Política

CGTP-IN: O lado D da Cimeira do Porto, o dos descrentes nos líderes europeus

Manifestação da CGTP-IN no âmbito da Cimeira Social, organizada pela Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), no Porto, 8 de maio de 2021
Manifestação da CGTP-IN no âmbito da Cimeira Social, organizada pela Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), no Porto, 8 de maio de 2021
RUI FARINHA/LUSA

Mais de três milhares de trabalhadores de norte a sul do país participaram na grande manifestação da contra-cimeira organizada pela CGTP-IN, que se concentrou em frente à Câmara do Porto. Isabel Camarinha acusa líderes europeus e o Governo português de "brutal propaganda" e ações concretas zero

CGTP-IN: O lado D da Cimeira do Porto, o dos descrentes nos líderes europeus

Isabel Paulo

Jornalista

Milhares de manifestantes de todas as idades desfilaram na rua de Santa Catarina rumo à Avenida dos Aliados, no Porto, em protesto contra a falta de resposta do Governo e da União Europeia à crescente precariedade de emprego e aos baixos salários praticados num país em que 30% dos trabalhadores são pobres e 25% vive com o salário mínimo. As contas são da secertária-geral da CGTP-IN, Isabel Camarinha, que não se conforma com a “propaganda” da Cimeira Social do Porto, nem acredita nas metas traçadas dos líderes europeus.

“Não digo que foi uma desilusão porque nunca estivemos iludidos, já que conhecíamos os documentos e os constrangimentos a discutir na cimeira”, afirmou Isabel Camarinha no final da manifestação, dando a título de exemplo a apresentação do Programa de Estabilidade, entregue a Bruxelas, em que volta a “estar colocada a ditadura do défice”.

Tal como a líder da CGTP, José Sousa, 72 anos, é outro dos descrentes nas “promessas” de mudança da cimeira que trouxe ao Porto 24 chefes de governo e os líderes da UE. “Uns artistas”, diz o ex-trabalhador da construção civil, a viver com uma reforma de € 775, “depois de 45 anos de trabalho”. “Acha que chega para viver com dignidade?”, pergunta sem esperar pela resposta: “Vai dando para pagar a renda, a água, luz e a alimentação é a possível. É por isso que estou aqui nesta luta para que o mais novos não tenham que viver assim apertados a vida toda”.

Paulo Mouta tem 40 anos, trabalha na FNAC, “felizmente tem contrato”, mas “não é a realidade” de muitos familiares e amigos. “O país está mal e vai piorar quando se acabarem as moratórias, e receio que desta cimeira vá sair planos, metas que demorarão anos a sair do papel”, alega, questionando há quantos anos Portugal aderiu há CEE.

Rosa Brito, 45 anos, trabalha há 23 anos na mesma empresa, têxtil mas que prefere não nomear. “Preciso continuar a trabalhar, mas o ambiente na firma tem piorado muito. A segurança é pouca, os aumentos nem se sentem ao fim do mês e a patroa só nos deita abaixo, que ela é que sabe tudo”, conclui, referindo que é, por isso, que não podia ficar em casa alheia à manifestação da CGTP.

Ao som de Zeca Afonso, Fausto, Sérgio Godinho, à mistura com muitas palavras de ordem, novas e batidas, a marcha chegou aos Aliados, colorida por pendões, faixas e bandeiras. “CGTP Unidade Sindical”, “Contra as privatizações - Defender os Serviços Públicos”, “Mais soberania, mais emprego para desenvolver Portugal”, Trabalhadores das IPSS exigem salários dignos”, “Trabalhadores“ despedidos do Casino da Póvoa exigem reintegração”, “Trabalhadores da Cervejaria Galiza exigem reabertura da empresa”, O meu salário não chega ao fim do mês” ,“O Direito à Contratação está na Constituição” ou “Não quero receber por baixo da mesa, foram algumas das reivindicações repetidas.

Além de não acreditar no apregoado salário mínimo europeu, Isabel Camarinha fez questão de alertar que a Cimeira do Porto não terá passado de “uma brutal propaganda”, ao mesmo tempo que defendeu a subida do salário mínimo nacional para € 850 euros e as 35 horas de trabalho para todos os trabalhadores. “O plano de ação da UE não garante o emprego com direitos, antes o emprego adaptável e a flexibilidade para os patrões, com os bancos de horas, o trabalho ao sábado, domingos e feriados”.

“Os trabalhadores são cada vez mais peças descartáveis nos planos do lucro, enquanto a precariedade laboral adia projetos”, afirmou Camarinha, indignada que na Cimeira Social se apregoe “tudo e mais um par de botas”, enquanto se permite períodos de trabalho experimental para quem chega ao mercado, “jovens que findo o prazo não são contratos e são substituídos por outros para o mesmo lugar, enquanto os patrões pagam zero”.

PCP e BE desiludidos com Cimeira

Jerónimo de Sousa, que se associou à manifestação, afirmou que a Cimeira Social da UE não deu resposta ao fim da precariedade no emprego e à valorização dos salários dos trabalhadores. “Depois de décadas a proclamar grandes objetivos, como o pleno emprego e a erradicação da miséria, a UE não deu resposta à situação cada vez mais dramáticas de milhões e milhões de pessoas, não só portugueses, como à escala europeia”, afirmou o secretário-geral do PCP, que criticou ainda os líderes europeus pela falta de respostas no quadro da pandemia e num quadro geral d “emprego com direitos”, que tem vindo a penalizar “a juventude, confrontada com o drama do contrato a termo, à hora, à peça, com tudo o que isso gera nas suas vidas”.

Para Jerónimo de Sousa, o atual Governo tem um problema, “que é o do enorme seguidismo em relação às decisões e imposições sem qualquer questionamento”. E conclui que não é esta cimeira social que vai determinar que “a referência do salário mínimo nacional seja a da média dos países da UE”, convicto que se está a “tentar vender gato por lebre”.

Catarina Martins, que também integrou a manifestação convocada pela CGTP, considerou que a Cimeira Social do Porto foi “uma profunda desilusão” devido à ausência de medidas concretas. “A UE, um dos espaços económicos mais ricos do mundo tem 100 milhões de pessoas a viver na pobreza e não há uma única medida concreta, nem para o emprego, nem para o salário mínimo europeu”.

“Nesta pandemia, plataformas digitais como a Uber, Glovo ou Amazon, aumentaram os lucros em milhões e milhões, enquanto os estafetas trabalham na mais absoluta precariedade, 12, 14 horas por dia, e mesmo assim não saem da miséria”, advertiu a coordenadora do BE, lembrando que o que a UE tem a dizer sobre este cenário “é zero”.

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