Portugal tem necessidade de contar com Forças Armadas (FA) adaptadas ao ambiente estratégico. Isto é, com forças, meios e organização capazes e resilientes para fazer face à complexidade dos riscos e das ameaças numa conjuntura global mais dinâmica, incerta e imprevisível.
Neste quadro, as FA têm de garantir não só os nossos objetivos vitais enquanto Estado soberano e seguro, mas também responder aos compromissos assumidos perante os nossos parceiros e aliados. Sem desprezar a circunstância muito delicada da União Europeia (UE) que terá de assumir a sua própria defesa, através da europeização da NATO, apesar do reforço da coesão transatlântica.
Contudo, a situação que se vive nas FA é muito crítica, com contínuo processo de degradação, em resultado da incapacidade ao nível político de serem efectuadas reformas com uma visão estratégica, no médio e longo prazo, que garantam a continuidade das opções estratégicas assumidas para além dos ciclos da governação e interesses partidários. Não têm existido, de facto, recursos nem uma organização para concretizar qualquer reforma de fundo que urge desencadear antecedida de uma profunda reflexão.
A reforma “Defesa 2020”, iniciada em 2013, fracassou por ter sido efectuada apressadamente com medidas que se revelaram desajustadas da realidade, em especial, o estabelecimento do efectivo feito de forma acrítica sem um racional coerente e cortes aleatórios nos orçamentos.
Assim sendo o País reclama uma reforma da Defesa Nacional (DN) que estabeleça prioridades para umas FA mais modernas, mais operacionais e sustentáveis, integradas num edifício legislativo coerente, com os seus recursos optimizados. Uma alteração com esta dimensão terá de passar por um amplo debate e consulta, nos mais diversos sectores da sociedade civil e militar, tendo em vista a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), enquadrado pelo estudo aprofundado da situação estratégica.
Neste âmbito, a iniciativa reformista do MDN teria sido uma excelente oportunidade para lançar um debate mais alargado sobre a DN (componente militar e não militar) que não é responsabilidade exclusiva das FA, pelo que a alteração da sua estrutura superior deverá ser uma consequência devidamente integrada. Mas o poder político tem revelado um profundo desconhecimento da realidade copiando modelos de outros países, desfasados da nossa cultura organizacional. Para decidir é necessário conhecer ou saber ouvir quem conhece e sabe.
O MDN concluiu a “reforma do comando superior das FA” – com arrogância e argumentação falaciosa -, tendo sido subvertido o ciclo de planeamento estratégico. Os objectivos definidos estão imbuídos de equívocos irrefutáveis em que a redefinição de competências é incoerente e contraditória tendo como resultado conflitos institucionais. Por outro lado, qualquer reforma exige ser bem explicada e entendida e, por isso, não terá sucesso na sua implementação sem o envolvimento de quem faz parte da Instituição.
Com efeito, há necessidade de melhorar o modelo, mas sem atropelos à unidade e ao carácter da Instituição. Naturalmente tem de se actualizar para responder eficazmente às mudanças que o CEDN e o Conceito Estratégico Militar (CEM) dele resultante venham a estabelecer em relação às missões, capacidades, o sistema de forças e dispositivo com a quantificação dos efectivos.
O futuro próximo obrigará à definição de prioridades no emprego das disponibilidades financeiras dos Estados, mas será de avisada prudência não deixar de investir nas FA, pois já demonstraram ser essenciais nas missões de interesse público e na gestão de crises sem pôr em causa a missão principal estabelecida na Constituição da República.
Neste contexto, as FA estão conscientes das dificuldades que o País enfrenta. Mas, sem a reversão da grave situação orçamental são afectadas a gestão operacional, a manutenção e as condições de segurança, a saúde militar e as condições de vida e, consequentemente, a prontidão. Ou seja, sendo atingida a condição militar existe o risco das FA ficarem descaracterizadas e desarticuladas sem capacidade para cumprirem as missões, criando insegurança e incerteza na instituição e nos cidadãos.
Importa, pois, discutir o novo paradigma de FA que o País precisa em função dos objetivos politico-estratégicos estabelecidos – adequado à dimensão essencialmente marítima do País e à sua realidade social e demográfica -, tendo em conta o nível de ambição, assumido sem sofisma, em função dos recursos disponíveis e dos interesses de Portugal.
O sistema de forças deverá privilegiar uma estrutura baseada em capacidades de natureza conjunta, numa organização modular e flexível, assente em requisitos de prontidão. Todavia, a sustentabilidade de um novo modelo não deve ser discutida com uma visão meramente economicista ou contabilística, porque é redutora da Segurança Nacional com impacto negativo na função de soberania e autoridade do Estado.
Nestas circunstâncias, o País necessita de FA polivalentes para actuar na defesa militar e apoio à diplomacia (operações de paz e humanitárias), e também no plano não militar, centrado nas missões de interesse público e cooperação civil-militar. Forças bem treinadas de grande mobilidade, flexibilidade e interoperabilidade, com melhor integração das informações estratégicas e da defesa cibernética.
A actuação das FA depende, especialmente, da capacidade de defesa territorial, vigilância e fiscalização dos espaços de soberania e jurisdição nacional, resposta a crises e emergências complexas, intervenção autónoma no exterior (protecção e evacuação de cidadãos nacionais em áreas de conflito e segurança cooperativa), potenciando a capacidade de operações especiais. É, ainda, imprescindível aumentar a capacidade de defesa contra ataques híbridos.
Seria desejável que o novo CEDN – assumido pelos portugueses - pudesse ser um documento realista e ter um papel decisivo na configuração, apetrechamento e redimensionamento das FA.
O poder político deve ser questionado quanto à adequabilidade da componente militar da DN, sendo sua responsabilidade conferir estabilidade e dignidade à Instituição militar em que o País se reveja com orgulho.
Capitão-de-fragata (Reforma)
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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