Política

Crise no CDS. Após duras trocas de insultos, 'Chicão' consegue adiamento do congresso para depois das legislativas

Nuno Melo
Nuno Melo
Rui Duarte Silva

O resumo de mais uma noite turbulenta. Depois de Francisco Rodrigues dos Santos ter convocado para esta noite o Conselho Nacional para discutir o adiamento do congresso, Nuno Melo apresentou um pedido de impugnação da reunião por não ter sido convocada com mais de 24 horas de antecedência. Conselho de Jurisdição do partido deu-lhe razão. Mas direção avançou na mesma e votou: CN aprovou o adiamento do Congresso para depois das legislativas, como 'Chicão' queria

Crise no CDS. Após duras trocas de insultos, 'Chicão' consegue adiamento do congresso para depois das legislativas

Vítor Matos

Jornalista

Crise no CDS. Após duras trocas de insultos, 'Chicão' consegue adiamento do congresso para depois das legislativas

Rita Dinis

Jornalista

Num ambiente cada vez mais crispado no CDS, o Conselho Nacional do partido aprovou o adiamento do congresso para a disputa da liderança para depois das eleições legislativas. Em mais uma reunião turbulenta que só terminou pelas 3h30, o candidato Nuno Melo usou um tom muito duro contra o presidente da Mesa do Conselho Nacional, Filipe Anacoreta Correia, para dizer que a admissão da realização da reunião era uma atitude “obscura e perversa”. Rodrigues dos Santos respondeu com acusações de "terrorismo". Entre argumentos jurídicos para decretar a nulidade da reunião e argumentos políticos, a direção levou a sua avante.

“O senhor presidente fez no CDS o que Arnaldo de Matos não foi capaz de fazer no PCTP/MRPP”, disse Nuno Melo a meio da discussão (por Zoom), acusando a direção de ter escondido dos conselheiros a decisão do Conselho de Jurisdição sobre a impugnação da convocatória. “A deliberação diz que esta reunião é nula e que as decisões aqui tomadas são ilegais”, terá dito Nuno Melo de acordo com os relatos feitos ao Expresso de fontes presentes na reunião. “Isto é tão perverso que eu sinto-me envergonhado”, disse. “Tenho vergonha de si”, continuou. Mais à frente a exaltação seria ainda maior: "Deixei-me falar, por favor!", diria perante os atropelos do presidente da Mesa.

Em resposta às críticas, Francisco Rodrigues dos Santos falou aos conselheiros repetindo o que disse aos jornalistas antes da reunião começar (ver texto abaixo) e acusando os críticos internos de fazerem “terrorismo junto da comunicação social”. “Mas eu não tenho medo nenhum de vocês”, terá dito Chicão segundo relatos feitos ao Expresso. “Coragem é fazer isto sem olhar a ambições pessoais”, disse ainda, afirmando que não tem dúvidas de que derrotaria Melo em congresso. “Já vos derrotei uma vez, estou disponível para o fazer outra vez, mas não me peçam para colocar o país em segundo lugar”, sublinhou aos conselheiros.

A noite começou com o Conselho de Jurisdição do CDS a dar razão ao pedido de impugnação de Nuno Melo, candidato à liderança, para travar a reunião do Conselho Nacional que se realizou esta noite com o objetivo de adiar o congresso eletivo marcado para o fim de novembro. Mas a reunião continuou a decorrer, mesmo depois de conhecida a decisão definitiva do tribunal interno do CDS: aliás, o próprio CN votou pela continuação da reunião, por uma maioria esmagadora: 132 a favor, 84 contra e 4 abstenções.

"O entendimento - e bem, parece-me - da mesa do CN foi o de que a comunicação do CNJ sobre o recurso de Nuno Melo só pode ser lida como de aceitação desse recurso", diz ao Expresso Francisco Rodrigues dos Santos para justificar a continuação do Conselho Nacional. "Não pode ser considerada nenhuma decisão.".

Segundo o líder do partido, a Jurisdição "não pode decidir sem respeitar o princípio do contraditório, ouvindo a parte contrária, o Presidente do CN, que foi quem assinou a convocatória e isso não aconteceu". Rodrigues dos Santos ainda acrescenta que "uma decisão jurisdicional deve, sob pena de nulidade, ser fundamentada e "não há qualquer fundamentação, nem análise do fundo".

Ao início da noite, o presidente do partido começou por dizer que ainda não tinha sido notificado da decisão da Jurisdição. Entretanto, o CNJ deu razão a Nuno Melo e concluiu que a "convocatória do CN é "nula" e "sem qualquer efeito". Para contornar esta decisão de impugnação, Filipe Anacoreta Correia, presidente do Conselho Nacional, chegou a admitir fazer um segundo CN para "ratificar" a decisão que este tomar.

