Política

Medina disse que envio de dados só quando protestos se realizam junto às embaixadas. Mas foram enviados dados em manifs longe das embaixadas

As manifestações de apoiantes de Alexeï Navalny começaram a 23 de janeiro em várias cidades do mundo, incluindo em Lisboa
As manifestações de apoiantes de Alexeï Navalny começaram a 23 de janeiro em várias cidades do mundo, incluindo em Lisboa
MAXIM SHEMETOV

Fernando Medina disse numa entrevista à RTP que as informações enviadas para Rússia só o foram porque o protocolo de manifestações assim o exige quando o local de uma manifestação é perto de uma embaixada, mas há emails partilhados com a comunicação social pelo Comité de Solidariedade com a Palestina que mostram que houve dados enviados à embaixada da China e de Israel mesmo quando as manifestações tinham prevista uma localização longe das embaixadas

A garantia de Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal (CML) de Lisboa, à RTP, na quinta-feira à noite, de que o envio de informações sobre manifestações só acontecia quando estas estivessem marcadas para perto das embaixadas visadas não é exatamente assim.

O primeiro pedido conhecido de esclarecimento à CML por causa de assunto parecido foi feito em 2019 por parte do Comité de Solidariedade com a Palestina, durante outra onda de protestos contra Israel, precisamente por medo de que tivessem sido partilhadas informações de manifestantes com a embaixada israelita.

Na altura, as preocupações do coletivo mereceram uma resposta da CML e nos e-mails a que o Expresso teve acesso fica bastante claro o quão comum, na realidade, era a prática, pelo menos antes de a CML ter modificado os seus procedimentos internos, uma mudança desencadeada pelas queixas dos ativistas russos contra o facto de a CML ter enviado à embaixada da Rússia e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia vários dos seus dados pessoais, em janeiro de 2021. “Sempre que um país é visado pelo tema de uma manifestação, a sua representação diplomática no nosso país é igualmente informada”.

Além disso, na altura a CML assumia que também informou outras embaixadas da realização de concentrações, nomeadamente a da China e da Venezuela. “Por exemplo, tal procedimento foi feito aquando da comunicação recebida sobre a concentração promovida pelo Grupo de Apoio ao Tibete, no dia 25 de abril de 2019, no Largo do Camões, que assinalou o aniversário do Panchen Lama (...). Nesse caso, foi informada a embaixada da China”. A embaixada da China fica na rua São Caetano, perto da Avenida Infante Santo, em Lisboa, a cerca de 2.3 km do local da manifestação.

Igual procedimento, continuava a explicação da CML, “foi adotado aquando da comunicação recebida por parte de um conjunto de cidadãos que, ‘em solidariedade com o povo da Venezuela’, dinamizaram no dia 10 de Junho de 2019 ‘uma acção pública de informação sobre o bloqueio ilegal de fundos estatais venezuelanos pelo Novo Banco’”.

Esta acção decorreu frente à sede do banco na Avenida da Liberdade e a embaixada da Venezuela foi informada da manifestação”, confirma a CML. Pelo que se lê, este foi um evento a favor do atual Governo de Nicolás Maduro mas, mesmo assim, há informações que foram partilhadas. Tal como houve informações partilhadas, segundo ativistas palestinianos, com a embaixada de Israel em 2019, numa manifestação que aconteceu perto do Coliseu, no centro de Lisboa, quando a representação diplomática de Israel fica a 2.3 km. Israel diz que não recebeu quaisquer dados, mas já lá vamos.

Fernando Medina também já confirmou que será feita uma auditoria a todas as manifestações que ocorreram na capital pelo menos desde 2011, ano em que houve uma passagem para a câmara de responsabilidades dos governos civis, extintos nessa altura, o que fez transitar para as autarquias algumas competências sobre realização de manifestações. A CML diz estar agora a averiguar que tipo de dados poderão ter sido enviados em conjunto com a informação genérica como data, hora e local previsto para a sua realização.

O último governador civil de Lisboa, António Galamba (PS), afirmou esta sexta-feira que, no tempo em que esteve responsável por receber pedidos de manifestações, “era impensável” a inclusão de dados sobre os promotores dos protestos na informação transmitida a diversas entidades, nomeadamente embaixadas. “O que se fazia era enviar uma informação, quer para as forças de segurança quer eventualmente para as embaixadas, mas nunca com os dados das pessoas. Só a dizer que vai haver uma manifestação no dia tanto, às tantas horas, durante este período, mas nunca se enviou com os dados concretos das pessoas que tinham solicitado a manifestação. Isso é uma coisa inacreditável”, disse, citado pela Lusa. António Galamba trabalhou com o atual primeiro-ministro, António Costa, enquanto este foi presidente da CML, de 2007 e 2015.

O Expresso já pediu à CML informações que possam esclarecer que tipo de dados foram enviados para todas estas embaixadas e todas as outras visadas por manifestações desde 2011 e até abril deste ano. Um rápida pesquisa na internet mostra, por exemplo, que a 12 de agosto de 2018 realizou-se uma manifestação pela “Libertação do Tibete”, em frente ao Palácio de Belém; a 15 de fevereiro de 2015 outra, no Edifício da Comissão Europeia, contra alguns dos principais atores da troika, nomeadamente a chanceler alemã, Angela Merkel, e o ex-primeiro ministro português Pedro Passos Coelho, e a 21 de junho de 2018, no Largo Camões, houve uma outra concentração contra o ex-Presidente norte-americano Donald Trump.

O tipo de informação partilhada, com que frequência, com que países durante 10 anos de vigência deste protocolo está por conhecer.

Afinal Israel não pediu dados de ativistas

Esta sexta-feira, a CML voltou a deparar-se com mais uma informação que vai contra o que tanto o presidente quando os assessores da CML têm oferecido como esclarecimento para o caso da partilha de dados de ativistas russos.

Numa primeira reação à Renascença na quarta-feira à noite, pouco depois de o Expresso ter publicado a história, a CML disse que a queixa dos ativistas russos tinha levado à modificação dos procedimentos internos no que diz respeito ao envio de dados sobre manifestações a países que nelas fossem visados. Por isso mesmo, disse a CML, os pedidos de Angola, Cuba e Israel para que lhes fossem enviadas informações sobre as manifestações que, desde abril, se realizaram em Lisboa por opositores dos respetivos governos não tinham sido aceites. Ora, a embaixada de Israel emitiu esta sexta-feira um comunicado onde garante nunca ter pedido informação à CML sobre quaisquer protestos. Em maio, tal como aconteceu em diversas cidades europeias, Lisboa foi palco de uma demonstração pública contra a ofensiva israelita sobre Gaza.

“A embaixada de Israel nunca pediu, nem nunca recebeu da Câmara Municipal de Lisboa dados com informação de ativistas. O que a Embaixada de Israel recebe das autoridades portuguesas é a informação do dia e da hora a que vai ter lugar a manifestação nas proximidades da embaixada”, escreveu no Twitter a representação diplomática.

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