Foi tudo muito rápido. À hora marcada pelo "alinhamento da cerimónia solene comemorativa do 111º aniversário da implantação da República", já a guarda de honra da GNR estava perfilada frente à Câmara de Lisboa para que começasse o desfile. Carlos Moedas chegou a pé e, logo a seguir, veio o cortejo de carros, que Fernando Medina ia acolhendo – colar da cidade ao peito – e encaminhando para a porta no Município.
Chegou António Costa e a mulher. Chegou Ferro Rodrigues. Chegou Marcelo Rebelo de Sousa. Com o Presidente da República à vista, ainda se ouviram dois "Viva a República" lançados por um homem, com a bandeira nacional erguida na mão, mas nenhuma das altas figuras da Nação reparou. Ou, se o fez, também não ligou. Eram poucos os populares interessados em seguir o Cinco de Outubro, que cumpria à risca o que o 'alinhamento' ditava. Eram onze horas e já a bandeira nacional estava hasteada e os convidados sentados no salão nobre para assistirem aos discursos.
Os jornalistas ficaram à parte, numa sala em frente, a assistir a tudo. Um ecrã gigante e uma coluna de som serviam para acompanhar a cerimónia à distância. O País pode estar desconfinado, as discotecas reabertas e os restaurantes sem limites de lotação ou livres de máscaras, mas ali, nos Paços do Concelho as regras de distanciamento social – e político – foram escrupulosamente respeitadas. Até os presidentes das Juntas de Freguesia de Lisboa, em fim de mandato autárquico, foram excluídos do local e afastados das cerimónias.
Marcelo de olhos postos em Costa
Mesmo sem muito público presente, mas com Carlos Moedas na sala, Fernando Medina aproveitou a ocasião para uma despedida formal. "Despeço-me com o sentido de dever cumprido", disse o autarca, aproveitando para reforçar o facto das presenças simultâneas do "presidente cessante e do presidente eleito" servirem para "reafirmar a democracia e os seus princípios fundamentais".
O cumprimento formal e civilizado entre Medina e Moedas ficou mesmo para o fim da cerimónia, mas o ainda presidente da Câmara de Lisboa fez questão de falar do "dever comum que tem de estar acima das divergências políticas e dos estados de espíritos pessoais". A batalha eleitoral e a surpresa da conquista de Lisboa pela coligação de direita têm de ficar para trás das costas. "É o sentido de continuidade das instituições, de dignificação da política e de convivência democrática" que mais importa agora registar.
"Falhar a entrada a tempo é perder, sem apelo nem agravo, uma oportunidade que pode não voltar mais", diria Marcelo Rebelo de Sousa, logo a seguir no discurso. Podia ser uma frase para Carlos Moedas, o senhor que se segue na Câmara lisboeta. Mas não. O Presidente saudou os dois antigos adversários logo no arranque da sua intervenção, mas as suas palavras foram todas dirigidas a "num novo ciclo económico do clima, energia, digital, ciência, tecnologia e renovado tecido produtivo".
Falando sempre com os olhos postos em António Costa, sentado ali mesmo na primeira fila, Marcelo apelou à necessidade de tornar o Cinco de Outubro uma "data viva", de um País, "mais inclusivo e mais justo". Há um "novo ciclo de criação de riqueza" à vista e mesmo sem mencionar a chegada próxima da bazuca europeia, é fácil de ler nas entrelinhas do discurso do Presidente da República, que é disso que se está a falar.
Os avisos presidenciais ficam dados. "Dispondo de meios de financiamento adicionais" estes devem ser "usados com rigor, eficácia e transparência", disse Marcelo e lembrou que "dois milhões de pobres e alguns mais em risco de pobreza" não podem ficar afastados da entrada prometido "novo ciclo económico e da multiplicação do conhecimento".
Marcelo quer mesmo que o País, "por uma vez entre a tempo" e daí vem a metáfora de não "falhar a entrada". Portugal tem "nos anos próximos uma ocasião única e irrepetível de reconstruir destinos, de refazer esperanças, de renovar sonhos", acabou por dizer, prometendo que "não a vamos perder".
O discurso foi breve, como toda a cerimónia. Meia hora depois do início, já os funcionários camarários enrolavam os tapetes vermelhos e retiravam as barreiras de segurança. Para o ano há mais. E com novos protagonistas.
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