O encontro aconteceu a pedido do candidato à liderança do PSD, que quis transmitir ao Presidente da República a sua leitura sobre a inconveniência de pressas excessivas na marcação de eleições, sobretudo quando o maior partido da oposição tem na agenda um processo ordinário de disputa de liderança. E Marcelo não lhe deu garantias, mas deixou claro não ser sua intenção atropelar processos democráticos internos em curso nos partidos, neste caso no PSD e no CDS.
"O Presidente respeitará os processos internos dos partidos sem que isso signifique ceder a interesses de qualquer uma das partes envolvidas", relataram ao Expresso. A convicção em Belém é que se tiver mesmo que convocar eleições por o Orçamento de Estado ser chumbado, Marcelo Rebelo de Sousa fará uma avaliação "razoável" dos prazos, com flexibilidade restrita mas que poderá empurrar a marcação de eleições, de janeiro (a data inicialmente avançada pelo Presidente) para fevereiro.
Sem deixar cair a ideia de que a haver eleições elas devem acontecer o mais rápido possível, Marcelo transmitiu a Paulo Rangel que antes de mais deve ser o PSD a ver como resolve os seus dilemas processuais para se adaptar aos prazos de eventuais legislativas no início do ano. Mas também deixou claro que tudo fará para respeitar os prazos decorrentes das diretas que o partido tem marcadas para 4 de dezembro e que decidirão se o candidato a primeiro-ministro será Rui Rio ou Paulo Rangel.
Congresso antecipado? Eleições a 6 ou 13 de fevereiro?
Seja quem for o vencedor, como o Congresso do partido está marcado para 14, 15 e 16 de janeiro e deverá ser a direção eleita nesse Congresso a aprovar as listas de candidatos a deputados que terão que ser entregues 41 dias antes das legislativas, se quiser respeitar esses prazos Marcelo só poderá marcar as eleições para a segunda quinzena de fevereiro.
Isto, a menos que o Congresso seja antecipado, o que não é impossível e será tentado pela candidatura de Paulo Rangel - os estatutos prevêem que é possível forçar um Conselho Nacional para o efeito, recolhendo assinaturas. O que facilitaria a vida ao Presidente, que assim poderia marcar as legislativas para o último domingo de janeiro ou para 6 ou 13 de fevereiro (se a data do Congresso se mantiver, só deixando escorregar a ida a votos para 20 de fevereiro).
Na reunião com o adversário de Rui Rio, Marcelo não se comprometeu com datas e passou a bola para os entendimentos que antes terão que ser alcançados dentro do partido, mas mostrou elasticidade (restrita e não ilimitada) para avaliar prazos. Chegando a dizer que, na sua opinião, o próprio PS precisa de algum tempo para definir com que estratégia se irá apresentar a eleições.
Por experiência própria, Marcelo Rebelo de Sousa já viveu de perto atropelos entre prazos eleitorais e processos de escolhas de novas lideranças partidárias, nomeadamente quando ele se demitiu de líder do PSD em vésperas de umas eleições europeias e Durão Barroso, que lhe sucedeu na liderança, teve que refazer as listas de candidatos que Marcelo deixara feitas antes de estar legitimado pelos votos do Congresso.
É certo que o facto de nessa altura ter havido um candidato único na corrida tornou tudo mais fácil. Mas provou-se que os espartilhos estatutários têm saídas.
Neste caso, Marcelo deixou em aberto o que entenderá ser mais razoável após ouvir os partidos e respetivos líderes, incluindo Rui Rio, mas mostrou-se sensível aos argumentos de Rangel segundo os quais não havendo certezas de que das legislativas antecipadas saia uma solução de Governo tão estável que garanta um Orçamento de Estado em três ou quatro meses - o risco de só haver OE em 2022 entrou na conversa - também não faz sentido dramatizar que se percam uma, duas ou três semanas na marcação das eleições. E 15 dias, alertou o candidato à presidência do PSD, podem ser importantes para a máquina eleitoral do partido se organizar, sobretudo se houver uma mudança na liderança.
O Presidente concordou que a incerteza quanto ao desfecho das eleições antecipadas que tudo fez para evitar pode terminar com o país mergulhado num ciclo de "mini-ciclos" - expressão que usou em público na mesma noite. E não fechou a porta a eventuais derrapagens, desde que curtas e controladas, do calendário que chegou a anunciar de legislativas em janeiro.
Na altura, fê-lo condicionado pelos antecedentes de outras eleições antecipadas no país, em que o prazo entre o rebentar da crise e a ida a votos andou pelos 90 dias. E se o OE chumbar a 27 de outubro, os três meses da praxe levarão a eleições em finais de janeiro.
Mas a pressão que o PR também quis pôr sobre os partidos, agitando com uma proximidade da ida a votos que ainda esperou poder forçá-los a salvar o Orçamento, não o impede de esticar os calendários dentro do que entender "razoável" e justificado pelos processos democráticos em curso no PSD e no CDS.
Todos a Belém
Antes disso, Marcelo ainda terá, no entanto, que ouvir o que pensam os líderes dos vários partidos, incluindo Rui Rio, que chamará a Belém no início da próxima semana se o Orçamento de Estado for chumbado, hoje, no Parlamento.
Se isso acontecer, o Presidente chamará ainda esta quinta-feira o primeiro-ministro ao palácio e também está prevista uma conversa com o Presidente da Assembleia da República, que esteve a ouvir os líderes parlamentares sobre a gestão da crise. Na sexta-feira será a vez do PR ouvir os parceiros sociais. Na quarta-feira da próxima semana, ouvirá o Conselho de Estado. E não está afastada uma segunda ronda de audições aos partidos.
Os 60 dias que a Constituição prevê entre a dissolução do Parlamento e a data das eleições só começa a contar após o decreto de dissolução ser publicado. E é aqui que o Presidente da República tem margem para gerir os prazos como entender. Após ouvir quem entender ouvir - Jorge Sampaio, por exemplo, levou semanas em audições antes de decidir dissolver o Parlamento que sustentava o Governo de Santana Lopes - Marcelo Rebelo de Sousa escolherá a data para assinar o decreto decisivo.
A sua decisão de dissolver a Assembleia da República caso o OE seja chumbado está anunciada, mas só o decreto assinado (e publicado, o que leva mais uns dias) porá o relógio a contar. A pressa assinalada pelo Presidente - que chegou a dizer que uma vez o OE chumbado, daria "logo, logo", início ao processo de dissolução, não lhe retira o poder discricionário de gerir os timings. Os seus antecessores nunca geriram crises similares em menos de três meses. A dúvida é se Marcelo queimará um quarto, mas o que mais preocupa Belém são os meses que se queimarão a seguir se de eleições antecipadas sair um novo impasse.