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Retratos dos contestatários de Catarina Martins

Mário Tomé, uma das vozes críticas no interior do Bloco, respondeu à profecia de Francisco Louçã. Prefere um Bloco mais duro com o centro, “nem que isso impeça a Mariana de ser ministra das Finanças”
Mário Tomé, uma das vozes críticas no interior do Bloco, respondeu à profecia de Francisco Louçã. Prefere um Bloco mais duro com o centro, “nem que isso impeça a Mariana de ser ministra das Finanças”
Rui Duarte Silva

Um não tem ainda 30 anos, outro já passou dos 80, um terceiro quer que o Bloco se livre da “poeira da histórica” e da “tralha estalinista”. E há ainda um recordista de subscrições únicas de alterações aos estatutos do partido — 64. A oposição à liderança de Catarina Martins converge no conteúdo das críticas, mas é diferente, em forma e em ideias de futuro. Estas são as principais figuras lado B da Convenção

*Artigo atualizado com correção e esclarecimentos de Mário Tomé

Como se adivinhava, a redução do peso de delegados em apoio à atual direção do Bloco de Esquerda trouxe à Convenção mais espaço e mais tempo para a oposição interna. Entre as quatro moções levadas ao púlpito, ouviram-se críticas comuns, sobretudo relacionadas com o ‘geringoncismo’ e a asfixia democrática interna que o Expresso ouviu durante a semana de antecipação da reunião magna. Sendo certo que nas propostas a oposição não esteve muito longe do que disse a própria direção: é preciso fugir do centro para não matar a esquerda.

Ainda assim, a liderança agradeceu os reparos. Catarina Martins não gosta de “unanimismos”, Francisco Louçã “de maiorias norte-coreanas”. No Bloco há espaço para todos, repetiram. E numa Convenção há ainda mais.

Mário Tomé, o histórico que quer deputados ao lado de trabalhadores, “mesmo que isso não deixe a Mariana de ser ministra”*

Não foi o responsável por apresentar a Moção E, o documento de orientação política do movimento Convergência, a maior das correntes minoritárias do partido — essa tarefa foi entregue a Ana Sofia Ligeiro —, mas é incontornável, como foi o discurso que levou à Convenção. Histórico militar, ex-deputado e membro do partido, Tomé recuou aos primórdios para pedir “a proibição dos despedimentos com que o capital resolve todas as crises” e a “cada vez mais bárbara sofisticação da exploração dos trabalhadores”, materializada na robotização da sociedade. O Convergência não quer “subordinar qualquer luta aos nossos interesses políticos, como infelizmente já fizemos [nós, Bloco]”.

Mário Tomé lembrou a importância das ruas, explicando que a sua proposta é que os deputados interrompam, se necessário, “uma importantíssima intervenção na tribuna de São Bento para ir a correr colocar-se ao lado dos trabalhadores a serem brutalizados”. A pergunta é sempre a mesma, disse o militar: “Afinal, de que lado estamos? Sempre do lado de quem luta pelos explorados e espezinhados, mesmo que isso não deixe a Mariana ser ministra das Finanças”.

Nesta altura, bateram-se palmas, embora não tantas nem tão alto quanto as que ouviu o homem que voltou a prever esse futuro a Mortágua, minutos antes: Francisco Louçã.

Mário Tomé fez a crítica ao facto de os “legítimos intérpretes do pensamento do Bloco” darem e tirarem confiança política a militantes e deputados “conforme lhes apraz”. “Perdemos a confiança política em ti, camarada. Paciência”, exemplificou.

Na primeira versão deste artigo, o Expresso atribuiu erradamente essa referência a uma suposta perda de confiança em Mariana Mortágua, que Mário Tomé esclarece que nunca existiu. Elogiando a deputada, diz que “essa tal figura da confiança política leva à imposição do pensamento único”, o que condena. Aos visados, o Expresso endereça as mais sinceras desculpas.

Aos 80 anos, o 'Major Tomé' citou ainda Greta Thunberg e pediu a substituição do capitalismo por uma sociedade ecossocialista.

