“Não sei se há irregularidades ou não há. Mas acho bem que se investigue, tal como achei muito bem que fosse aberto o inquérito ao caso de Roman Abramovitch. Aliás, a lei é clara e prevê, por exemplo, que no caso de documentação falsa se perca a nacionalidade”, diz Ribeiro e Castro.
Para o centrista a lei é “justa” e “equilibrada”, prevendo todas as exigências necessárias para a obtenção da nacionalidade portuguesa. No fundo, o que se fez na altura, foi adotar para os descendentes dos judeus sefarditas um regime que já se aplicava em geral para descendentes de portugueses. Ou seja, manteve-se o artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, que permite a naturalização de pessoas com a dispensa de dois requisitos: o tempo de residência em Portugal e o domínio da língua portuguesa.
Entre os requisitos para a obtenção da nacionalidade portuguesa para descendentes de judeus sefarditas está a necessidade de demonstração de "tradição de pertença” a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em “requisitos objetivos comprovados” de ligação a Portugal. “A lei colocou exigências necessárias, mas talvez a regulamentação – por falta de experiência – não tenha aprofundado suficientemente e isso deve ser melhorado”, sustenta.
Em 2020, contudo, o PS quis mudar as regras desta lei. O Governo, através dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Justiça já tinha identificado problemas e o PS quis apertar os critérios para a atribuição da nacionalidade aos descendestes dos judeus sefarditas, exigindo, num primeiro momento, dois anos de residência em território português e, numa segunda versão da proposta, uma ligação efetiva e afetiva a Portugal.
A ideia foi defendida, sobretudo, pela ex-ministra da administração Interna, Constança Urbano de Sousa, que, antes de ser ministra, já tinha vasta experiência no dominio das migrações e regularização de nacionalidades. Constança Urbano de Sousa, como vice-presidente da bancada do PS, considerava que Portugal não podia exigir apenas um certificado de registo criminal e uma declaração de descendência passada pela Sociedade Israelita de Lisboa ou a do Porto para dar a nacionalidade aos descendentes de sefarditas.
No entanto, a sua proposta foi contestada por 'históricos' do partido, como Manuel Alegre, Alberto Matins e Maria de Belém. Assim como por Ribeiro e Castro e pelas comunidades judaicas, sobretudo pela de Lisboa, que considerou que se estava a colocar em causa o bom nome da instituição e se disponibilizou para uma inspeção a todos os processos. Em 2020, cinco anos depois de o processo entrar em vigor, só a comunidade de Lisboa já tinha dado seguimento a processos para 17 mil passaportes.
Na discussão de 2020, a Comunidade Israelita do Porto apresentou uma solução que passaria colocar mais condições para a atribuição da nacionalidade: os descendentes de sefarditas teriam de serem proprietários de casa em Portugal há mais de três anos, ou detentores de autorização de residência, ou visitarem regularmente o país, ou terem prestado altos serviços ao país ou aos portugueses. O PSD apresentou uma alteração baseada nesta proposta, mas também ficou pelo caminho
Depois de um processo em que figuras como Alegre, Ribeiro e Castro e Maria de Belém se fizeram ouvir e ler na praça pública, a alteração à lei acabou por ficar apenas pela exigência de “cumprimento efetivo de requisitos objetivos de ligação a Portugal” para obtenção da nacionalidade. Segundo jornal "Público", a nova regulamentação da lei foi aprovada pelo Governo em fevereiro e já promulgada pelo Presidente.
"Apertar a regulamentação" e garantir a "adequada investigação"
Agora também a socialista Maria de Belém, outra das promotoras da lei, considera que o que há que melhorar é a regulamentação da lei. “A lei neste ponto é absolutamente equilibrada, tal como o resto da lei da nacionalidade. O que se tem estado a confundir é a lei com o seu regulamento, que é através de um decreto-lei do Governo e não da Assembleia da República”, afirma ao Expresso a ex-deputada do PS, numa curta declaração.
Recusando falar em “falhas”, Maria de Belém refere que está em causa uma “lei de reparação”, que foi bem redigida no Parlamento e que o Governo consultou depois várias entidades: “Faça-se a avaliação do regulamento. Penso que havia até propostas de alteração, mas isso é uma função do Executivo”, observa, remetendo mais explicações sobre o que pensa para um artigo publicado recentemente no Público. E sem querer falar sobre o facto de um dos arguidos no processo do Porto, o advogado Francisco Almeida Garrett, ser seu sobrinho.
Também Manuel Alegre defende que a lei é “justa” e constitui uma “reparação histórica de crimes” e “ações ignominiosas”, estando em causa problemas decorrentes da sua regulamentação. “A lei está bem formulada, mas precisa de ser bem regulamentada. E é preciso ficar claro que quem toma a decisão final, quem faz a homologação, é uma autoridade portuguesa, o Ministério da Justiça”, diz ao Expresso Manuel Alegre.
O histórico socialista defende, por isso, que após as recentes suspeitas tornadas públicas, é preciso garantir uma “adequada investigação” por parte das autoridades, assim como “apertar a regulamentação”, no sentido da sua aplicação e fiscalização. Num artigo de opinião publicado há três semanas no “Público”, Manuel Alegre, Maria de Belém Roseira, Alberto Martins e José Vera Jardim já tinham saído em defesa dessa via.
“A avaliação da aplicação do decreto-lei de regulamentação é o caminho criterioso para aferir da melhoria ou correção das soluções encontradas. Dir-se-à que, se há fraude à lei, decorrente da sua regulamentação, combata-se a fraude e defenda-se a lei, a qual, pelo seu significado, constitui um marco no património humanista da República Portuguesa”, pode ler-se no texto.
Sem prazo, mas com direito a publicidade sobre atribuição de nacionalidade
Ao Expresso, Manuel Alegre sustenta ainda que deve haver um prazo para a lei vigorar, à semelhança de Espanha, que estipulou um prazo de quatro anos para a concessão de nacionalidade a sefarditas. Já Ribeiro e Castro sugere que o Ministério da Justiça possa ser assistido por um comité de historiadores ou de especialistas nesta matéria, que possam ajudar a validar a documentação e garantir a “fiabilidade” do processo.
De resto, advoga, o conhecimento para confirmar a ancestralidade está centrado nas comunidades judaicas e, portanto, o “sucesso” ou “insucesso” desta lei depende de um “relacionamento fluído”, “aberto” e de “confiança” entre a Administração portuguesa e as comunidades judaicas. “Estes casos abalam um pouco esse crédito e isso é bastante negativo, só espero que tudo se esclareça”, frisa o ex-deputado do CDS.
Outra medida que considera fundamental é proibir a publicidade da atribuição da nacionalidade portuguesa. Falando em casos “absolutamente escandalosos”, Ribeiro e Castro critica os outdoors e anúncios na imprensa e redes sociais que “colocam à venda” nacionalidade portuguesa. “Testemunhos de advogados, mais mercadores do que advogados, que garantem a atribuição da nacionalidade em seis meses. Como é que se pode fazer isso, quando é uma decisão discricionária de um ministro? Enganando as pessoas e mercadejando como se fosse um passe garantido, que dá acesso a não sei quantos países. Isso de facto é absolutamente indigno para a nacionalidade portuguesa”, atira.
Um alerta que foi feito também pelo ministro dos Negócios Estrangeiros em 2020, que defendeu por isso a alteração à lei. Augusto Santos Silva denunciou, em junho desse ano, no Parlamento a existência de campanhas do género blackfriday para atribuição na nacionalidade portuguesa para descendentes de judeus sefarditas, em busca de um passaporte europeu.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes