“O PCP faz bem em manter o seu Congresso?” Um sim e um não, para medir argumentos
Em pleno estado de emergência, o PCP fez bem em manter o seu congresso? O Expresso pediu argumentos a um dirigente comunista e a um crítico, de direita
Em pleno estado de emergência, o PCP fez bem em manter o seu congresso? O Expresso pediu argumentos a um dirigente comunista e a um crítico, de direita
António Filipe e Filipe Lobo d'Ávila
Sim, o PCP fez bem. Não, o PCP não devia fazer um congresso agora. António Filipe (deputado comunista) e Filipe Lobo d'Ávila (dirigente do CDS), expõem os seus argumentos.
SIM Tal vão os tempos quando um órgão de comunicação social questiona o direito de um partido realizar o seu Congresso sabendo que se trata de um direito constitucional que nem em estado de sítio ou de emergência pode, em caso algum, ser proibido ou submetido a qualquer autorização.
Há duas possibilidades de contestar a realização do Congresso do PCP: a política e a sanitária. A política só pode decorrer de uma atitude persecutória. A sanitária não tem qualquer fundamento.
Comecemos por esta última: o fim de semana em que o PCP realiza o seu Congresso há uma oferta de 60 espetáculos em salas que vão reunir muito mais pessoas que o Congresso do PCP. Ninguém as contesta. Com a Festa do “Avante!”, o PCP deu provas de conseguir realizar uma iniciativa de muito maior dimensão com rigorosas medidas de segurança. Todos quantos acusaram o PCP de tudo por realizar a Festa do “Avante!” deveriam corar de vergonha. Não coram porque não a têm.
Ao contrário de muitos que ninguém criticou, o PCP nunca fez nada que não levasse em conta as normas recomendadas pela Direção-Geral da Saúde. Nunca houve para o PCP qualquer tipo de privilégio. Bem pelo contrário.
Resta a questão política. De todos os eventos realizados nos últimos meses, só as comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República, as comemorações do 1º de Maio da CGTP, a Festa do “Avante!” e o Congresso do PCP sofreram massacres de contestação política e mediática. Há um óbvio denominador comum.
Contestar o Congresso do PCP em nome da pandemia não passa de uma desculpa sonsa e quem o contesta sabe isso muito bem. O problema não está no Congresso como não estava na Festa do “Avante!”. O problema é o PCP e a sua influência social e política. Aqueles que há décadas profetizam a morte do PCP, porque a desejam, não se conformam com o facto de o PCP ter contribuído decisivamente para afastar a direita do poder em 2015 e continuar, em 2020, a lutar pelos direitos dos trabalhadores e a afirmar os valores da democracia contra derivas fascizantes mediaticamente promovidas.
Esta campanha contra o PCP assume foros de hipocrisia, quando os que a promovem dizem lamentar os prejuízos políticos que o PCP pode sofrer por realizar o Congresso, sabendo que tais prejuízos não assentam em nenhuma base racional, mas apenas na assimilação acrítica dos pressupostos falsos em que assenta a campanha que promovem.
Filipe Lobo d’Ávila
NÃO Nos últimos dias foram muitos os políticos que utilizaram argumentos formais de legalidade para justificar o injustificável. Há questões que estão longe de se traduzir apenas em questões formais de legalidade. A realização ou não do Congresso do PCP é claramente uma delas.
A realização é tudo menos uma questão de legalidade. É uma questão de bom senso, sensatez e respeito pelo sacrifício dos portugueses. É igualmente uma questão de exemplo dos partidos e dos políticos num momento em que a política tão desacreditada está e tão importante é. É antes de tudo a de se saber se no atual momento de estado de emergência, depois de impostas medidas restritivas a todo o país, depois de se ter confinado o país durante dois fins de semana seguidos, se é ou não é razoável que um partido político — seja ele qual for — realize um evento onde junta centenas de pessoas no mesmo local, no mesmo momento em que todos os portugueses continuam sujeitos a medidas restritivas do estado de emergência.
Do meu ponto de vista claramente não é. Não é de bom senso, não é sensato e não é exemplo a seguir por se traduzir num total desrespeito pelo sacrifício que tantos portugueses hoje fazem.
A lei não permite cancelar o congresso do PCP, mas a lei permite cancelar deslocações, fechar negócios e confinar as pessoas em sua casa. A lei não permite cancelar o congresso do PCP, mas a lei permite restringir e impedir mesmo a realização de visitas a doentes internados em unidades hospitalares. A lei não permite cancelar o congresso do PCP, mas qualquer um de nós está impedido de se despedir, em família e entre amigos, de um familiar seu que parta desta vida. Só dou exemplos que infelizmente conheço de perto.
Podem pintar o argumento da legalidade como quiserem, mas é tudo menos uma questão de legalidade. É uma questão de bom senso, sensatez, respeito pelo sacrifício dos portugueses e, sobretudo, exemplo de uma classe política que tem o dever de dirigir o país num dos momentos mais críticos da nossa história coletiva. Quando nós próprios não nos damos ao respeito é muito improvável que os portugueses nos respeitem. O congresso do PCP não se devia realizar e deveriam ser os próprios comunistas a constatar isso mesmo. Não é a lei que está em causa por permitir ou proibir. É o exemplo, a sensatez e o respeito pelo sacrifício de todos.
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