O ministro, que já disse não esperar “obstáculos” por parte das chefias militares, recuou em pelo menos dois pontos na reforma que se avizinha e atenuou outros, que são considerados como pouco mais do que cosmética
Os diplomas para a reforma do comando superior das Forças Armadas (FA) que o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, já enviou para a Assembleia da República, seguiram com um conjunto de alterações em relação aos documentos que foram apresentados aos partidos e ao Presidente da República (primeiro no Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN) e depois no Conselho de Estado). Marcelo, o comandante supremo das FA já tinha recomendado ao Governo, no comunicado final do CSDN, que era “fundamental o papel dos chefes dos três ramos”, que o ministro posteriormente ouviu por três vezes: mas fontes militares ouvidas pelo Expresso valorizam sobretudo duas alterações e consideram as restantes como apenas “cosméticas”.
A proposta governamental para alterar a Lei Orgânica de Bases da Organização das FA (LOBOFA), que tem como objetivo aproximar Portugal do modelo dos outros países da NATO, concentrando poder no chefe do Estado-Maior General das FA (CEMGFA) - este passa assim a deter o comando operacional que deixa de estar disperso pelos ramos - estava a ser contestada numa série de aspetos pelos chefes de Estado-Maior do Exército, da Armada e da Força Aérea. Das reservas apresentadas pelas chefias militares, o Governo deixou cair o chamado “recurso hierárquico” das decisões e atos dos chefes, que era possível numa versão anterior, e recuou noutra questão incómoda para os ramos, relacionada com a nomeação dos comandantes de componente.
O ministro, que na semana passada avisou não esperar "dificuldades e obstáculos" por parte das chefias militares - apesar das resistências verificadas - constatou a existência de “turbulência em antigos chefes, mas não nos atuais chefes". E cedeu num ponto que tem a ver com a nomeação dos comandantes de componente, ou seja, os comandantes operacionais das forças terrestres, do comando naval e do comando aéreo (as forças que estão prontas a atuar ou já em missão).
Se, numa primeira versão, o CEMGFA nomeava estes comandantes apenas ouvindo as chefias, na proposta final estes comandantes passam a ser nomeados e exonerados pelo ministro da Defesa, sob proposta dos chefes dos ramos (e apenas ouvindo o CEMGFA). Este projeto de reforma mereceu a oposição do ex-Presidente da República general Ramalho Eanes no Conselho de Estado, e mesmo em Belém era visto como necessitando de equilíbrio para não esmagar ou diminuir os chefes dos ramos. O facto de apenas serem ouvidos na escolha dos comandos mais importantes dos ramos - os das forças operacionais - estava a ser visto como um “apoucamento”, como chegaram a descrever ao Expresso fontes militares. Ou, de forma mais genérica, “como um atropelo à unidade”, como disse Ramalho Eanes ao Expresso.
Na versão enviada para o Parlamento, o Governo também amaciou a formulação sobre a forma como estes comandos de componente passam para a dependência do CEMGFA: em vez de ser automático, são os chefes a dar a ordem para os comandos operacionais passarem para a dependência direta do CEMGFA, depois de este o determinar. E é a partir daqui que militares contactados pelo Expresso descrevem as alterações como mera “cosmética”.
No que respeita à polémica que tem a ver com o despacho dos chefes dos ramos com o ministro, não muda muito: como já estava previsto, podem reunir com o ministro da Defesa no Conselho Superior Militar, e em relação a matérias que tenham a ver com a execução da Lei de Programação Militar (compra de equipamentos) e com a Lei de Infraestruturas Militares (gestão de edificado), mas não em relação à sua concepção. O Governo acrescentou ainda que o despacho também pode incidir em “matérias administrativas e de execução orçamental que resultem da lei”.
Outro aspeto que estava a motivar as reservas das chefias - o Conselho de Chefes de Estado-Maior perder várias competências deliberativas - mereceu algumas clarificações, mas sem alterar o conteúdo da proposta inicial. Fica mais claro que os chefes dão “parecer” em vez de apenas serem “ouvidos”, como estava nas versões anteriores. Resta agora saber que propostas de alterações vão apresentar os partidos.
Na passada quinta-feira, João Gomes Cravinho rebateu ainda a ideia de haver uma concentração excessiva de poderes na figura do CEMGFA e recordou "que isso é a norma nas Forças Armadas", que são uma "organização hierárquica de poderes". Segundo o ministro, a proposta tenciona que as Forças Armadas sigam a mesma "lógica" dos modelos de "todos os aliados europeus", que nos últimos 20 ou 25 anos fizeram reformas neste sentido. "Não vejo que haja razão para haver dispersão no comando das Forças Armadas", justificou. "Achamos que há grandes vantagens operacionais e em termos de eficácia para concentrar este poder no CEMGFA, o que representa uma melhoria no comando que deixa de estar disperso e passa a ser mais fácil de exercer". Até a "prestação de contas neste momento é muito difícil pela dispersão", concluiu.
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