João Patrocínio, o jovem na luta contra “os corredores do poder”

Representa a ala jovem e mais radical do partido, pelo menos no que consideram “a mediatização excessiva” do Bloco, que salta entre “os assuntos da semana” e torna toda a política “de curto prazo”. Entre a comunicação social e “os corredores do Parlamento” não se faz “a mudança”.

As críticas que Patrocínio foi deixando ao longo da Convenção - interveio duas vezes no sábado, foi ouvido também pelos jornalistas - prendem-se ainda com o tipo de negociação interna do Bloco, que para a Moção Q deixou de existir. A prioridade devia ser agora “a renovação da democracia interna” e o regresso às bases, “em vez da centralização excessiva do poder”.

Às vezes, os críticos também são críticos dos críticos. Patrocínio queixou-se da redução do número de delegados, que “nenhuma medida sanitária justifica”, mas disse que a moção Q não faz como outras, “que preferiram saltitar entre o apoio e a oposição, conforme lhes deu jeito”. A referência ia na direção da Moção E, cujos membros, como Mário Tomé ou o ex-deputado Pedro Soares, foram na última Convenção apoiantes da direção.

Américo Campos, o antiestalinista a querer matar o século XX

Talvez o discurso mais inusitado da Convenção tenha sido o de Américo Campos, centrado na ideia de que a maioria dos militantes do Bloco hoje já “não tem nada a ver com as correntes do século XX”. Daí a oposição da Moção C, que olha para o lado e vê que as duas moções mais fortes (A e E) “são sustentadas por três tendências: uma leninista, uma trotskista e uma estalinista”.

Américo Campos encontra méritos nos dois primeiros. Enquanto elogiava Lenine como pensador e Trotsky como “grande revolucionário”, ainda que criticando-lhe a falta de dotes de estratega, ouvia-se um ‘bruá’ no Pavilhão, ao qual respondeu. “Vejo que os estalinistas não querem que eu fale. Mas eu vou continuar.” De Estaline, as “pessoas decentes só podem repudiar os seus crimes”. Aprender o que ele fez, “e fazer tudo ao contrário”.

Não parecia, mas Campos estava ali para falar de futuro. “É pitoresco que três russos envolvidos numa revolução mal sucedida ainda influenciem um partido de esquerda português no século XXI.” A Moção C quer um Bloco “virado para o futuro, para a democracia, liberdade e socialismo”, liberto “da poeira da história”, da “tralha estalinista” e mais próximo “do povo e dos seus anseios”.

Paula Rosa, a revolucionária com tranquilidade

Foi a Paula Rosa que coube apresentar a Moção N, que propõe “recuperar a palavra revolução” e “contrariar o crescimento da extrema-direita”.

O discurso não teve grande fôlego — nem precisava, já que “saber ouvir empaticamente é mais importante do que discursar” —, mas foi dos poucos que centrou a atenção no crescimento da extrema-direita, nos “neofascistas” à espreita. A Moção N pede atenção à infiltração de extremistas nas forças policiais, propõe “formação antirracista obrigatória para professores e alunos, polícia, justiça e titulares de cargos políticos” e convida o Bloco a ir para a rua ouvir os “deserdados” e conquistar novos militantes, “politizados pelas experiências”.

Não deixemos que a revolução seja utopia, ainda que a façamos de forma tranquila e ponderada.”

Jorge Martins, o recordista de alterações aos estatutos

O primeiro dia completo de Convenção, logo depois do tiro de partida de Catarina Martins, começou com a votação de alterações aos estatutos do partido. Entre dezenas de propostas, há 64 que se destacam. Porquê? Têm apenas um subscritor, Jorge Martins.

Não é propriamente um crítico, nem sequer é delegado ou subscritor de qualquer das moções. Onde este militante bloquista marcou pontos foi mesmo na diferença. Além da preocupação com os estatutos, não se viu outro de viseira na cabeça e calções nas pernas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jdcorreia@expresso.impresa.pt

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