É cada vez mais indisfarçável a divergência de pontos de vista entre Governo e Presidente da República sobre as regras para o país desconfinar. Esta quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa veio mesmo questionar a racionalidade do isolamento profilático aconselhado pela DGS e cumprido pelo chefe do Governo após ter estado em contacto com um assessor infetado, isto apesar de há mais de um mês estar vacinado com as duas doses.
"Há regras que têm que ser cumpridas, mas penso que se ganha em explicar aos portugueses a razão pela qual quem tem um certificado de vacinação completa há mais de um mês tem que cumprir as mesmas regras de quem ainda não se vacinou ou apenas se vacinou com a primeira dose", afirmou o Presidente. Com um aviso para as autoridades de Saúde e para o Governo: "Isto tem que ser explicado para que não haja a ideia errada de que a vacina não serve para nada".
Sem nunca referir o caso concreto do primeiro-ministro, que se encontra em isolamento profilático após um membro do seu gabinete ter testado positivo, Marcelo deixou claro em que caso concreto estava a pensar: "É preciso explicar porque é que uma pessoa vacinada há mais de um mês, que anda pela Europa e pelo mundo, fora do território nacional, no entanto está sujeita à mesma regra de uma pessoa não vacinada", afirmou.
Quem ainda esta semana andou pela Europa foi António Costa, que após ter estado no Conselho Europeu com o primeiro-ministro luxemburguês, que testou positivo, fez um teste mal chegou a Lisboa na segunda-feira e confirmou estar negativo.
Após saber-se que uma assessora sua em S. Bento estava infetada, a DGS recomendou, no entanto, que o chefe do Governo ficasse em isolamento profilático. E Marcelo assume considerar que nada disto é perceptível aos olhos dos portugueses, o que o leva a temer pela autoridade do Estado.
"A autoridade do Estado implica que as pessoas acreditem em quem define regras. Senão entram em desconfinamento selvagem, que não tem nada a ver com um desconfinamento organizado", alertou o Presidente da República, que há semanas defende uma nova narrativa, com o pé no acelerador das vacinas.
Foi aí que começou a sua divergência com o primeiro-ministro, desde que, há três semanas, Marcelo afirmou que o país não voltaria para trás no processo de desconfinamento, pelo menos no que dele dependesse (o estado de emergência) e António Costa respondeu-lhe que ninguém, nem o Presidente da República, estava em condições de garantir isso.
A divergência mantém-se e Marcelo aguarda com expetativa as decisões que amanhã sairão do conselho de ministros, embora cético no sucesso de medidas que tendam a criar restrições que as pessoas já se mostram menos predispostas a cumprir.
Na opinião do Presidente, a palavra-chave é "vacinar, vacinar, vacinar" e encontrar soluções para, a nível da Saúde, responder à esperada subida dos números nas próximas semanas, confiando que daqui a um mês ou dois o país estará mais próximo da imunidade de grupo.
O Governo, ao contrário, encara a subida dos números e os alertas dos epidemiologistas com cautela máxima e não dá sinais de querer arriscar, apenas confiando nas vacinas. Mas ainda não é certo que medidas sairão amanhã da reunião do conselho de ministros.
Marcelo espera para ver mas, sabe o Expresso, está cético relativamente a cercas como a da grande Lisboa, que no último fim de semana não impediu que largos milhares de pessoas saíssem, antecipando deslocações para outras zonas do país.
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