. Começa nas famílias, mas começa muito nos bancos das escolas. E é essa a mensagem que vos queria deixar", disse o Presidente nos discurso que fez na cerimonia em que foram entregues vários prémios escolares, entre os quais um com o nome do seu pai.
"É impossível achar que a paz se faz apenas por meia dúzia de pessoas. Não se faz. Começa no coração de cada pessoa, começa na cabeça de cada pessoa, começa na vontade de cada pessoa", reforçou Marcelo, rematando: "Mas como é que se constrói a paz nas escolas? É muito simples: respeitando-nos uns aos outros-"
À saída, mais selfies, mais gritos de adolescentes como aqueles que se ouvem nos concertos quando as bandas sobem aos palcos, mais abraços e beijinhos, mesmo com máscara. “Nem vou lavar a cara”, dizia um jovem cumprimentado pelo Presidente, que ainda fez questão de sair a pé da escola, obrigando a novas corridas de quem ainda não tinha conseguido ter o seu momento com Marcelo.