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O PCP é “oposição”. Jerónimo apela à “resistência” de um partido cercado

O PCP é “oposição”. Jerónimo apela à “resistência” de um partido cercado
ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Na abertura de um Congresso que manteve porque seria um "egoísmo" não o fazer, Jerónimo quis distanciar-se do Governo - um dia depois de viabilizar mais um Orçamento. O PCP não faz parte de uma "alegada" maioria de esquerda. E se resiste a ataques (da direita e da comunicação social) e aos problemas (nas contas do partido, nas bases que vão desaparecendo) a explicação é simples: "Somos o que somos"

Um partido que enfrenta a maior ofensiva reacionária desde o 25 de Abril. Um partido que “é o que é”, mesmo que não seja compreendido e se sinta atacado pela direita e pela comunicação social. Um partido que se vê associado ao Governo por lhe continuar a viabilizar Orçamentos e que é questionado por fazer um congresso em tempos de pandemia. Um partido que, no fundo, acredita que está cercado.

Foi assim que Jerónimo de Sousa descreveu o estado do PCP, na abertura do Congresso em Loures e diante de metade dos delegados que lá deveriam estar, não fosse a pandemia. Falando aos seus, o secretário-geral explicou as dificuldades e também as razões do partido, um dia depois de ter voltado a viabilizar um Orçamento do PS, mesmo que o envolvimento na 'geringonça' não lhe tenha trazido ganhos eleitorais.

Geringonça "susteve, limitadamente" problemas. Mas isso não chega

E foi esse papel na “nova fase da vida política nacional”, como o PCP lhe chama, que Jerónimo fez questão de esclarecer. O acordo com o PS serviu, sim, para “suster, limitadamente”, os problemas do país e concretizar com alguns avanços. Mas isso não significa nem que o PS e as suas “opções de classe” tenham mudado. O secretário-geral comunista acusa o "Governo PS, em convergência com PSD e CDS" de "continuar a ir ao encontro dos interesses do grande capital", nomeadamente nas mexidas às leis laborais.

Se o PS não mudou, mais importante ainda, o PCP também mantém a sua natureza de partido de “oposição”: “O PCP não é agora, nem foi na legislatura que findou, Governo ou parte de uma alegada maioria”.

Como explicar, então, que o partido continue aparentemente alinhado com o Executivo, ajudando a viabilizar os seus Orçamentos? Com os ganhos concretos que o partido conseguiu. Jerónimo disse que o PCP "não desistiu do país", e que conseguiu "inscrever na versão final do Orçamento do Estado medidas que terão tradução concreta na vida dos trabalhadores e do povo". Segundo o secretário-geral, a abstenção não é uma aproximação ao Governo, antes pelo contrário: "Marca um distanciamento face a opções e critérios que o Governo assume num Orçamento que é da sua responsabilidade. O Governo não tem qualquer desculpa", afirmou Jerónimo um dia depois de ter viabilizado o Orçamento de António Costa.

Com uma referência relevante: quando falou na “luta” dos sindicatos, Jerónimo fez questão de sinalizar a conquista do suplemento de penosidade e risco neste Orçamento - uma bandeira desta que é uma das suas mais relevantes bases eleitorais.

"Privilégio" e "egoísmo" seria desistir do congresso

A ideia de que o PCP será o parceiro preferido do Governo - e que o próprio Executivo e o primeiro-ministro alimentam sempre que podem - é para desfazer e fará parte dos ataques de quem quer destruir o partido, explicou Jerónimo. Mas não é a única “ofensiva” a que o PCP tenta responder: tal como na Festa do “Avante!”, o secretário-geral comunista insistiu que o partido se vê sob ataque nas mais variadas frentes e que a existência do seus próprios eventos em tempos de pandemia - antes o "Avante!", agora o Congresso - é uma prova da sua “resistência”.

Se muitos, sobretudo à direita, acusam o PCP de beneficiar de “privilégios” que lhe permitem realizar um Congresso nesta altura, Jerónimo respondeu: “Privilégio e egoísmo” seria “resguardar-se” enquanto tantos continuam a trabalhar e a enfrentar o risco do vírus todos os dias. E essas acusações, sublinhou, vêem tanto da direita que se “rearruma” agora, para concretizar a “maior ofensiva reacionária desde o 25 de Abril”, como da comunicação social, a quem dedicou variados ataques, por estar controlada por grupos “imperialistas” que “condicionam o seu conteúdo ideológico”.

As dificuldades financeiras e nas bases

As dificuldades são sentidas até por dentro: Jerónimo, que durante boa parte do discurso citou quase diretamente as teses do partido (um documento de orientação política pré-congresso), reconheceu os problemas também para a organização interna, como as teses já faziam. Seja para a direção - “respondemos no essencial, mas é necessário superar insuficiências” - ou para as bases - as mortes das gerações mais velhas fizeram com que o PCP, mesmo conseguindo somar novas entradas, perdesse em número de militantes.

A isto somam-se as dificuldades financeiras, pelo que será necessário "controlo de despesas" e "aumento de receitas": “A independência financeira é fundamental”, frisou, falando na necessidade de angariar fundos - que implicam mesmo uma “atenção permanente” - e quotas.

Traçado o quadro de ameaça constante, como é que o PCP resiste a tudo isto? Com uma identidade “própria e inconfundível” e uma análise que não cede “a campanhas, mentiras ou ameaças” (entenda-se, seja para decidir sobre o "Avante!", o Congresso ou os Orçamentos do PS). “O partido resistiu, como nenhum outro teria conseguido, e assim é porque somos o que somos, temos as características que nos diferenciam de todos os outros", resumiu Jerónimo. Se essa essência será entendida por mais ou menos eleitores quando for altura de ir às urnas, logo se verá.

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