As polémicas começaram logo no início da reunião: Telmo Correia, líder parlamentar, da fação de oposição interna, esteve à espera para entrar na reunião que decorre por vídeoconferência desde as 19h. "Falei com o secretário-geral, que não me atendia o telefone há horas e que me disse que tinham fechado durante a votação: disse-lhe que era inaceitável", conta ao Expresso. "Respondeu-me que tentasse por outra sala e - igual . O telefone está sempre interrompido".

João Gonçalves Pereira, líder da distrital de Lisboa e outro rosto da oposição interna, chegou a dizer que, tal como o líder parlamentar, foi impedido de votar. Acrescenta-se o deputado Miguel Arrobas à lista, e outros conselheiros que pediram esclarecimentos ao presidente do Conselho Nacional, Filipe Anacoreta Correia, que é também vice-presidente da câmara de Lisboa. Anacoreta abriu votações para todos os que não tinham participado.

Nuno Melo diz que reunião é ilegal

Ainda a reunião ia no início e o eurodeputado e candidato a líder escrevia um post no Facebook a dar nota da decisão do CNJ do CDS, de que o Conselho Nacional não se podia realizar. "Significa que, a acontecer, a reunião será ilegal e todas as deliberações tomadas serão nulas", escreve Nuno Melo.

Para o eurodeputado, "qualquer expediente para violar a vontade expressa do Tribunal do Partido, para evitar as eleições de delegados ao Congresso agendadas para o próximo domingo, depois de quererem evitar que os militantes escolham a estratégia para as legislativas e a liderança que deverá enfrentar o desafio em Congresso, transformaria o partido numa realidade à margem da democracia e do próprio Estado de direito". No fim do post, o eurodeputado pediu para a direção respeitar a decisão do CNJ "para salvaguarda da dignidade do próprio CDS".

Ao que o Expresso apurou, a reunião do CN pode realizar-se na mesma - podendo depois haver recurso para o Tribunal Constitucional (TC), que, no limite, pode considerar inválidas as decisões ali tomadas. No caso de ter de enveredar por esta solução, o partido esperaria que o TC desse uma resposta em menos de 30 dias, para ainda ser possível realizar o congresso na data marcada, em 27 e 28 de novembro. Caso o TC desse razão a uma eventual tentativa de impugnação das decisões do CN, passavam a valer outra vez as deliberações do CN anterior.

'Chicão' mantém reunião. E diz ter mandato até final de janeiro

Numa conferência de imprensa que começou quando a Jurisdição decidiu que não podia haver CN, Francisco Rodrigues dos Santos disse que ainda não tinha sido notificado e que "estranharia muito" que se observasse, pela primeira vez na história, uma impugnação de uma convocatória -- e não das conclusões tomadas numa dada reunião. Chicão dá o exemplo de uma convocatória de 2013, também para efeitos de adiamento de um congresso, assinada por Pires de Lima, que foi enviada aos conselheiros nacionais com 19 horas de antecedência, e está "conforme as regras do partido".

Nomes como Diogo Feio ou Cecília Meireles defendiam, na altura, o adiamento, lembra o líder, admitindo estar muito curioso sobre o voto de Diogo Feio que é membro do atual Conselho de Jurisdição. Se os seus adversários internos mantiverem a intenção de impugnar e declarar nulas as decisões, o líder do CDS diz que não será mais do que uma "cabala política com fins particulares que lesa o país", e de um "exercício de retórica barata e pífia". "Entendem que este partido só faz sentido se forem eles a mandar", atira ainda, admitindo que a reunião do Conselho Nacional decorre neste momento por não ter havido notificação formal a apontar o contrário.

O líder do CDS defende ter "legitimidade" para ir às legislativas porque o seu mandato termina a 26 de janeiro e porque os tempos se aceleraram quando a crise política se abriu. "Este não é o tempo adequado para o debate interno. Depois das eleições, os militantes do partido terão oportunidade de esgrimir as diferenças e as divergências que os separam", defende.

"Fui eleito presidente do CDS em 26 de janeiro de 2020, e tendo mandato de dois anos, é obvio que tenho toda a legitimidade política para liderar o partido no próximo ciclo político e para construir uma alternativa ao PS", diz ainda, lembrando que foi a atual direção que antecipou o congresso para novembro quando ainda não se sabia que ia haver eleições antecipadas. "Se não o tivesse feito alguém teria dúvidas sobre a nossa legitimidade?", atira.

Francisco Rodrigues dos Santos pega numa série de argumentos para sustentar a sua tese: o partido precisa de tempo para fazer as listas de deputados e definir estratégia de ida a votos, para fazer programa eleitoral, para garantir financiamento bancário para a campanha e para se apresentar ao país como alternativa, e não como um partido em guerra. E acusa Nuno Melo de apenas estar a pensar "nas suas circunstâncias pessoais" e não no interesse do país.

Numa declaração aos jornalistas no Largo do Caldas, garantiu ainda que "não tinha medo" de ir a votos -- "tenho a certeza que ganharia o congresso", tratando-se apenas, no seu entender, de uma questão de interesse nacional.

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