A auditoria interna pedida por Fernando Medina conclui que a Câmara Municipal de Lisboa enviou dados pessoais de manifestantes a embaixadas 52 vezes desde que entrou em vigor o Regime Geral de Proteção de Dados (RGPD), em 2018. Para a contabilização, explica o autarca, foi escolhido o critério da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que define que o nome próprio é já um dado pessoal que deve ser protegido.
Na apresentação dos resultados, nos Paços do Concelho, Fernando Medina fez um breve levantamento numérico das manifestações do período agora auditado, entre 2012 e 2021. No total de 7045 protestos em Lisboa, a Câmara comunicou às embaixadas 180 manifestações a envolver os respetivos países: 122 antes da entrada em vigor do RGPD, e 58 após. Dessas últimas, em 52 casos foram enviados dados pessoais dos promotores, nomes próprios ou outros.
De que embaixadas se trata, o autarca não disse. Referiu apenas que, entre os 52 casos, há representações diplomáticas e “entidades” repetidas.
“Foi uma prática inadequada que não devia ter acontecido”, lamenta Fernando Medina, acrescentando que “levou a um sentimento de insegurança de pessoas que já se manifestaram nesse sentido”, como os três ativistas anti-Putin.
Medina diz que este é o "critério mais rígido" para avaliar incumprimentos do RGPD — “há quem ache excessivamente rígido”, notou —, mas que isso não muda o facto de não ter havido “consciência de que se estava a cometer um erro pela repetição de um processo burocrático”.
Admitindo que passa a haver “um problema de confiança em relação ao município, que tem de ser encarado de frente”, Medina frisa que “não vai haver um conjunto generalizado de demissões” a propósito do caso. A começar na do próprio. Medina diz que não vai fazer qualquer pedido de demissão, a que se seguiria uma apresentação de candidatura às eleições autárquicas.
Ainda assim, há alguns nomes que vão cair, como se percebe pelas cinco medidas anunciadas pelo edil lisboeta. São elas:
1. Seguir a proposta da Amnistia Internacional e oferecer “uma avaliação de segurança, assim pretendam todos os cidadãos com dados enviados” pelo município. A CML vai contactar diretamente esses cidadãos.
2. A Câmara vai passar as competências sobre manifestações à Polícia Municipal, que limitará a partilha de informação em qualquer manifestação relativa a países estrangeiros apenas e só à PSP e ao Ministério da Administração Interna (MAI).
3. O gabinete de apoio à presidência, de onde saíam os e-mails para as embaixadas, será extinto e substituído por um novo departamento, denominado “divisão de expediente”.
4. Medina vai propor a exoneração do encarregado de proteção de dados e coordenador desta unidade.
5. Será também pedida uma análise externa “à robustez” desta estrutura de proteção de dados da Câmara. Medina disse mesmo que a autarquia vai sair mais forte deste caso e “será um organismo de excelência em relação à proteção de dados”.
As conclusões da auditoria serão enviadas para a comissão de proteção de dados e para o Ministério Público.
Caso de 2019 violou normas de 2012 e 2013, admite Medina
Na ronda de perguntas que se seguiu, o Expresso quis saber como se explica que o presidente da Câmara não soubesse do envio de dados a embaixadas quando, em 2019, surgiram notícias sobre as queixas de ativistas pró-Palestina, que reclamavam da partilha de informação com a embaixada de Israel em Lisboa. Medina respondeu que o caso é diferente do que agora foi tornado público pelos ativistas russos.
A única comunicação que foi feita à representação israelita foi a de que haveria uma manifestação contra o governo do país. "Não houve perceção da violação dos dados pessoais. Não houve nenhum alerta a partir desse caso de 2019."
Esse facto, por si só, já violou duas normas do município, admitiu Medina. Uma de 2012, que dizia que o aviso só devia ser dado se o protesto fosse junto à embaixada, o que não era o caso, e uma norma posterior, de 2013, que definia que esses avisos só deviam ser feitos à PSP e ao MAI.
Por isso, defendeu-se, o presidente da Câmara não foi informado. E por isso Medina disse, em entrevista à RTP a propósito do caso russo, que era natural as embaixadas serem avisadas sempre que houvesse um protesto em frente às sedes. “Quando prestei essas declarações, a informação que tinha era do despacho de 2012.”
Medina contraria ex-Governador Civil
O último Governador Civil de Lisboa, António Galamba, do PS, afirmou esta semana, na sequência do caso, que era “impensável” serem enviados dados de promotores de protestos a embaixadas. A auditoria apresentada agora por Fernando Medina vem contrariar essa afirmação.
O autarca contou que os avisos eram digitalizados e enviados, algo que o Governo Civil, entidade extinta em 2011, já fazia. “O Governo Civil transmitia na íntegra o aviso da manifestação. Fazia-o por cópia, ou por fax na altura (...) Se lá havia dados pessoais, eles eram transmitidos.”
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