Só há uma certeza. "Daqui a duas semanas aqui estaremos a discutir a prorrogação para um terceiro período de estado de emergência", garantiu Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, o escolhido do Governo para encerrar o debate sobre o decreto para mais um estado de emergência, o quinto desde o começo da pandemia, o segundo da atual vaga de covid-19. Mas se certezas não há, mudanças ou sinais delas não faltaram. A primeira, logo na bancada do executivo onde, desta vez, António Costa, em aquecimento para o debate do Orçamento, se sentou. A segunda, só se confirmou no final da votação: o apoio às declarações de estado de emergência está a encolher. Desta vez, só PS, PSD e Cristina Rodrigues o votaram favoravelmente, o CDS passou à abstenção e o Chega, que se abstivera há quinze dias, juntou-se a PCP, PEV, IL e Joacine Katar Moreira a votar contra. Lembrete: na quinta-feira, antes de enviar o decreto para o Parlamento, o Presidente da República frisou que a emergência terá de ser renovada, porque achatar a curva da pandemia vai demorar "semanas, meses".
Coube a Constança Urbano Sousa abrir o debate, apelando ao pragmatismo e defendendo que, mesmo percebendo quem reclama por um regime jurídico mais adequado ao momento, "em tempo de batalha não se limpam armas" e anunciando o mais previsível dos votos quanto ao decreto de estado de emergência. A ex-ministra da Administração Interna ainda lembrou que não era a democracia que está a ser suspensa, que a prioridade é "salvar vidas sem matar a economia", que tudo é uma questão de "segurança jurídica" e que o momento dispensa "exercícios populistas inúteis de treinadores de bancada". Uma mensagem que colhe cada vez menos apoio parlamentar.
Do PSD, Adão Silva garantiu os sociais democratas apoiam o "Presidente da República e Governo a salvar vidas", mas disparou ao que disse serem as incongruências da política do executivo. Em particular a uma especial, o congresso do PCP marcado para o final do mês. "O governo deve a sua sobrevivência política ao Partido Comunista", disse em jeito de justificação para uma exceção que, diz, "os portugueses não vão entender". Uma crítica que se revelaria bem mais consensual que o apoio ao estado de emergência e que mereceria uma resposta direta de João Oliveira. "É mesmo essa a posição do PSD ou é só mais uma encomenda do Chega?", questionaria o deputado comunista antes de garantir que o congresso será "um exemplo" do cumprimento das normas sanitárias.
Também consensual parece a ideia de que o Estado terá de recorrer ao sector privado e cooperativo para o combate á pandemia. Mas a forma varia - e muito. E se PSD e CDS acusam o governo de preconceitos ideológicos, do lado da esquerda, enquanto PCP e Verdes se dizem contra, o Bloco reclama por uma posição de força. "Falta a decisão para forçar que esses sectores não faltem ao país neste momento essencial. É essa coragem que esperamos que o Governo tenha neste estado de emergência", disse Catarina Martins. Contexto: o Bloco defende que o Estado requisite pessoal e serviços dos privados para o SNS, sem pagamento de serviço.
CDS mais longe
Telmo Correia assumiu a palavra na vez dos democratas-cristãos. As críticas às medidas "avulsas" e "contraditórias" adotadas nas últimas semanas e a ideia de que o governo "está a perder credibilidade", colocaram o CDS mais longe de PS e PSD, mas com o mesmo sentido de voto de Bloco de Esquerda ainda que com um alvo diferente. "Depois de o 1 de maio e o Avante dá para ver que as regras não são iguais para todos. Uns têm que que ficar fechados em casa ou fechar os seus estabelecimentos e não podem ir aos cemitérios, outros podem reunir-se às centenas no momento mais crítico da pandemia", disse sobre o congresso comunista.
Mas o alinhamento entre CDS e Bloco no sentido de voto, não foi a única concordância inusitada da manhã. PAN e Iniciativa Liberal também se alinharam na hora de criticar o novo decreto. Inês Sousa Real assumiu a "preocupação" com o "abrir a porta ao internamento compulsivo ou confinamento contra a vontade, uma das formas mais gravosas de restrição à liberdade". Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, foi ainda mais longe ao destacar o "requinte de malvadez" do decreto, "ainda pior que o anterior", que agora impede os profissionais do SNS de saírem do país.
Copo meio cheio
Na hora de fechar o debate, Eduardo Cabrita recorreu à matemática para destacar o copo meio cheio em vez de registar a fuga de um aliado parlamentar. "Mais de 90% dos deputados manifestam uma posição que se traduz na viabilização do segundo período do estado de emergência", disse o ministro da administração interna que ainda aproveitou para enaltecer "a adesão exemplar e o sentido cívico, que os portugueses demonstraram" e deixar o desejo de que a postura tenha "sintonia" nos órgãos de soberania.
Certezas ministro só tem uma - "daqui a duas semanas cá estaremos outra vez a renovar o estado de emergência". Se a desejada "sintonia" lhe garante a aprovação no parlamento logo se verá.
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