CPLP. “A mancha na reputação existe desde que a Guiné Equatorial foi admitida. Sete anos depois, nada mudou”
Um protesto na Guiné Equatorial, que faz parte da CPLP mas onde ainda há graves atropelos aos direitos humanos
John Milner/SOPA Images/LightRocket/Getty Images
Luanda acolhe a cimeira que assinala os 25 anos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e o arranque da presidência angolana da organização. A ensombrar o encontro volta a estar a Guiné Equatorial, que sete anos após a adesão à CPLP continua sem abolir a pena de morte. Nove personalidades de quatro Estados-membros pedem a expulsão do país, defendendo que este processo deve iniciar-se “de imediato, ou seja, na cimeira de Luanda”, esta sexta-feira e sábado. Entre os signatários da carta estão os ex-candidatos presidenciais Paulo de Morais, Fernando Nobre e Henrique Neto, além de João Paulo Batalha, antigo presidente da associação cívica Transparência e Integridade. No entanto, há um problema logo à partida: os estatutos da organização não preveem a expulsão de um Estado-membro. “No caso da Guiné Equatorial, a CPLP, Portugal incluído, não tem tomado medidas públicas claras, diz Ana Lúcia Sá, professora de Estudos Africanos no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, em entrevista ao Expresso
A Guiné Equatorial é membro de pleno direito da CPLP desde 2014. O que ainda está por fazer nos pressupostos que deviam ter sido cumpridos antes da sua adesão? Há muito por fazer, incluindo olhar de frente para o “elefante na sala” que existe desde a adesão: a existência de pena de morte na Guiné Equatorial. Este era um tema fraturante e quase de honra, e não sofreu qualquer avanço prático. Outro âmbito que revela o quanto está por fazer em termos de compromissos de todas as partes é o ensino do português no país, que é muito residual.
Qual das partes tem beneficiado mais desta pertença? Pergunta complicada... Não disponho de dados sobre os benefícios que esta adesão poderá ter trazido para trocas comerciais entre os outros países da CPLP e a Guiné Equatorial. Mas também não creio que possamos afirmar taxativamente que a Guiné Equatorial tenha beneficiado largamente ao pertencer à CPLP, porque as relações bilaterais entre Estados existiam antes e continuaram a existir depois de 2014.
Que danos reputacionais pode sofrer uma organização que admite um Estado-membro incumpridor? A mancha na reputação existe desde que, em Díli, a Guiné Equatorial foi admitida como membro de pleno direito. Sete anos depois, nada mudou no país, pelo que os danos permanecem.
O regime de Teodoro Obiang tem conseguido algum tipo de legitimação internacional por pertencer à CPLP? O regime de Teodoro Obiang tem uma grande aceitação internacional e a pertença à CPLP é apenas mais um exemplo desta boa aceitação. Teodoro Obiang sempre jogou de forma muito estratégica no plano regional e internacional, e esse é um dos fatores que têm ajudado a que se mantenha no poder de forma tão segura. A nível internacional, o regime não tem sofrido ameaças suficientemente fortes para que se processe uma maior abertura. Pertencer à CPLP foi apenas mais uma estratégia de legitimação, entre tantas, com o peso simbólico de ser uma organização de base linguística e devedora da história colonial. Recordemos que Obiang frequentemente se insurge contra a discriminação que o país sofre por parte do Governo espanhol.
A CPLP assume-se como “um novo projeto político cujo fundamento é a língua portuguesa, vínculo histórico e património comum dos nove [Estados-membros], que constituem um espaço geograficamente descontínuo, mas identificado pelo idioma comum”. Esta descrição ainda faz sentido? Faz, mas seria necessário que se refletisse sobre o que significam o vínculo histórico e o património comum. Seriam necessárias medidas para a promoção de espaços e ações de cidadania. Só assim faz sentido, mais além da retórica. Poderia ser uma excelente oportunidade para Portugal olhar para o seu passado colonial de forma séria.
Um protesto na Guiné Equatorial, que faz parte da CPLP mas onde ainda há graves atropelos aos direitos humanos
Um grupo de cidadãos de quatro Estados-membros da CPLP (Angola, Brasil, Cabo Verde e Portugal) enviou uma carta à presidência cessante e à presidência que se segue na organização, a pedir a expulsão da Guiné Equatorial. No entanto, os estatutos da CPLP não preveem tal penalização. Constituindo estas iniciativas um fator de pressão, prevê-se alguma reação oficial durante a cimeira de Luanda? A CPLP deveria reagir a pedidos de cidadãos dos países que a compõem. Infelizmente, a experiência que temos não é essa, por dois motivos. Em primeiro lugar, há um desnível muito grande entre as elites, a forma como estas cimeiras se processam e os cidadãos, como se fossem entidades distintas e estranhas. Em segundo lugar, os temas mais problemáticos relacionados com a Guiné Equatorial são desconsiderados quando são pedidas respostas ou medidas mais contundentes.
A suspensão e a expulsão de Estados-membros incumpridores existem na Commonwealth e na Francofonia. Há alguma hipótese real de os estatutos da CPLP serem revistos durante a presidência angolana ou numa próxima presidência? Tudo dependerá de como a presidência de turno, seja ela qual for, se implicar nos assuntos da CPLP e no dinamismo da instituição. Se continuar a haver uma espécie de letargia a que estamos habituados, dificilmente os estatutos serão revistos. Tem de haver vontade política e compromisso.
A presidência portuguesa do Conselho da União Europeia foi muito criticada por invocar o “dever de neutralidade” na condenação de legislação atentatória contra os direitos da comunidade LGBTQI+ na Hungria. O que pode fazer Portugal, cujo Presidente – à época, Cavaco Silva – não partilhou do entusiasmo com a entrada da Guiné Equatorial? Ao contrário do que acontece com o semestre europeu, a presidência rotativa seria o momento para isso? O atual secretário executivo da CPLP é português... Um “dever de neutralidade” nalguns casos, como o que refere, é uma tomada clara de posição, em nada neutral. Escolhe-se o lado do opressor. No caso da Guiné Equatorial, a CPLP, Portugal incluído, não tem tomado medidas públicas claras. A Guiné Equatorial colocou em espera a abolição da pena de morte. A CPLP defende que dificilmente o país terá cargos de relevo na instituição. O ideal seria haver uma real capacitação da sociedade civil, uma aproximação da CPLP aos cidadãos, liberdade de movimentos entre os países que partilham o tal “património comum”.
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