Política

Catarina Martins quer mais emprego com a “bazuca”: que “produza riqueza” em vez de “produzir ricos”

À beira de uma Convenção Nacional, o Bloco de Esquerda mantém que os acordos para uma governação à esquerda só não se fazem se o Partido Socialista não quiser
À beira de uma Convenção Nacional, o Bloco de Esquerda mantém que os acordos para uma governação à esquerda só não se fazem se o Partido Socialista não quiser
HUGO DELGADO

Em entrevista à Antena 1, Catarina Martins voltou a mostrar a disponibilidade do Bloco de Esquerda para negociar com o PS as medidas do próximo Orçamento do Estado, sobretudo o investimento que vier da 'bazuca'. Recusou a ideia, a que o próprio António Costa aludiu, de um divórcio entre os partidos — “essas expressões não ajudam”. E sobre as acusações de violência doméstica no partido, mantém: todas as denúncias são para ser “levadas a sério”, mas o Estado de Direito também — uma acusação numa rede social “não acaba com a presunção de inocência”

O Bloco de Esquerda continua disponível para negociar com o PS as linhas com que se vai coser o Orçamento do Estado para 2022, garante que não está zangado com o partido de Governo, mas volta a deixar clara a insatisfação com o que tem acontecido nesta legislatura. “Recusamos um PS minoritário que não negoceia com ninguém” e em que “os outros são obrigados a aprovar tudo, quer concordem ou não”, detalhou Catarina Martins. “Muito menos em altura de crise.”

Então e se à crise económica se juntasse uma crise política? A líder do BE não vê motivos para a temer — o grande receio, afirma, é que surja um “mau Orçamento do Estado”, como o de 2021, a que os bloquistas se opuseram.

Em entrevista à Antena 1 esta manhã, Catarina Martins posicionou-se contra “o exercício permanente da chantagem” na política. Ou seja: abrir portas à negociação, sim; cheques em branco, não. É que, apesar das diferenças entre os dois partidos no plano europeu, vem aí uma “bazuca”, que o BE quer evitar que “produza ricos” em vez de “produzir riqueza”.

A coordenadora do Bloco de Esquerda não gosta de metáforas matrimoniais. Recusa a ideia de que o partido se tenha “divorciado” do outrora parceiro PS, embora a expressão tenha sido sugerida pelo próprio primeiro-ministro, em entrevista ao DN, JN e TSF. “Conheço pessoas que se divorciaram e voltaram a casar-se anos depois”, contou António Costa.

A líder do Bloco responde, aliás, que talvez o PS nunca tenha querido assim tanto esse casamento metafórico, assinado em 2015, inaugurando o período da chamada geringonça, mas tenha sido a isso obrigado “pela aritmética das eleições”. Do ponto de vista dos bloquistas, o saldo foi positivo, mas ficou muito por fazer, daí a disponibilidade para o repetir. Só que it takes two to tango e “o PS não quis.

A dança de 2015 fez-se a três, juntamente com o PCP, sobre o qual Catarina Martins não se quis alongar na entrevista à rádio pública. Registou apenas que, já depois de os comunistas terem ajudado a aprovar o OE que o Bloco não queria, “o Governo teve de alterar os apoios sociais”. Ou seja, na leitura do Bloco, as alterações de “uma série de medidas” nos últimos meses, algumas a levarem o Executivo a recorrer ao Tribunal Constitucional, são o reconhecimento de que “aquele Orçamento não servia”.

A convergência à esquerda é então fundamental para trabalhar a criação de emprego, uma das grandes bandeiras que o Bloco quer pôr na discussão dos próximos meses, a reboque do Plano de Recuperação e Resiliência. Emprego seguro, estável, bem remunerado. “Nenhum de nós acredita que no sector privado apareça esse emprego.”

E por isso, é preciso voltar a olhar para a geringonça. “Em 2015 não havia uma extraordinária proximidade” e o acordo conseguiu-se, lembrou Catarina Martins. Em 2021, o cenário é bem diferente, mas as cartas estão na mesa. “Nós nunca falámos em linhas vermelhas, porque temos sempre disponibilidade para negociar soluções.

O crime [violência doméstica] é muito grave e as denúncias devem ser levadas a sério (...) nunca vamos desqualificar nenhuma denúncia. Dito isto, uma acusação numa rede social não acaba com a presunção de inocência, num Estado de Direito, que também levamos muito a sério.”

Presunção de inocência não acaba na rede social

A menos de uma semana da XII Convenção Nacional do Bloco de Esquerda (22 e 23 de maio, em Matosinhos), há outro tema a marcar a agenda não só do partido como do país: o assédio sexual e a violência contra as mulheres. Acusado por uma ex-militante, o deputado Luís Monteiro renunciou à candidatura à Câmara Municipal de Gaia, ainda que mantendo a cadeira no Parlamento e negando qualquer ato violento contra a antiga namorada.

Catarina Martins repetiu a posição oficial do Bloco, entre a voz da vítima e a presunção de inocência. Com um ou dois tiros às dinâmicas das redes sociais. “O crime [violência doméstica] é muito grave e as denúncias devem ser levadas a sério (...) nunca vamos desqualificar nenhuma denúncia. Dito isto, uma acusação numa rede social não acaba com a presunção de inocência, num Estado de Direito, que também levamos muito a sério.”

A mesma bitola foi usada para a suposta desfiliação em massa de militantes do partido, ideia também difundida nas redes sociais. Nessas redes, há “muitos factos verdadeiros”, mas também “fenómenos que não têm contacto com a realidade”.

Por agora, ainda não há substituto para a corrida a Gaia, e também não há expectativas demasiado altas em relação às possibilidades de o Bloco conseguir uma Câmara, o que seria inédito. “Somos realistas”, garante Catarina Martins. “O poder local está muito cristalizado, as assembleias municipais não têm visibilidade.” O objetivo passa então por aumentar o número de vereadores e poder intervir com mais força nas políticas das cidades, nomeadamente as habitacionais.

A coordenadora do BE deu o exemplo de Lisboa, em que o partido tem um vereador com o pelouro da educação e dos Direitos Sociais, como uma boa prova de que é possível conseguir “avanços significativos” entrando nos executivos camarários. Para isso, a disponibilidade para acordos pós-eleitorais é também total, exceto se estes incluírem a direita.

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