Num ambiente cada vez mais crispado no CDS, o Conselho Nacional do partido aprovou o adiamento do congresso para a disputa da liderança para depois das eleições legislativas. Em mais uma reunião turbulenta que só terminou pelas 3h30, o candidato Nuno Melo usou um tom muito duro contra o presidente da Mesa do Conselho Nacional, Filipe Anacoreta Correia, para dizer que a admissão da realização da reunião era uma atitude “obscura e perversa”. Rodrigues dos Santos respondeu com acusações de "terrorismo". Entre argumentos jurídicos para decretar a nulidade da reunião e argumentos políticos, a direção levou a sua avante.
“O senhor presidente fez no CDS o que Arnaldo de Matos não foi capaz de fazer no PCTP/MRPP”, disse Nuno Melo a meio da discussão (por Zoom), acusando a direção de ter escondido dos conselheiros a decisão do Conselho de Jurisdição sobre a impugnação da convocatória. “A deliberação diz que esta reunião é nula e que as decisões aqui tomadas são ilegais”, terá dito Nuno Melo de acordo com os relatos feitos ao Expresso de fontes presentes na reunião. “Isto é tão perverso que eu sinto-me envergonhado”, disse. “Tenho vergonha de si”, continuou. Mais à frente a exaltação seria ainda maior: "Deixei-me falar, por favor!", diria perante os atropelos do presidente da Mesa.
Em resposta às críticas, Francisco Rodrigues dos Santos falou aos conselheiros repetindo o que disse aos jornalistas antes da reunião começar (ver texto abaixo) e acusando os críticos internos de fazerem “terrorismo junto da comunicação social”. “Mas eu não tenho medo nenhum de vocês”, terá dito Chicão segundo relatos feitos ao Expresso. “Coragem é fazer isto sem olhar a ambições pessoais”, disse ainda, afirmando que não tem dúvidas de que derrotaria Melo em congresso. “Já vos derrotei uma vez, estou disponível para o fazer outra vez, mas não me peçam para colocar o país em segundo lugar”, sublinhou aos conselheiros.
A noite começou com o Conselho de Jurisdição do CDS a dar razão ao pedido de impugnação de Nuno Melo, candidato à liderança, para travar a reunião do Conselho Nacional que se realizou esta noite com o objetivo de adiar o congresso eletivo marcado para o fim de novembro. Mas a reunião continuou a decorrer, mesmo depois de conhecida a decisão definitiva do tribunal interno do CDS: aliás, o próprio CN votou pela continuação da reunião, por uma maioria esmagadora: 132 a favor, 84 contra e 4 abstenções.
"O entendimento - e bem, parece-me - da mesa do CN foi o de que a comunicação do CNJ sobre o recurso de Nuno Melo só pode ser lida como de aceitação desse recurso", diz ao Expresso Francisco Rodrigues dos Santos para justificar a continuação do Conselho Nacional. "Não pode ser considerada nenhuma decisão.".
Segundo o líder do partido, a Jurisdição "não pode decidir sem respeitar o princípio do contraditório, ouvindo a parte contrária, o Presidente do CN, que foi quem assinou a convocatória e isso não aconteceu". Rodrigues dos Santos ainda acrescenta que "uma decisão jurisdicional deve, sob pena de nulidade, ser fundamentada e "não há qualquer fundamentação, nem análise do fundo".
Ao início da noite, o presidente do partido começou por dizer que ainda não tinha sido notificado da decisão da Jurisdição. Entretanto, o CNJ deu razão a Nuno Melo e concluiu que a "convocatória do CN é "nula" e "sem qualquer efeito". Para contornar esta decisão de impugnação, Filipe Anacoreta Correia, presidente do Conselho Nacional, chegou a admitir fazer um segundo CN para "ratificar" a decisão que este tomar.
As polémicas começaram logo no início da reunião: Telmo Correia, líder parlamentar, da fação de oposição interna, esteve à espera para entrar na reunião que decorre por vídeoconferência desde as 19h. "Falei com o secretário-geral, que não me atendia o telefone há horas e que me disse que tinham fechado durante a votação: disse-lhe que era inaceitável", conta ao Expresso. "Respondeu-me que tentasse por outra sala e - igual . O telefone está sempre interrompido".
