Muito do que é sensível, não se toca. Ou melhor, adia-se o mais que se pode. Foi esta a máxima seguida pelo PS e PCP em vários dossiês sensíveis que estavam para ser aprovados esta sexta-feira. No que ao BE diz respeito, mais vale chumbar já as medidas para não criar expectativas; os dois lados estão afastados, não há grandes conversas e isso nota-se. Ou melhor, notou-se no primeiro dia de votações do Orçamento do Estado. Os comunistas saíram com ganhos relevantes ao conseguirem aprovar 25 propostas (algumas com o PS outras em coligação da oposição), o BE sai sem nada para contar (sete das 12 propostas do partido já foram chumbadas). Depois disto, o Governo só tem uma via para conseguir aprovar o Orçamento: tem mesmo de segurar a abstenção do PCP e do PAN.
Primeiro, o PCP. Os comunistas e o Governo concordaram adiar algumas votações importantes. Foi assim nos artigos relacionados com a saúde: na consolidação da mobilidade e cedência no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, no que toca às propostas para a criação de um subsídio de risco e de salubridade para trabalhadores em funções públicas e ainda no que diz respeito à majoração do montante do subsídio de desemprego e do subsídio por cessação de atividade.
Estes adiamentos têm um propósito: a negociação até segunda-feira. O Governo ainda tenta acertar com comunistas estas propostas e tenta evitar que se formem coligações da oposição. Nesta sexta-feira, por várias vezes o BE votou contra a proposta de lei do Governo que acabou salva pelo voto a favor do PCP, evitando que a proposta caísse e mostrando que a negociação se faz com o PCP e já não com o BE.
No caso da criação do subsídio de risco e salubridade, o Governo estima que a proposta comunista possa ter um impacto muito superior à da proposta do PS e que por isso possa vir a ser difícil de manter por autarquias, por exemplo. Nas restantes propostas adiadas, há também pontos a afinar até porque há propostas do BE no mesmo sentido.
PCP: mais avanços do que recuos
O PCP terá sido dos maiores vencedores deste primeiro dia, com várias propostas aprovadas, muitas com o voto do PS, outras por coligações da oposição. O PCP pode colocar no quadro das grandes conquistas (todas com o acordo do PS) o aumento das pensões em 10 euros para todas as pensões até 1,5 IAS (658 euros); o aumento de admissões de guardas prisionais e também nas forças e serviços de segurança com o reforço de 2500 profissionais em 2021 e ainda uma possibilidade de revisão do valor das mensalidades nas creches, jardins de infância ou centros de tempos livres. A proposta do PCP obriga estas instituições a reverem a mensalidade cujas atividades sejam suspensas ou reduzidas e procederem à revisão do valor da comparticipação familiar, quando esta é requerida pelos utentes. Em causa estão as situações relacionadas com a pandemia de covid-19, em que, mantendo-se o estabelecimento em funcionamento, uma parte das crianças tenha de permanecer em casa por recomendação das autoridades de saúde. O novo valor a definir tem, assim, de ter em consideração os rendimentos dos últimos dois meses.
O PCP conseguiu ainda outras medidas como uma que visa eliminar desigualdades entre trabalhadores de saúde com contratos individuais de trabalho e aqueles que estão abrangidos por contratos de trabalho em funções públicas. Também teve ganhos de causa na compensação para os funcionários de serviços públicos que sejam deslocados para zonas do interior do país, quando os seus serviços forem transferidos.
Várias das propostas conseguidas pelos comunistas estavam relacionadas com a Madeira, como o custo máximo para as viagens de estudantes ou ainda a renovação das esquadras. O PCP fez aprovar outras medidas como a proposta para a construção do Hospital Central da Madeira ou a redução de taxas aeroportuárias cobradas nos aeroportos da Madeira e do Porto Santo.
No entanto, houve vários chumbos de rajada. Os socialistas (com a ajuda do PSD), chumbaram três propostas importantes para os comunistas como o alargamento do abono de família ou a revisão anual das atribuições dos abonos. Também ficou pelo caminho a proposta de acesso à pensão de velhice, sem penalizações, aos trabalhadores que completem 40 anos de remunerações.
BE: sem nada para lucrar
Se dúvidas houvesse sobre a maior novidade deste Orçamento do Estado - a separação, pela primeira vez desde os tempos da 'geringonça', de Bloco de Esquerda e PS - o primeiro dia de votações veio desfazê-las. Uma por uma, o Bloco viu as suas propostas cair, sempre com o voto contra do PS. Só tinha apresentado um pacote de 12 medidas na especialidade (em contraste, por exemplo, com as 320 do PCP); dessas, sete foram votadas esta sexta-feira… e nenhuma passou.
A razia começou cedo, com uma proposta sobre um dos focos principais do partido - o reforço da Saúde - a ser chumbada com o voto contra dos socialistas: a autonomia para os serviços do SNS no que toca à contratação de pessoal. Foi a primeira vez que Catarina Martins recorreu ao Twitter, para reagir e questionar o Governo: “Percebe-se que a direita ache normal que o SNS tenha autonomia para contratualização com privados, mas não para contratar trabalhadores. E o PS?”.
Entretanto, algumas das medidas mais emblemáticas do Bloco ficariam adiadas para a próxima semana (caso do alargamento da nova prestação social, das condições para a dedicação plena dos profissionais ao SNS e da solução para o Novo Banco, retirando dos mapas orçamentais os 476 milhões de euros destinados ao fundo de resolução - tudo medidas que, mesmo por entre adiamentos, o PS não quererá aceitar).
Mesmo assim, o final da noite traria mais chumbos: já perto do fim da longa sessão de votos, o BE viu todas as suas propostas sobre legislação laboral receberem cartão vermelho do Parlamento. Foi o caso da indemnização por despedimento, caducidade da contratação coletiva, tratamento mais favorável, período experimental, manutenção do emprego nas empresas que recebem apoios e contratos para trabalhadores da Uber/plataformas digitais. No final, mais uma reação no Twitter: “As seis medidas relativas ao trabalho que o Bloco apresentou no Orçamento foram chumbadas agora mesmo. Medidas de impacto orçamental nulo, mas com impacto máximo na resposta à crise. Pode existir uma resposta de esquerda à crise com as regras da direita?”, questionava Catarina Martins.
Pelo menos uma questão ficou esclarecida: as visões que Bloco e Governo têm sobre a resposta que deve ser dada à crise são mesmo diametralmente opostas - e os próximos dias não deverão chegar para resolver as divergências. Com o BE a insistir que o Executivo está a dar “respostas mínimas” a uma “crise máxima”, é improvável que altere o seu sentido de voto - contra - quando, na quinta-feira, chegar a hora de apresentar o voto final.