A despenalização da eutanásia foi aprovada esta sexta-feira no Parlamento por larga maioria. Quase um ano depois, o diploma final – que resulta da fusão dos projetos do BE, PS, PAN, PEV e IL – teve luz verde com 136 votos a favor, 78 votos contra e quatro abstenções. Agora o diploma seguirá para Belém - só por o CDS ter suscitado um adiamento é que não caiu em plena campanha eleitoral para as presidenciais - , cabendo ao Presidente da República promulgá-lo, vetá-lo ou enviá-lo para o Tribunal Constitucional.
A questão fraturante voltou a dividir bancadas, com 56 dos 79 deputados do PSD a votarem contra (Rui Rio votou a favor), assim como 10 do PS, mais os deputados do PCP, CDS e Chega. Vários deputados fizeram questão de apresentar declarações de voto para justificar a suas posições.
Do lado do BE, José Manuel Pureza, congratulou-se com a aprovação da morte medicamente assistida, defendendo que a lei é "equilibrada" e "justa" e foi a "resposta certa da democracia aos fundamentalismos e ao medo". E em homenagem ao falecido deputado do BE, apelidou a "lei João Semedo" ."A humanidade grande de João Semedo cunharam esta lei. Este teria de ser o dia em que o João estaria aqui para a aprová-la", declarou o deputado bloquista.
Também a deputada do PS Isabel Moreira, responsável pelo texto comum a partir dos cinco projetos de lei aprovados, a 20 de fevereiro, na generalidade elogiou o processo na especialidade, sublinhando que o diploma é "fruto" dos contributos de todos os deputados e grupos parlamentares.
"É uma lei tolerante e plural", afirmou a deputada do PS, congratulando-se com o facto de cidadãos com doenças terminais passarem a poder sem "a crueldade da perseguição penal" decidir por termo a vida. Falando em homens e mulheres em sofrimento "cuja voz não é hoje ouvida", Isabel Moreira considerou ainda que a aprovação da morte medicamente assistida coloca fim ao "insuportável silêncio" destes cidadãos sem "paternalismos".
O porta-voz do PAN, André Silva, considerou igualmente que existiu um "intenso" e "informado" debate sobre o tema, resultando na sua opinião o texto comum de uma "maioria progressista, solidária e empática consagra na lei o sentimento dos portugueses que confira liberdade e autodeterminação a quem queira partir segundo os seus valores".
Já o PCP e o CDS estiveram unidos nas críticas à aprovação da lei, defendendo a importância dos cuidados paliativos. O deputado comunista António Filipe alertou para eventuais "consequências sociais profundamente negativas".
"Existe da parte do PCP o justo receio de que essa mensagem possa levar a que se venham instalar no nosso país experiências que não queremos ver cá, como a banalização do recurso à eutanásia", afirmou o deputado comunista, defendendo ainda a importância dos cuidados paliativos.
Na mesma linha, o líder parlamentar do CDS-PP, Telmo Correia sustentou que "a eutanásia é uma derrota para todos" e que a lei hoje aprovada vai contra a Constituição "pelo direito à vida" nela consagrado, assim como os princípios deontológicos dos profissionais de saúde. E prometeu fazer tudo para que o diploma seja declarado inconstitucional, arrasando ainda o timing da aprovação em plena pandemia: "É no mesmo momento em que morrem milhares de pessoas por semana que o que o Parlamento tem a oferecer é uma ideia de morte", condenou.
Também o movimento Stop Eutanásia criticou a "cegueira" e a "falta de oportunidade" dos deputados que viabilizaram a lei. "Sentimos que existe falta de sentido de oportunidade, e reafirmamos a indignação por este ato cego e surdo dos deputados em relação ao momento em que estamos a viver, ao insistirem em trazer ainda mais 'morte' ao povo português; como explicar isto aos nossos profissionais de saúde que não querem dar a morte a ninguém?", questiona o movimento em comunicado.
De acordo com o diploma esta sexta-feira aprovado considera-se eutanásia "não punível a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva, de gravidade extrema, de acordo com o consenso científico, ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
Após a proposta do BE foi acrescentado no texto final que em caso de lesão definitiva deverá ser de "gravidade extrema, de acordo com o consenso científico" e na sequência de um alerta da Associação Portuguesa de Seguros, inclui-se a ressalva de que "para efeitos do contrato de seguro de vida, a antecipação da morte não é fator de exclusão".
Foi em fevereiro do ano passado que os projetos sobre a morte medicamente assistida do PS, BE, PEV, PAN e IL foram aprovados na generalidade, mas a pandemia atrasou o processo. Em outubro, chegou a discutir-se no Parlamento a proposta de referendo sobre a eutanásia, na sequência de uma iniciativa de cidadãos, mas foi chumbada com o PSD dividido e os liberais isolados na defesa de uma consulta popular sobre esta questão fraturante.
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