João Gonçalves Pereira, líder da distrital de Lisboa e outro rosto da oposição interna, chegou a dizer que, tal como o líder parlamentar, foi impedido de votar. Acrescenta-se o deputado Miguel Arrobas à lista, e outros conselheiros que pediram esclarecimentos ao presidente do Conselho Nacional, Filipe Anacoreta Correia, que é também vice-presidente da câmara de Lisboa. Anacoreta abriu votações para todos os que não tinham participado.
Nuno Melo diz que reunião é ilegal
Ainda a reunião ia no início e o eurodeputado e candidato a líder escrevia um post no Facebook a dar nota da decisão do CNJ do CDS, de que o Conselho Nacional não se podia realizar. "Significa que, a acontecer, a reunião será ilegal e todas as deliberações tomadas serão nulas", escreve Nuno Melo.
Para o eurodeputado, "qualquer expediente para violar a vontade expressa do Tribunal do Partido, para evitar as eleições de delegados ao Congresso agendadas para o próximo domingo, depois de quererem evitar que os militantes escolham a estratégia para as legislativas e a liderança que deverá enfrentar o desafio em Congresso, transformaria o partido numa realidade à margem da democracia e do próprio Estado de direito". No fim do post, o eurodeputado pediu para a direção respeitar a decisão do CNJ "para salvaguarda da dignidade do próprio CDS".
Ao que o Expresso apurou, a reunião do CN pode realizar-se na mesma - podendo depois haver recurso para o Tribunal Constitucional (TC), que, no limite, pode considerar inválidas as decisões ali tomadas. No caso de ter de enveredar por esta solução, o partido esperaria que o TC desse uma resposta em menos de 30 dias, para ainda ser possível realizar o congresso na data marcada, em 27 e 28 de novembro. Caso o TC desse razão a uma eventual tentativa de impugnação das decisões do CN, passavam a valer outra vez as deliberações do CN anterior.
'Chicão' mantém reunião. E diz ter mandato até final de janeiro
Numa conferência de imprensa que começou quando a Jurisdição decidiu que não podia haver CN, Francisco Rodrigues dos Santos disse que ainda não tinha sido notificado e que "estranharia muito" que se observasse, pela primeira vez na história, uma impugnação de uma convocatória -- e não das conclusões tomadas numa dada reunião. Chicão dá o exemplo de uma convocatória de 2013, também para efeitos de adiamento de um congresso, assinada por Pires de Lima, que foi enviada aos conselheiros nacionais com 19 horas de antecedência, e está "conforme as regras do partido".
Nomes como Diogo Feio ou Cecília Meireles defendiam, na altura, o adiamento, lembra o líder, admitindo estar muito curioso sobre o voto de Diogo Feio que é membro do atual Conselho de Jurisdição. Se os seus adversários internos mantiverem a intenção de impugnar e declarar nulas as decisões, o líder do CDS diz que não será mais do que uma "cabala política com fins particulares que lesa o país", e de um "exercício de retórica barata e pífia". "Entendem que este partido só faz sentido se forem eles a mandar", atira ainda, admitindo que a reunião do Conselho Nacional decorre neste momento por não ter havido notificação formal a apontar o contrário.
O líder do CDS defende ter "legitimidade" para ir às legislativas porque o seu mandato termina a 26 de janeiro e porque os tempos se aceleraram quando a crise política se abriu. "Este não é o tempo adequado para o debate interno. Depois das eleições, os militantes do partido terão oportunidade de esgrimir as diferenças e as divergências que os separam", defende.
"Fui eleito presidente do CDS em 26 de janeiro de 2020, e tendo mandato de dois anos, é obvio que tenho toda a legitimidade política para liderar o partido no próximo ciclo político e para construir uma alternativa ao PS", diz ainda, lembrando que foi a atual direção que antecipou o congresso para novembro quando ainda não se sabia que ia haver eleições antecipadas. "Se não o tivesse feito alguém teria dúvidas sobre a nossa legitimidade?", atira.
Francisco Rodrigues dos Santos pega numa série de argumentos para sustentar a sua tese: o partido precisa de tempo para fazer as listas de deputados e definir estratégia de ida a votos, para fazer programa eleitoral, para garantir financiamento bancário para a campanha e para se apresentar ao país como alternativa, e não como um partido em guerra. E acusa Nuno Melo de apenas estar a pensar "nas suas circunstâncias pessoais" e não no interesse do país.
Numa declaração aos jornalistas no Largo do Caldas, garantiu ainda que "não tinha medo" de ir a votos -- "tenho a certeza que ganharia o congresso", tratando-se apenas, no seu entender, de uma questão de interesse nacional.