Política

Portugal teria de pedir um navio emprestado para resgatar cidadãos no estrangeiro, admite o ministro da Defesa

Portugal teria de pedir um navio emprestado para resgatar cidadãos no estrangeiro, admite o ministro da Defesa
MÁRIO CRUZ/LUSA

Embora diga que "não é apropriado" classificar a Marinha como estando à beira da catástrofe - apostado em ter a Armada mais bem equipada de sempre - João Gomes Cravinho admite que, se fosse preciso repetir uma missão de resgate de portugueses como na Guiné em 1998, era necessário pedir um navio reabastecedor emprestado a um país amigo. Quanto à reforma das Forças Armadas, considera "descabida" a acusação de que há "interesses" por trás dela, diz que é preciso acabar com rivalidades entre os ramos, mas nega a existência de "turbulência"

Portugal teria de pedir um navio emprestado para resgatar cidadãos no estrangeiro, admite o ministro da Defesa

Vítor Matos

Jornalista

Recusou que houvesse "turbulência" nas Forças Armadas e nas atuais chefias, disse que entre os oficiais jovens há maior "aceitação" da sua reforma do comando superior - que concentra poderes no chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (CEMGFA), e negou que a Marinha esteja à beira da "catástrofe", contrariando a descrição que antigos chefes do Estado-Maior da Armada fizeram ao Expresso. Em entrevista à RTP, o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, respondeu ao "grupo dos 28" ex-chefes militares críticos, e pediu explicações sobre as suspeitas levantadas sobre os negócios de armas e imobiliário. Mas admitiu que, para uma missão de emergência como o resgate de cidadãos, a Marinha teria de pedir um navio reabastecedor emprestado a um país amigo.

Muito atacado nos últimos dois meses por generais e almirantes na reforma, João Gomes Cravinho descreveu a necessidade da concentração do comando dos assuntos militares no CEMGFA como uma mudança que estava em processo desde 2009 e nunca tinha sido completada: "O que estamos a fazer é a fechar um ciclo de reformas que toda a gente que observava a realidade da Defesa percebia que tinha de acontecer". E deu como exemplo o caso da pandemia, em que houve muito "trabalho de concertação" e "discussão com as chefias", mas na verdade as coisas só andaram quando o ministro fez um despacho a colocar tudo o que fosse covid sob comando do CEMGFA. "Aí tivemos uma fluidez muito superior", justificou.

De resto, o ministro resumiu que o objetivo é mesmo dar "o comando único de tudo o que seja militar ao CEMGFA", ficando os ramos militarmente subordinados, mas não em questões administrativas ou orçamentais. A justificação prende-se com o tipo de missões que hoje "exigem interoperabilidade e colaboração entre os diferentes ramos, o que é mais fácil com um comando único". E apontou às rivalidades entre os três ramos: "Não tem sido possível pensar o futuro das nossas Forças Armadas enquanto tal, porque cada um dos ramos funciona com a sua lógica, energia e pulsões".

Onde essas tensões costumam evidenciar-se é na negociação da Lei de Programação Militar (LPM), onde cada ramo compete pela maior fatia de compra de equipamento. Daí que, na nova arquitetura legal, os chefes do ramos tenham apenas poderes de consulta e não de deliberação nessas matérias: "Na LPM, a ideia é que se possa comprar equipamento que faça sentido para as Forças Armadas e não apenas para este ou aquele ramo".

Quanto às críticas do "Grupo dos 28" ex-chefes militares - e de dois ex-Presidentes da República - o ministro diz não ter ficado surpreendido, por ser uma instituição "avessa a mudanças", e deixou uma indireta a Ramalho Eanes quando recordou que, em 1982, os militares também contestaram a reforma que acabava como Conselho da Revolução de forma muito "veemente". "São muitas pessoas envolvidas, com muitas motivações e formas de estar e um ou outro pode ter sido menos correto", apontou.

Verdadeiramente "surpreendido" diz ter ficado com a insinuação da carta dos antigos chefes de que havia "interesses" nos negócios de compra de equipamentos militares e de imobiliário. "Não sei o que é essa coisa, mas parece-me completamente descabido, esta reforma não tem nada a ver com o mundo dos negócios, antes pelo contrário". E deixou a ideia subliminar que os ramos estão sujeitos a essas pressões: "Em relação à LPM, passa a haver uma lógica de conjunto, pois hoje os ramos fazem as suas próprias opções e assim há, no plano teórico, mais permeabilidade a pressões. Gostava de conhecer melhor o pensamento que esteve por detrás disto."

Um novo navio reabastecedor custa mais de €150 milhões

Confrontado com as notícias do Expresso sobre as deficiências da Marinha de Guerra, João Gomes Cravinho desvalorizou o facto de só uma das cinco fragatas estar neste momento a navegar. "São meios complexos, que têm ciclos longos de manutenção programada. E nunca tivemos as cinco disponíveis". Pelas contas do ministro da Defesa, há duas fragatas operacionais, embora tenha admitido que uma delas está a fazer "uma revisãozinha pontual" antes de ir para uma missão na NATO. "Quando levamos o carro a fazer uma revisão, não podemos dizer que não está operacional", insistiu. Ou seja, na verdade hoje só está mesmo uma a navegar. "Temos duas fragatas e uma a caminho", quase de regresso de uma grande revisão na Holanda.

Otimista quanto ao futuro, argumentou que, com a encomenda de mais seis Navios de Patrulha Oceânicos anunciada a semana passada, "teremos a Marinha mais bem equipada do que alguma vez tivemos". E anunciou, por causa da lição aprendida com as fragatas, que vai "incorporar as preocupações da manutenção de uma forma mais profunda" nos novos patrulhões.

Embora o ministro considere que classificar a situação da Marinha como de "catástrofe não é apropriado", concordou que a falta de um navio reabastecedor, depois do abate do "Bérrio" cria problemas operacionais. Confrontado por Vítor Gonçalves com a notícia do Expresso de que sem este meio seria impossível a Portugal realizar uma operação de resgate como na Guiné-Bissau em 1998, Cravinho assumiu que o país não tem essa autonomia. "Há discussões com países aliados para colmatar esse problema em caso de necessidade". E explicou que agora é preciso refazer as prioridades para que se possa gastar entre €150 e €180 milhões de euros num novo navio fornecedor de combustível. Ainda vai levar tempo.

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